Roberto Rockmann*
Mais uma vez, um projeto de lei do setor elétrico ganha jabutis com um roteiro conhecido. A conta, que já era alta, pode ficar ainda mais, com o mercado regulado podendo absorver mais ineficiências.
Isso permite uma outra leitura: quanto mais contas pesarem sobre os consumidores cativos, mais elevada será a conta da não migração para o mercado livre, maior a tendência de encargos de sobrecontratação elevados com a abertura total.
Os jabutis incorporados também trazem à tona a necessidade de um debate sobre a criação de métodos que possam prevenir os jabutis, criados sem embasamento técnico.
Na Lei 14.182/2021, que autorizou a capitalização da Eletrobras e permitiu a contratação de 8 GW em térmicas, não se fez estudo de impacto regulatório da medida. Estudo da consultoria PSR para o Ministério da Economia aponta que as térmicas elevam em seis pontos percentuais a sobreoferta entre 2022 e 2040.
“Essa grande sobreoferta, aliada ao aumento de inflexibilidade operativa da matriz com fontes renováveis variáveis, pode levar a períodos de baixos preços e baixa geração hidrelétrica”, informa o estudo.
No PL 2.703/2022, estipula-se que 1,5 GW de térmicas que seriam contratadas pela lei que autorizou a capitalização da Eletrobras agora seriam convertidas em “novas centrais hidrelétricas até 50 MW, a serem implantadas nos estados da região Centro-Oeste, respeitada a equivalência de energia tendo em vista a inflexibilidade de 70% (setenta por cento), devendo a contratação ser feita até 2023 e a energia entregue na data prevista no § 1º.”
Isso cria uma situação, no mínimo, inusitada. “Pelo que entendi, querem que as PCHs substituam as termelétricas que não serão viáveis sem o Brasduto. O problema é que tais termelétricas eram exatamente para reduzir a vulnerabilidade no uso das hidrelétricas. É isto que consta na justificativa apresentada pelo relator do jabuti. Agora, teremos o jabuti do jabuti”, destaca o ex-diretor da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) Edvaldo Santana.
Ele ainda destaca outro ponto. “E é muito provável que não existam 50 PCHs de 50 MW. Nem construídas nem a construir. A que situação chegamos? Já não se sabe se era falso o argumento anterior, para as termelétricas, ou o novo, para as PCHs. Os dois são falsos”, aponta. Há análise do impacto ambiental da construção dessas usinas? Lembrando que o Pantanal está na região Centro-Oeste e é a maior planície alagável do planeta.
Remédio antijabuti
A diretora de assuntos técnicos e regulatórios da Anace (Associação Nacional dos Consumidores de Energia), Mariana Amim, tem defendido em artigos e em participações públicas que um remédio para esses jabutis seria propor que “todas as alterações legais derivem só do amplo contraditório e sejam amparadas pela imprescindível avaliação de seu impacto regulatório”.
O Congresso tem se tornado muito mais que planejador, vide o papel no PDL (Projeto de Decreto Legislativo) 365, que busca manter a metodologia atual de cálculo das tarifas de transmissão e alterar regulação da ANEEL.
O setor elétrico tem discutido muito a neutralidade tecnológica. Deve começar a debater a neutralidade parlamentar. O Ministério de Minas e Energia, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) e a ANEEL foram criados para cumprir papéis.
Ao exercer protagonismo, o Congresso cria ainda mais incertezas e indica que os custos da modernização e expansão poderão ser mais elevados.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
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