Marília Sena, da Agência iNFRA
A aprovação, em outubro, de um anteprojeto de lei pela Ceportos – comissão de juristas formada pela presidência da Câmara dos Deputados para revisar a Lei de Portos – gerou descontentamento não apenas entre os trabalhadores portuários, mas também entre integrantes do Poder Executivo.
Durante o painel “Revisão Legal do Marco Regulatório dos Portos”, promovido na semana passada pela FGV (Fundação Getulio Vargas) na sede da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) em Brasília, a consultora jurídica do Ministério de Portos e Aeroportos, Camilla Soares, criticou os principais pontos do texto. O encontro pode ser visto neste link.
Dentre as críticas, destacou-se a flexibilização do mercado de trabalho proposta pelo relator, desembargador Celso Peel, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Peel sugere permitir que os trabalhadores deixem de ser contratados exclusivamente pelos terminais portuários, criando um modelo de empresa privada para fornecer mão de obra. Segundo os trabalhadores, essa mudança pode resultar na terceirização da força de trabalho no setor.
“Nem tudo o que é proposto significa que é o melhor. Muitas vezes, há interesses envolvidos, principalmente os privados. Precisamos abrir tanto o mercado de trabalho quanto o mercado privado. A concorrência é fundamental, mas também um desafio constante. É natural buscar o que é melhor para si, mas é preciso garantir que todos tenham acesso a benefícios. A concorrência deve servir a todos”, afirmou Camilla.
Os integrantes da Ceportos defendem que a flexibilização do mercado de trabalho é uma forma de “democratizar” as oportunidades. “A implantação de um sistema que garante exclusividade aos trabalhadores qualificados e certificados traz múltiplos benefícios”, afirmou Celso Peel no dia da aprovação.
No entanto, para a consultora, oferecer esse benefício não deve ser exclusivo aos trabalhadores. “Estamos abrindo o mercado de trabalho para fomentar a concorrência, o que é positivo. Porém, percebo uma preocupação em alguns setores da iniciativa privada em se fechar e evitar essa concorrência”, completou.
O titular da pasta, Silvio Costa Filho, destacou em conversa com dirigentes de federações trabalhistas que via o texto aprovado pela Ceportos como “um relatório pontual” e lamentou a falta de diálogo durante a elaboração da proposta, afirmando que o próprio governo não teve grande participação.
O texto final ainda não foi entregue aos parlamentares da Câmara dos Deputados, mas alguns rascunhos foram vazados para avaliar as divergências. A proposta inicial previa o esvaziamento das atribuições do Ministério de Portos e Aeroportos, transferindo competências principais para a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e para as autoridades portuárias, além de ampliar os poderes dos CAPs (Conselhos de Autoridade Portuária).
Essa proposta também recebeu críticas de integrantes do governo federal. “A autoridade portuária, que muitos reclamam por não realizar dragagens ou obras, parece buscar mais atribuições e responsabilidades”, destacou Camilla.
Contra a não reversibilidade de bens
Outro ponto em discussão é a possibilidade de investimentos por conta e risco dos arrendatários, sem reversão de bens e com aprovação prévia da autoridade portuária. “Fala-se muito sobre a reversibilidade dos bens. Não deveríamos ter contratos de arrendamento que não sejam reversíveis, pois a área é reversível e voltará à União”, afirmou a consultora.
Além disso, foi criticada a proposta que permite que todos os contratos de arrendamento – inclusive os sem permissão expressa e com prazo determinado – possam ser prorrogados por até 70 anos, a critério da autoridade portuária, que deverá justificar a não prorrogação.
Camilla Soares ressaltou que “não há insegurança jurídica no fato de não promover um contrato que terminou seu prazo”.
“Eu acredito que a competição traz desenvolvimento tecnológico e melhorias. Precisamos buscar o que é melhor para o desenvolvimento do país, mesmo que isso, às vezes, implique na não prorrogação do contrato. Interesses concentrados geralmente têm uma voz mais forte do que os interesses difusos, que muitas vezes não possuem representação. Portanto, o papel do poder público é avaliar e equilibrar esses interesses”, finalizou.
“Não licitar por licitar”
O diretor-presidente da ABTP (Associação Brasileira dos Terminais Portuários), Jesualdo da Silva, ressaltou que o desejo é ter um “ambiente tranquilo para que os investimentos possam vir e dentro de uma política pública setorial que olhe para o interesse da carga ou o interesse nacional”. “Porque todos nós trabalhamos em um setor que beira a soberania nacional”, defendeu.
“Quando já sabemos mais ou menos quais são os critérios que serão utilizados, e não simplesmente licitar por licitar, porque não conseguimos justificar, isso realmente é frustrante. Mas é isso que queremos. Pelo que vi nesse projeto de lei, ele parece ter uma visão mais holística como um todo, deixando o ambiente propício. O que realmente desejamos é isso. E a competitividade nesse setor é algo que não falta”, completou Jesualdo.
O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, informou a representantes do setor de infraestrutura que sua pasta acompanhará de perto a tramitação do anteprojeto no Congresso Nacional. Ele chegou a pré-agendar uma reunião com os interessados no texto para a última semana de outubro, com o objetivo de formar um GT (Grupo de Trabalho) para analisar a proposta. No entanto, o ministério não confirmou à Agência iNFRA se o encontro foi realizado.