Análise: Desafios operacionais e regulatórios para o avanço das renováveis são ponto nevrálgico para novo governo

Roberto Rockmann*

O avanço das fontes renováveis, em especial a GD (geração distribuída) solar, será um dos pontos nevrálgicos a serem superados pelo Ministério de Minas e Energia, que terá de coordenar soluções operacionais e regulatórias.

A concessão legal de subsídios nas tarifas de conexão – pela Lei 14.120/2021, que limitou benefícios a projetos que solicitassem autorização para geração até 1º de março de 2022, e pela Lei 14.300/2022, que concedeu benefícios a projetos solares até 7 de janeiro de 2023 – criou a corrida por outorgas e uma série de problemas para o setor elétrico.

A inabilidade no ingresso rápido e desordenado das fontes variáveis tem deixado dúvidas no setor de transmissão em relação a gargalos na cadeia em relação aos leilões que poderão ser feitos em 2023 e que poderão superar R$ 35 bilhões, volume que poderá ser ainda maior com o segundo bipolo.

Há preocupação de que esses investimentos poderão não ser feitos no prazo, não serem entregues ou já cheguem com capacidade de escoamento esgotada. A maior preocupação se refere principalmente à região do norte de Minas Gerais e sul da Bahia, o que já fez o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) destacar esse ponto.

O volume de centenas de projetos em diferentes estágios de maturação já fez o governo passado, de Jair Bolsonaro, estudar lançar um leilão de margem de escoamento de energia, pelo qual os investidores teriam de desembolsar um valor para furar a fila da conexão e ter prioridade no acesso.

O certame, previsto ocorrer no primeiro semestre, dificilmente deve ocorrer no prazo, em um governo que mal anunciou sua equipe em quase 40 dias de trabalho.  A consulta pública referente à proposta de leilão se encerrou em 23 de janeiro.

Para um advogado, há receio ainda de judicialização de investidores que tenham problemas em levar adiante seus projetos pensados com os benefícios de conexão à rede. Isso torna ainda mais complexa a questão da transmissão e exigirá jogo de cintura dos dois lados da mesa – governo e investidores. 

GD solar pode ter regulação definida nesta semana
O ponto mais visível hoje das incertezas que reinam está na discussão sobre a nova regulação da GD solar, que poderá ser votada nesta terça-feira pela diretoria da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).

Na semana passada, na discussão sobre o tema, o diretor de regulação da Abradee (Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica), Ricardo Brandão, surpreendeu ao dizer que, em três meses, 31 associadas da entidade receberam 32 GW de capacidade de pedidos de conexão de micro e minigeração distribuída solar, em razão do desconto concedido até 7 de janeiro deste ano.

O número é rebatido pelo setor solar. “Pela magnitude deles, era importante que eles fossem disponibilizados em site e ordenados por um órgão público. Eu diria que nem a ANEEL tem os dados”, diz Bárbara Rubim, vice-presidente do conselho da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica).

EPE e ONS se tornaram varais
“A EPE e o ONS viraram um grande varal. Se a GD se expandir muito nos próximos dois anos, não há como o planejador e o operador equacionarem os problemas de confiabilidade e de segurança energética. 
Suponha que o sul do Brasil tenha, em 2025, 25 GW de GD. Se, inesperadamente, toda região ficar sem sol por 2 horas entre 11h e 15h, não há, hoje, uma forma planejada para resolver o problema”, pondera o ex-diretor da ANEEL Edvaldo Santana.

Não seria necessário ter controle público e de um órgão estatal sobre os números das corridas? Não se perdeu a mão nessas corridas? “Apesar do planejador estatal, a segurança do sistema ficou a reboque dos subsídios, que estimulam a expansão desordenada de todas as fontes, aí incluídas as térmicas inflexíveis contratadas pela lei que autorizou a capitalização da Eletrobras”, observa Santana.

O crescimento da GD traz uma série de questões para a operação dos sistemas de distribuição com reflexos para o sistema como um todo. Será preciso destravar com urgência regulação para armazenamento, serviços ancilares e mercado de flexibilidade, assim como melhorar a coordenação do sistema.

“Como não há sol 24 horas por dia, na ausência de baterias locais, são necessários recursos com a flexibilidade necessária para aumentar ou reduzir a geração dependendo da disponibilidade de sol. Muitos recursos podem fazer isso, como geradores, baterias, resposta da demanda”, diz o presidente da PSR, Luiz Augusto Barroso.

“É fundamental desenhar os protocolos regulatórios e incentivos para que exista uma coordenação entre todos esses recursos do lado distribuído da rede e o sistema principal de transmissão, e este é um desafio global”, analisa. A matéria de capa da “The Economist” deste fim de semana aponta as dificuldades que os Estados Unidos têm para avançar com energia renovável em razão de desafios regulatórios e burocráticos existentes na área de transmissão.

Barroso destaca que a GD pode ajudar as distribuidoras em serviços específicos, mas tudo isso demandará muito mais do operador, pois as fronteiras de transmissão e distribuição estão cada vez mais misturadas, com as transmissoras podendo se tornar operadores de minirredes de transmissão, oferecendo um novo serviço.

Há um outro ponto a ser levado em conta, destaca o presidente da PSR. Pelo lado comercial, a GD é um recurso que produz a custo variável unitário nulo, assim como qualquer recurso inflexível, que é o caso das térmicas da Eletrobras. Estes recursos são acionados antes de todos os demais na ordem de mérito de despacho e reduzem a demanda que “os demais” atendem e com isso contribuem para a redução dos preços de energia no mercado de curto prazo.

Questão além do sol
A questão não se refere apenas à energia solar. A Lei 14.120/2021, que limitou benefícios a projetos que solicitassem autorização para geração até 1º de março de 2022, também tem deixado preocupados muitos investidores, admite a presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), Elbia Gannoum.

Há empreendedores que já desenvolveram projetos e até venderam energia. Seu montante ainda está sendo avaliado. A entidade tem solicitado ao governo e à agência reguladora que sejam tratados primeiro os projetos que já venderam energia e precisam entrar em operação em breve e, em seguida, aqueles que ainda não foram contratados, mas correram para garantir os descontos.

Para um atento observador, que viveu o racionamento de energia em 2001 e assiste hoje aos desafios criados pelas corridas de subsídios e as dificuldades de grandes distribuidoras como a Amazonas Energia e Light, a situação está bastante desafiadora.

Isso faz com que ele lembre uma frase do empresário José Luiz Alquéres, ao comentar o livro de Jerson Kelman “Os desafios do regulador”, em referência ao autor da publicação. “O regulador brasileiro, este ser espremido entre pressões de todos os lados, dependente de frágil arcabouço jurídico, mal remunerado, mas, com muita frequência, grande.”

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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