Roberto Rockmann*
Há cerca de um mês, quando o cargo de presidente da Petrobras estava vago, em decorrência da saída do general Joaquim Silva e Luna e da desistência de Adriano Pires, o Ministério de Minas e Energia organizava um evento no TCU (Tribunal de Contas da União) sobre a capitalização da Eletrobras.
Quando funcionários do ministério ligaram para executivos para sondar a participação no evento que defenderia a privatização da Eletrobras, alguns deles ficaram com o coração na mão. Sem saber inicialmente a razão da ligação, alguns recearam que o motivo do telefonema fosse outro: assumir a Petrobras, havia dias sem comando.
Outrora ponto alto da carreira, assumir a Petrobras hoje é visto com receio sob um conturbado cenário. Vinte anos depois do início do regime livre de preços, o país ainda ensaia os passos rumo à liberdade total ou à interferência no mercado de derivados de petróleo.
Com um mês no cargo, José Mauro Ferreira Coelho perdeu seu principal anteparo no cargo com a saída do ministro Bento Albuquerque. É fritado em praça pública, ou melhor, no cercadinho do presidente Jair Bolsonaro. “Pergunta para o Sachsida”, respondeu o presidente, quando questionado sobre a troca de presidente da estatal. O posto Ipiranga agora mudou de nome.
Ferreira Coelho está isolado na presidência da maior empresa brasileira. A fritura deverá continuar, já que o contexto internacional pressionará preços. O arrastar da guerra entre Ucrânia e Rússia se combina a um lockdown na China, que afeta 30% do PIB do país asiático. Tudo isso em um contexto eleitoral, que se acirrará a partir de agosto e em que o bolso do consumidor está fragilizado por uma estagnação que se arrasta desde 2014.
Fica ou não fica?
Há rumores para todos os lados. Fontes próximas ao governo acreditam que Ferreira Coelho deverá continuar no cargo, mas enfraquecido para aguentar as pressões para mudar a política de preços da estatal. Outra ala aponta que ele poderá deixar o cargo. Em paralelo, no Congresso, ganham corpo articulações para projetos de lei de controle dos preços dos combustíveis, de uma maneira similar ao Projeto de Decreto Legislativo 94/2022 (que suspende tarifas de energia elétrica).
No governo, buscam-se brechas na Constituição para atuar na Petrobras, com o pensamento de que em uma empresa estatal (na verdade, capital misto) a finalidade seria social. Faz sentido distribuir bilhões e bilhões de dividendos para uma empresa estatal? Frise-se que uma parte do lucro vai para as contas da União, acionista majoritária. Com 45% do capital total nas mãos de investidores fora do Brasil, os rumos da discussão poderão ter impacto sobre o fluxo de investimentos externos para o país e o humor de fundos internacionais que têm ativos brasileiros no radar.
Sob o cenário de preços de energia em alta e inflação batendo recordes em nações emergentes e países desenvolvidos, a guerra entre Ucrânia e Rússia ingressou no centro da campanha presidencial do Brasil, indiretamente neste ano. Além da discussão sobre a política de preços, há outras em curso.
A provável inclusão do Brasduto no PL 414, com financiamento da PPSA, como emenda de plenário, indica como a novata estatal, que se tornou uma mega geradora de caixa, poderá ser usada para diversos fins, seja no setor de energia, seja em outros, a depender da criatividade. Com o preço do petróleo em outro patamar e a transição energética ainda ganhando tração, a estatal deverá permanecer com o cofre cheio em um momento em que a produção no pré-sal se acelera.
Capaz de ela ainda subsidiar a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético). Se uns veem o Brasduto como um círculo virtuoso, outros enxergam como um círculo vicioso, em que a construção de gasodutos Brasil afora em locais planejados pelo Congresso é prato cheio para o TCU, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal.
Outra discussão será sobre o processo de venda das refinarias, iniciado ano passado, mas sobre o qual existem dúvidas. Em 2021, a primeira refinaria foi vendida e o fundo Mubadala ingressou no setor. As vendas das refinarias Getúlio Vargas (Repar) e Alberto Pasqualini (Refap) ficaram para o segundo semestre. Mas há dúvidas se permanecerão à venda.
“Refinaria não é barraca de feira”, disse o senador do PT Jean Paul Prates, em evento recente. Ele defendeu uma “intervenção do bem”, apontando que o estado deveria ser mais atuante na regulação e no planejamento, com metas indicativas para os agentes privados investirem no setor. O setor tem sido discutido no grupo de energia do PT, sem ainda um rumo definido, mas com indicações de que a Petrobras tem de voltar a liderar o processo.
A indefinição sobre a venda das refinarias tem trazido cautela em investidores. “O processo de fusão e aquisição em redes médias de combustíveis na região Sul está à espera desse passo”, diz um advogado. A Repar fica no Paraná, a Refap, no Rio Grande do Sul. Há dúvidas também se uma guinada à esquerda nas eleições teria reflexo sobre o processo de venda de refinarias, fruto de um acordo assinado entre a Petrobras e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), diante do processo de desverticalização da estatal.
Uma incógnita é se o passo seria bem recebido em um governo logo no início do mandato e que busca investimentos privados. Outra se refere ao acordo do Cade. “Para mudar isso, seria necessário um projeto de lei para tirar essa amarra”, diz outro advogado.
Com agências fragilizadas, Centrão avançando cada vez mais, o cenário do setor de energia no Brasil enseja preocupação e exigirá aperfeiçoamentos regulatórios no curto e médio prazo.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
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