Análise: leilão de transmissão pode esclarecer estratégias de Eletrobras, Auren e Cemig

Roberto Rockmann*

O leilão de transmissão, que ocorre hoje (30) logo mais, às 10h, na B3 em São Paulo, poderá responder a dúvidas de investidores em relação à estratégia futura de três empresas: Eletrobras, Auren e Cemig.

Serão licitados nove lotes para construção e manutenção de 6.184 quilômetros de linhas de transmissão e 400 MVA (megavolt-ampéres) em capacidade de transformação de subestações, com previsão de R$ 15,7 bilhões em investimentos.

Com 70 mil quilômetros de linhas de transmissão, cerca de 40% do parque brasileiro, a Eletrobras voltou a ganhar lotes em leilões em julho de 2022, com a Eletronorte conquistando um lote com uma subestação em Porto Velho, e investimentos de R$ 137,7 milhões. Foi a volta depois de anos afastada dos certames. Agora, a expectativa de investidores é de que a empresa seja uma das principais participantes deste leilão. Aumentar a receita regulada se tornou essencial.

O presidente da empresa, Wilson Ferreira Jr., tem reforçado nos últimos dias a investidores que a empresa tem se debruçado sobre os lotes e tem interesse em reforçar sua presença na área. A Eletrobras tem estudado nos últimos três meses os ativos do leilão com um grupo interdisciplinar.

Em 2027 deve ser concluído o pagamento do componente financeiro da RBSE (Rede Básica Sistema Existente), uma espécie de indenização paga para as companhias em razão de divergências surgidas com a MP (Medida Provisória) 579. Hoje a empresa obtém cerca de 60% de sua receita no mercado regulado, com a transmissão sendo a principal fonte de receita. Sem o RBSE, essa parcela do regulado cairia, aumentando a parcela do não regulado.

Isso ocorre em um momento em que a empresa vive a descotização de sua energia, que se estende deste ano até 2027 e fará com que 8 GW médios sejam descontratados nesse período. Os reservatórios em alta e a economia andando de lado fazem com que os preços da energia no mercado livre fiquem baixos. Ter uma participação ativa em transmissão é importante para contrabalancear esses efeitos.

A Eletrobras não apenas olha esse leilão, mas o próximo, que deve ocorrer no segundo semestre e que poderá contar com oferta de um novo bipolo em corrente contínua no Sistema Interligado Nacional. Essa tecnologia já foi implementada no Brasil na interligação de grandes hidrelétricas da região Norte com o Sudeste e teve a Eletrobras também nessa inserção.

“A transmissão se tornou no Brasil e no mundo peça essencial para a transição energética e para o avanço das fontes variáveis”, disse à Agência iNFRA André Clark, vice-presidente sênior da Siemens Energy para a América Latina. Isso aliado à sobreoferta de projetos de geração faz com que a transmissão seja ponto central da estratégia das empresas nestes próximos anos.

MG como centro de conexão
Dos nove lotes a serem ofertados no leilão de hoje, seis deles têm Minas Gerais como centro de conexão. A equipe da Cemig tem se debruçado sobre as linhas a serem licitadas. Vitoriosa no certame, a empresa poderia capitalizar a sua possível privatização, segundo investidores. “O governo de Minas Gerais está buscando avançar com o projeto na Assembleia Legislativa e o modelo de capitalização parecido com o da Eletrobras pode ganhar ímpeto com a participação”, diz um financiador.

Nas últimas semanas, bancos foram visitar a estatal mineira e o governador Romeu Zema para obter indicações dos planos em relação às estatais. Receberam sinais de que o governo quer avançar. Recentes dificuldades de empresários de GD (Geração Distribuída) solar e de parques centralizados de energia solar de obterem pareceres de acesso, em razão de dificuldade de escoamento na rede, foram usados como exemplos de que a estatal mineira precisa de capital para ampliar seus negócios. 

Estreia da Auren
O leilão de hoje também poderá marcar a estreia da Auren no segmento de transmissão. O avanço na área não é novidade, mas poderá concretizar-se nesse certame. A diversificação de atividades passa a ser importante em um momento em que um conjunto de fatores tem reduzido a atratividade em geração: da sobreoferta de projetos à falta de valorização de atributos de fontes, como nas hidrelétricas, que não são remuneradas pela água acumulada nos reservatórios, função similar à de uma bateria.

Taxa de juros alta, crédito mais caro no exterior e pressão sobre a cadeia de fornecedores contribuem para grandes empresas participarem, como a Auren. Neste mês, a empresa anunciou que celebrou a cessão dos direitos creditórios de um acordo judicial com a União para indenização pela Usina Hidrelétrica de Três Irmãos. O pagamento será de R$ 4,2 bilhões.

Os olhares também estarão sobre outros players. “Estamos animados e estudamos os lotes”, disse Rui Chammas, presidente da ISA Cteep, à Agência iNFRA. A Engie, que estreou no segmento em 2017, também já manifestou interesse nos leilões.

O leilão de hoje marca uma mudança de paradigma no porte dos leilões de transmissão a partir deste ano. Entre 2023 e 2025, devem ser realizados pelo governo federal seis leilões que poderão movimentar cerca de R$ 80 bilhões em investimentos, caso seja confirmado o segundo bipolo de transmissão, que conectaria o Rio Grande do Norte às regiões Sudeste e Sul. Os estudos de viabilidade desse empreendimento devem ser concluídos até o fim do ano, o que poderia fazer com que fosse licitado em 2025.

Mas há dúvidas sobre o cronograma da licitação do segundo bipolo. Se há dez anos havia um ou dois bipolos por ano sendo feitos no mundo, hoje, com a transição energética e Estados Unidos e União Europa com programa de subsídios para energia verde, há mais de 20 projetos sendo tocados anualmente. Não há muitos fornecedores no mundo. “É importante planejamento sobre esse ponto”, afirma Clark, da Siemens.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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