da Agência iNFRA
O presidente Jair Bolsonaro decidiu revogar o Decreto 10.530/2020, publicado dois dias atrás, que deu atribuições ao PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) para apoiar estados e municípios na estruturação de projetos de unidades básicas de saúde em parceria com a iniciativa privada. A revogação foi publicada no Diário Oficial da União (neste link).
Na mesma linha de outros decretos que permitem ao PPI apoiar iniciativas de concessões e PPPs (parcerias público-privadas) nos subnacionais em áreas como parques, presídios, iluminação pública e outros, especialmente a elaboração de estudos de viabilidade, o decreto virou alvo de polêmica após integrantes de conselhos ligados ao setor de saúde apontarem que seria a “privatização do SUS”.
As críticas acabaram virando tema político – em meio à campanha eleitoral das cidades – e foram aproveitadas especialmente por integrantes de partidos de esquerda.
O PPI e o Ministério da Economia soltaram notas tentando esclarecer a iniciativa. O Ministério da Economia informou que “há mais de 4 mil UBS com obras inacabadas que, de acordo com o Ministério da Saúde, já consumiram R$ 1,7 bilhão de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS)”, e garantiu que o modelo não significará pagamento pelos usuários.
Em texto publicado no site do PPI, a secretaria informou que “trabalhará junto ao Ministério da Saúde e ao BNDES na definição de diretrizes para a elaboração deste tipo de projeto, para, posteriormente, selecionar entes federados (municípios ou consórcios públicos) que demonstrem interesse nessas parcerias no setor de saúde”.
O órgão lembrou ainda que o modelo de PPP na saúde já existe no país e citou que fez visita técnica ao Hospital do Subúrbio, em Salvador, primeira PPP do setor de saúde do Brasil. A PPP foi concebida pelo ex-governador do PT Jaques Wagner, hoje senador pelo partido. A visita ocorreu antes da polêmica.
Diferente de OS
O país hoje tem pouco mais de uma dezenas de PPPs na área de saúde. Além das feitas pelo governo da Bahia, o governo de São Paulo e as prefeituras de Belo Horizonte (MG) e de Manaus (AM) também têm modelos de PPP para gerir unidades de saúde. Em nenhuma há cobrança dos usuários.
Nas chamadas PPPs administrativas, modelo que é previsto da Lei de PPPs, o prestador de serviço privado não cobra dos usuários. O governo remunera a empresa pelos serviços prestados.
Há algumas diferenças entre um contrato de PPP e uma contratação comum para prestação de serviço ou a das chamadas OSs (Organizações Sociais). Os contratos de PPP são de longo prazo e, em geral, envolvem um investimento inicial da empresa em melhorias na unidade.
Quando feitos com qualidade, os contratados estão submetidos a metas de desempenho do contrato que influem nas receitas da PPP. Um guia da Agência iNFRA explicando o modelo está disponível neste link.
PPP modelo
A PPP do Hospital do Subúrbio é caso de estudo internacional sobre a qualidade da gestão de PPPs. Em recente tese publicada pela Universidade de Michigan, Maria Joachim, após mais de dois anos de estudo no local, indica que o hospital tem elevado nível de excelência.
Mário Saadi e Lucas Santanna também produziram análise sobre o tema no artigo “PPPs na área da saúde – a Rede de Atenção Básica de Belo Horizonte e o Hospital do Subúrbio de Salvador”, indicando a pertinência da utilização do modelo de concessões privadas, sem qualquer cobrança do usuário dos serviços concedidos e com parâmetros de verificação da qualidade da prestação dos serviços nos dois casos.
O modelo de PPP também funciona em outros países do mundo que têm saúde gratuita, como é o caso da Inglaterra, onde o NHS (National Health Service) tem 127 unidades de saúde e de assistência social geridas através de PPPs, de acordo com relatório do órgão responsável pelas PPPs no Reino Unido. O NHS é um dos modelos que inspirou a criação do SUS.
Após a revogação, o presidente Bolsonaro foi para as redes sociais explicar a decisão. Segundo ele, o espírito do decreto era terminar as obras inacabadas. Bolsonaro também diz que a leitura do decreto já não indicava qualquer tentativa de privatização. Segundo o texto, se houver entendimento futuro, o decreto poderá ser reeditado.
Risco para projetos
Avaliação de especialista no tema é que o ato do governo federal teve um texto genérico, sem especificar que a proposta é para PPPs, o que deu margem a interpretação de que poderiam ser usados outros instrumentos de relação com a iniciativa privada que já sofrem críticas do setor de saúde.
Há temor também de que as PPPs sejam confundidas com os contratos dos gestores de saúde com OSs (Organizações Sociais), cujo modelo de contratos é diferente do contrato de PPP, e por isso mais sujeitos a fraudes como as que estão sendo constatadas em vários estados do país. Esses dois fatores podem dificultar processos futuros que estão em avaliação.