Dimmi Amora, da Agência iNFRA
O Brasil só vai conseguir ter alguma redução significativa na participação do setor rodoviário na matriz de transportes se conseguir, até 2035, implantar quase 12,5 mil quilômetros de novas ferrovias.
Esse é o cenário traçado no mais completo estudo sobre o planejamento de transportes, o projeto Pilt (Plataforma de Infraestrutura em Logística e Transportes) da Fundação Dom Cabral, apresentado recentemente num evento com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), em Nova York (EUA).
O Pilt vem sendo desenvolvido há quase uma década, obtendo e selecionando dados sobre volumes transportados pelo país de diferentes fontes e melhorando a metodologia para tratar os dados.
Segundo o professor Paulo Resende, que coordena o trabalho, o projeto chegou a um estágio avançado de desenvolvimento que garante alta confiabilidade para as projeções de volumes que serão demandados pelo setor produtivo e de monitoramento dos caminhos que serão utilizados.
O diagnóstico a que chegou o estudo, para o professor, mostra que o país chegou a um ponto muito complexo sobre as decisões de investimentos que precisam ser tomadas.
“Temos uma necessidade de investimento para não retroagir no ponto em que estamos em relação à oferta e à qualidade. E por outro lado, temos que avançar numa infraestrutura capaz de se alinhar aos desafios das inovações tecnológicas”, disse Paulo Resende à Agência iNFRA.
Duas redes futuras
Com o gigantesco banco de dados coletado ao longo dos anos, foram traçados três cenários até 2035, um com a rede atual sem investimentos, outro com a rede atual recebendo investimentos que estão contratados e que ampliam em 584 quilômetros a malha rodoviária e em 3,3 mil quilômetros a ferroviária, chamado de RF1 (Rede Futura 1).
O cenário da RF1 já é desafiador. A maioria das obras está contratada e com boas chances de ser implementada nos prazos traçados. Mas há algumas, como por exemplo a conclusão da ferrovia Fiol 1 (Ferrovia de Integração Oeste-Leste 1), atualmente já completamente fora dos prazos e considerada impossível de ser concluída no que foi programado, 2026.
Há um terceiro cenário no qual a malha rodoviária ganha mais 46 quilômetros e a ferroviária mais 9,2 mil em relação à RF1, chamado de RF2 (Rede Futura 2). Esse, no qual a ferrovia chega a 12,5 mil quilômetros, é ainda mais difícil de ser implementado, visto haver uma gama de projetos que ainda estão no papel ou se arrastam há décadas.
Aumento das cargas
Se as redes novas forem implantadas, o volume de carga transportada no país aumenta. No cenário sem investimentos, a taxa de crescimento estimada fica em 1,89% ao ano (em toneladas úteis). Para a RF1, o volume ao ano vai a 1,93% a mais que o cenário sem investimentos; e no RF2, 2,16%.
Em valores, se o cenário RF2 estiver implantado, significará que o país vai transportar mais 110 milhões de toneladas/ano a mais que no cenário sem investimentos, o que significa mais ou menos três meses do volume ferroviário transportado hoje.
Os mapas mostram que, com a rede hoje projetada com maior probabilidade de acontecer, a RF1, o país muda muito pouco os principais caminhos de escoamento das principais mercadorias, mesmo se tirando o minério de ferro.
RF2 muda o mapa
Mas quando é colocado o cenário de maior investimento ferroviário (RF2), com ênfase em ferrovias, o mapa de carregamento muda, com uma distribuição melhor pelo território, especialmente as regiões mais a norte do país.
Isso ocorre porque a distribuição das cargas praticamente não se altera com o cenário RF1 entre os modos de transporte. Se implantado, o rodoviário vai seguir liderando, caindo apenas de 58% para 57% em 2035. Esse percentual perdido vai para a ferrovia, que passaria dos 23,5% para 24,4%, muito longe dos 40% que diferentes governos vêm colocando como meta para 2035.
Só com o cenário 2, considerando todas as cargas, é que a configuração começa a mudar, mas sem atingir ainda o patamar desejado. As ferrovias passariam em 2035 a representar 33,8%, um aumento de quase 10 pontos percentuais, e o rodoviário deixaria de ser maior que todos os outros modos somados, descendo a 49,1%.
Mudança radical no transporte agrícola
Considerando todas as cargas menos minérios, as alterações também são significativas. Atualmente, 70,6% do que é transportado vai de caminhão, e esse percentual iria para 59,3%. As ferrovias passam a ganhar quase 15 pontos percentuais, saindo dos atuais 7,3% para 21,6% das cargas transportadas no Brasil.
Para o setor agrícola, a diferença é brutal. Hoje, 65% da produção são transportados de caminhão e 25,5% de trem. No cenário RF2, o percentual das ferrovias vai a 51,4%, ou seja, mais que dobra. As rodovias caem para 41,8%.
Isso decorre da implantação de novos grandes corredores ferroviários, entre eles a Ferrogrão, a Fico-Fiol, a Ferrovia Transnordestina, a Ferroeste, o corredor Minas-Bahia e a extensão da Norte-Sul até o Pará, o que consiste no grande desafio do país.
Expansão ferroviária lenta
A expansão da rede ferroviária no Brasil tem sido lenta ao longo dos anos. O país segue com oficialmente algo na faixa dos 30 mil quilômetros implantados, mas menos da metade disso em uso efetivo pelas concessionárias.
Sem dinheiro do Estado para investimentos no setor (são estimados entre R$ 10 a R$ 20 milhões por quilômetro para implantar uma ferrovia), foi aprovada uma lei no Congresso em 2021, com apoio do governo anterior, para incentivar investimentos totalmente privados, que ainda não decolou.
“Necessidade jamais vista”
O atual governo acena com um projeto misto, um modelo de PPPs (Parcerias Público-Privadas) para as ferrovias, mas ainda estão em discussão as formas para garantir recursos para os aportes do Estado nos projetos.
“É preciso que tenhamos no Brasil uma ideia de planejamento de curto, médio e longo prazos, feitos ao mesmo tempo. Exige que os gestores tenham uma concepção de estruturação de projetos jamais vista. O que estamos vendo são cenários desafiadores de desenvolvimento em infraestrutura. Vão exigir uma visão muito distante da influência política e de interesses”, alertou Resende, indicando que a necessidade é investir em poucos projetos estruturantes.
Há também números calculados para a redução de emissões de gases do efeito estufa que também indicam poucos ganhos se a rede for aumentada apenas no que está projetado, que seria de 1,6% das reduções. Se o cenário dois for implantado, essa redução passa a ser de 7,35% em relação ao cenário sem investimentos.