ANEEL diz que problemas de conexão e prazo são motivo para fim de subsídio às renováveis

Alexandre Leoratti e Roberto Rockmann, da Agência iNFRA

A ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) aprovou, na reunião ordinária da terça-feira (9), as regras que irão regular a “corrida de ouro” – ou “corrida das outorgas” – pela manutenção de subsídios no “fio” às renováveis.

Conforme determinação da Lei 14.120/2021, fruto da conversão da MP (Medida Provisória) 998/2020, os agentes interessados em manter os descontos na TUSD (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição) e TUST (Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão) deveriam solicitar as outorgas até dois de março deste ano para manter o benefício. Isso provocou uma “corrida de ouro” dos investidores em busca dos subsídios e um aumento no número de outorgas.

A diretoria da agência aprovou na última reunião uma minuta de resolução – que pode ser lida no fim desta nota técnica –  que regula o Decreto 10.893/ 2021. O decreto dispensa a informação de acesso para obtenção de outorgas que podem ter o desconto e prevê o prazo de 54 meses para o agente comercializar energia sem ter o risco de ser punido pela agência. Além disso, conforme definido na lei que cria o desconto, os empreendimentos têm o prazo 48 meses para injetar energia no sistema, sob risco de perder o subsídio. 

Disputa judicial
Mas os agentes do setor destacam pontos da resolução que podem gerar uma disputa no judiciário na “corrida de ouro”. O principal ponto que deve ser contestado versa sobre a total responsabilização dos agentes a respeito da conexão às redes.

O dispositivo estabelece, em seu artigo 7º, que a conexão do empreendimento se dá “por conta e risco do agente, não cabendo pedido de excludente de responsabilidade fundado no risco assumido pelo acesso, que compreende a conexão e o uso dos sistemas, inclusive nos casos em que as obras de conexão possuírem cronograma superior ao prazo previsto “.

O trecho foi criticado por agentes do setor. “Tratar essa situação de forma unilateral não é uma previsão estabelecida no decreto e não pode ignorar a existência eventual de situações de excludentes de responsabilidade de força maior ou até eventual demora na edição de outorgas e indisponibilidade da conexão”, afirmou Fabiano Brito, sócio de infraestrutura e energia do escritório Mattos Filho.

“Essa afirmação não corresponde ao direito de livre acesso dos agentes. A regulamentação da ANEEL também não pode afastar as disposições da lei sobre excludentes de responsabilidade como caso fortuito”, afirmou um advogado do setor sob condição de anonimato. 

Segundo Sandro Yamamoto, diretor técnico da ABEEólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), a resolução também não incluiu todos os empreendimentos. “Um item da resolução que poderia ser modificado é que ela não se aplica às usinas outorgadas que assinaram o CUST (Contratos de Uso do Sistema de Transmissão). Essas não terão o seu cronograma alterado automaticamente para 54 meses”, afirmou. Esse assunto também deve ser levado à agência para melhorias.

Excesso de projetos
Atualmente, são 49 GW outorgados na “corrida de ouro” e mais de 3.900 pedidos de outorgas. O total estimado é que esse “boom” de pedidos tenha o potencial de 203 GW. Além disso, segundo a ANEEL, os descontos fornecidos com fios cresceram de R$ 6 bilhões em 2021 para R$ 8 bilhões em 2022.

Outra consequência foi o aumento da CDE (Conta de Desenvolvimento Econômico) de R$ 24 bilhões, em 2021, para R$ 32 bilhões em 2022. Apesar da CDE ser conjuntural, as áreas técnicas da ANEEL afirmaram, na última sessão pública da agência, que o crescimento dos valores dos subsídios na TUSD e TUST elevaram os recursos da conta de desenvolvimento.

Onda de judicialização
Escritórios de direito passaram o último dia em conversas com geradoras. A análise é que o dispositivo aprovado deve gerar uma onda de judicialização. Agentes do setor também levarão as reclamações e pedidos de mudanças na próxima segunda-feira (15), na posse de Sandoval Feitosa, novo diretor-geral da autarquia. A ANEEL também planeja uma nova regulamentação para detalhar as regras de quem pode ter os descontos. 

A questão poderá se agravar na tramitação do Projeto de Lei 414/2021, que trata da abertura do mercado livre de energia elétrica. Parlamentares discutem a inclusão de uma emenda para que empreendedores que perderem a janela dos 48 meses para iniciar suas operações tenham acesso ao desconto, desde que comprovem as dificuldades para escoar essa energia. 

Contestações
Há uma outra preocupação em relação à postura da agência reguladora que também poderá ser contestada judicialmente. Pedidos de alteração do cronograma dos empreendimentos não eram negados pela ANEEL, que começou a rejeitá-los a partir do início do ano, em meio à quantidade cada vez maior de pedidos. 

“Isso pode ampliar a judicialização”, diz Bruno Crispim, counsel do Lefosse Advogados. A nova exigência pode ser contestada por um artigo da Lei 13.655/2018, que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, para incluir disposições sobre a segurança jurídica na criação e na aplicação do direito público.

O artigo 23 da lei informa que “a decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais”.

Discussão na ANEEL 
Segundo o relator do processo que aprovou a resolução, Efrain Cruz, novas discussões serão levantadas sobre o assunto, mas a resolução “está bem fundamentada” para o setor. 

“Estamos com uma resolução muito bem delineada e estamos convictos com esse encaminhamento. Mas estamos com mais de 200 GW batendo na nossa porta. Vamos escutar diversas teorias daqui pra frente sobre o que significa o que está na lei, o que está no decreto e o que está na nossa regulamentação. São vários prismas que você olha e terá uma interpretação diferente. É natural essa discussão por todo esse volume e por um detalhe bem pequeno: o desconto”, afirmou o diretor na sessão pública da terça-feira (9).

Dúvidas
Diretores pediram ajuda da área técnica para tirar dúvidas sobre em quais casos o empreendimento perderia direito aos descontos previstos em lei, mesmo que tivesse toda a estrutura da usina finalizada. 

“Digamos que tenham o CUST e tudo e, por qualquer motivo, a linha de transmissão não ficou pronta e as unidades geradoras estão prontas. Para conseguir entrar em operação comercial, o empreendimento precisa escoar energia na rede no processo operativo. Na prática, se tiver algo faltando, não vai conseguir ter a situação de operação comercial de todas as unidades geradoras, por mais que esteja montada e pronta”, defendeu a área técnica durante a sessão. 

“Ou seja, se ele construir o sistema de transmissão de interesse restrito e estiver pronto no 50º mês, ele não tem direito ao desconto”, reforçou o diretor Hélvio Guerra após a apresentação da área técnica.

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