Leila Coimbra e Ludmylla Rocha, da Agência iNFRA
Uma auditoria realizada pela SeinfraElétrica (Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura de Energia Elétrica) e pela Secretaria Geral de Controle Externo, ambas do TCU (Tribunal de Contas da União), questionou a chamada “vantajosidade” do empréstimo às distribuidoras de energia para compensar o déficit ocasionado pela crise hídrica com a compra de energia de térmicas.
A operação já foi autorizada por meio da Medida Provisória 1.078/21, mas precisa ser regulamentada pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). Para o TCU, porém, a MP foi editada “sem a realização de uma prévia análise dos custos e consequentemente dos impactos tarifários”.
“Em síntese, a MP possibilita a obtenção de empréstimo financeiro em nome do consumidor para aliviar e postergar os efeitos financeiros da crise e dos diferimentos aplicados no processo tarifário anterior à liberação dos recursos da operação financeira”, diz o documento sigiloso ao qual à Agência iNFRA teve acesso.
O texto, que tem caráter ainda preliminar, foi enviado para comentário dos gestores dos órgãos citados: Ministério de Minas e Energia, ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), EPE (Empresa de Pesquisa Energética) e ANEEL. A depender das respostas, pode sofrer alterações de avaliação por parte da área técnica da corte de contas.
Medidas a serem adotadas
Por conta da avaliação, o TCU recomendou que o MME (Ministério de Minas e Energia) realize, antes da liberação dos recursos, o estudo de vantajosidade da operação financeira e apresente metodologia a ser aplicada no cálculo da Bandeira Tarifária Extraordinária relacionada com a operação.
O texto traz também a sugestão de que seja estudado o benefício “de inclusão dos diferimentos tarifários já autorizados na eventual operação de crédito, considerando a taxa de juros que será estabelecida em comparação àquela prevista nos diferimentos tarifários vigentes”.
“Importa registrar que a solução adotada pelo MME não é nova, sendo mais uma vez utilizado o expediente de editar uma Medida Provisória para resolver problemas conjunturais do setor através da instituição de operação de crédito em nome do consumidor. Agrava o fato de que essa solução tem se tornado recorrente”, diz trecho do da exposição.
À ANEEL, o tribunal recomenda ainda que “defina mecanismo que tenha o condão de manter sinal econômico do preço da energia para o consumidor de energia elétrica associado aos custos da operação financeira, mesmo durante período de carência para início do pagamento”.
Enfrentamento à crise hídrica
A análise da iniciativa foi feita em meio a um monitoramento das medidas adotadas pelo governo e órgãos setoriais para combater os efeitos da crise hídrica sobre o setor elétrico. Foram acompanhadas, especificamente, as medidas adotadas no segundo semestre de 2021. Nestas, o relatório cita uma série de falhas.
“Constatou-se que: (i) a maioria das ações teve foco no aumento da oferta de energia, sem estudos ou análises detalhadas de impacto que corroborassem essa escolha, negligenciando ações do lado da demanda, havendo pouco incentivo para o deslocamento ou redução do consumo; (ii) houve falhas na execução e na comunicação das medidas adotadas sob a ótica da demanda; e (iii) houve demora para adoção de algumas medidas”, aponta.
O texto ainda cita a ausência de um plano de contingência “resultando em medidas tomadas de maneira açodada e com pouca previsibilidade”. Critica também a ausência de cálculo de impacto tarifário ao consumidor. Por fim, afirma que não houve investigação das causas estruturais e conjunturais do evento.
Por conta deste diagnóstico, a Corte recomendou ao MME que, em até 180 dias, elabore um plano estratégico de contingência para o enfrentamento de situações de crises hidroenergéticas e um estudo para identificar, avaliar e propor soluções para as causas estruturais e conjunturais que concorreram para agravamento do elevado risco de desequilíbrio entre a demanda e a oferta de energia no âmbito da crise hidroenergética de 2021.
Contratação simplificada e redução de demanda
Duas iniciativas também criticadas pelo Tribunal de Contas foram o procedimento de contratação simplificada de energia e o programa de redução voluntária da demanda para consumidores de baixa tensão.
Sobre o primeiro, avaliou-se que “foi planejado para ser executado em tempo muito curto, muito inferior ao usual ou recomendável para contratações da magnitude de que trata”. Ainda segundo o monitoramento realizado pelo órgão de controle, o certame foi realizado sem estimativa de custos, e incorrendo em diversos riscos ao seu sucesso, “tendo em vista que o cronograma previsto indicava que os vencedores deveriam assinar seus contratos em novembro/2021 para colocar os empreendimentos em operação em 1º/5/2022”. O custo da medida estimado pelo TCU é de R$ 39 bilhões.
Já sobre o programa de economia de energia, a corte de contas considera que houve “falha no planejamento e execução”. De acordo com a análise, o programa “não previu tempo hábil para comunicação da existência do programa; não disponibilizou as metas de redução antes do início de vigência; e ainda teve lacunas de informação nas faturas dos consumidores”.
“Em um dos casos analisados, a fatura apresentou um valor de bônus incoerente com o valor apurado acumulado e que, em outro caso selecionado, evidenciou-se o risco de uma sinalização econômica errada para o consumidor, que tenderia a se esforçar menos em busca da redução do consumo, por achar que já cumpriu sua meta, o que reforça a importância de que a execução e a comunicação do programa sejam aprimorados”, cita o documento.
O parecer propõe, considerando a análise, que haja uma avaliação dos resultados do programa para que eventuais ajustes sejam feitos em caso de reedição da iniciativa. Sugere ainda que a ANEEL avalie os resultados obtidos “para se certificar a respeito de erros de faturamento eventualmente cometidos, a fim de comunicar esses resultados para os consumidores de maneira clara, objetiva e consistente”. As instituições citadas foram procuradas pela corte para se manifestarem sobre a análise.