16/07/2025 | 07h51  •  Atualização: 16/07/2025 | 15h12

Câmara de mediação e arbitragem para conflitos em saneamento será criada em agosto, diz diretora-presidente da ANA

Foto: ANA

Amanda Pupo, da Agência iNFRA

A ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) vai colocar para funcionar a partir do próximo mês uma câmara de mediação e arbitragem para conflitos no setor de saneamento. A previsão foi antecipada à Agência iNFRA pela diretora-presidente da ANA, Veronica Sánchez. Segundo ela, já há um pedido na fila para estreia do mecanismo, além de “várias” concessionárias na expectativa pelo novo ambiente. A criação da chamada Câmara de Solução de Controvérsias (COMPOR-ANA) deve ser aprovada pela diretoria da agência em agosto junto da NR (Norma de Referência) que detalha procedimentos em ação arbitral.

Esta NR vai se somar a outras 13 que a ANA já publicou desde que assumiu o papel de editar normas de referência para os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e drenagem no país. O comando foi dado pelo Marco Legal do Saneamento, lei que completa cinco anos nesta terça-feira (15). Na entrevista, Sánchez fez um balanço sobre as transformações do mercado desde a aprovação do texto e contou que a agência trabalha para editar mais seis NRs neste ano, de um total de onze que ainda restam ser publicadas. 

No momento em que o setor avalia erros e acertos das primeiras modelagens de concessão de saneamento e projeta novos leilões, a diretora-presidente da ANA argumentou que a Câmara de Solução de Controvérsias do órgão será importante para ajudar o mercado a sanear passivos. “A Câmara poderá ser acionada tanto em conflitos entre prestador e entidade reguladora, ou titular e entidade reguladora, ou titular e prestador. Vai haver uma lista dos que poderão se habilitar e solicitar alguma ação mediadora ou arbitral. Para esses casos, vários concessionários têm nos procurado”, contou Sánchez. 

Um caso recente que precisou ir para um ambiente de arbitragem foi o da concessão da Iguá no Rio de Janeiro, que arrematou um dos blocos do leilão de áreas da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro) em 2021, o maior certame desde a aprovação do marco legal. Quando assumiu os serviços, o setor privado passou a perceber que alguns números projetados no edital não batiam com a realidade, como o índice de perdas. Se já estivesse em funcionamento, a câmara da ANA poderia ter sido uma alternativa para o caso tramitar. 

Na entrevista, Sánchez também falou sobre a implementação da tarifa social no saneamento e rejeitou a discussão de prorrogação do prazo de universalização do marco legal, previsto para 2033. “Simplesmente você não dá o sinal adequado se alterar. A própria lei prevê a possibilidade até 2040, caso não seja viável economicamente até 2033. Até 2040 cabe todo mundo”, disse. Leia os principais trechos da entrevista:

Agência iNFRA: O Marco legal do saneamento completa cinco anos, tendo atribuído à ANA a missão de editar diretrizes regulatórias num ambiente bastante desafiador e até então muito pulverizado. Qual balanço faz desse período da nova lei?
Veronica Sánchez: Eu vejo como muito positivo porque, de fato, a nova configuração, o cenário jurídico criaram um ambiente totalmente diferente do que tínhamos seis anos atrás (quando começaram as discussões). Obviamente que a alteração não acontece na velocidade que todos gostariam, porque os investimentos começam a acontecer depois dos leilões e contratos (…) mas foi uma revolução gigantesca. Em termos de inclusão de pessoas nos contratos assinados são quase 40 milhões desde o primeiro leilão que aconteceu após a aprovação do marco legal. Obviamente que ainda tem desafios. E é uma transição de 30 anos, porque alguns municípios renovaram seus contratos de programa com as prestadoras estaduais antes da lei. Mas é importante dizer que em todos os fóruns internacionais que eu vou, especialmente na América, eu vejo que outros países têm os mesmos problemas. Mas aqui no Brasil, com o Marco do Saneamento, não estamos mais falando só de problemas, mas de soluções. Isso é muito legal para mostrar, inclusive, na COP (que neste ano será realizada no Brasil).

E qual o diagnóstico sobre os contratos fechados desde que o marco foi aprovado? O setor já conseguiu colher aprendizados para ter um amadurecimento regulatório?
Estamos em aprendizado do que a gente acertou e errou dos primeiros contratos, das primeiras modelagens para agora. Uma constatação nos casos de Alagoas (onde ocorreu o primeiro leilão após o marco legal), do Rio de Janeiro, do Amapá também, é que nos estudos básicos que foram feitos e que embasaram as concessões os dados não necessariamente batiam com a realidade. Por exemplo, no índice de perda. O ponto é como garantir um reequilíbrio que remunere os investimentos e ao mesmo tempo não onere de forma muito impactante a tarifa.

E concomitante a isso tem a implementação da tarifa social, que também vai obrigar novos reajustes…
Sim. Tudo acontecendo ao mesmo tempo. É um momento de muito cuidado. 

A ANA tentou dar uma resposta para a preocupação dos impactos da tarifa social para os outros consumidores na NR da Estrutura Tarifária, com a ideia de fazer a implementação do benefício em fases. Durante audiência sobre a proposta, o representante do Ministério das Cidades, no entanto, indicou que a pasta era contrária por falta de previsão desse faseamento na lei. Mas o fundo aprovado pelo Congresso para ajudar a financiar a tarifa social não foi criado. Como vê a resolução disso?
A lei deu o espaço para a ANA atuar e estamos entendendo o faseamento como uma forma de não desequilibrar os contratos e inviabilizar a prestação de serviço. Se você incluir todo mundo na tarifa social no “dia 1”, acabou, não tem prestador que dê conta. E sem o faseamento o usuário que vai subsidiar a tarifa social teria um tarifaço. Então a ideia foi exatamente essa: vamos fazer de uma forma paulatina. Sem isso inviabiliza a prestação, quebraria todas as prestadoras, sejam públicas ou privadas. Tem levantamento apontando municípios em que 80% da população estaria dentro do público-alvo da tarifa social. Como é que você faz uma prestação de serviço? Não tem como. Então vamos fasear, vamos fazer algo mais equilibrado que permita que você continue com a prestação com saúde financeira.

Em que estágio a ANA está na elaboração do que foi previsto na agenda regulatória do saneamento?
Estamos com 13 normas publicadas. E 11 para serem publicadas ainda. Das que faltam, acredito que seis, mais ou menos, vamos conseguir editar neste ano ainda. A NR da estrutura tarifária geral vamos publicar no segundo semestre, por exemplo. 

Vocês também estão finalizando a NR sobre arbitragem, certo?
Sim. Dentro daquela questão sobre como aprimorar as modelagens, uma das soluções que temos pensado é exatamente a nossa atribuição de fazer a mediação ou arbitragem nos contratos. Vamos publicar junto da Norma de Arbitragem a criação da nossa câmara de mediação e arbitragem, em agosto. Ela poderá ser acionada tanto em conflitos entre prestador e entidade reguladora, ou titular e entidade reguladora, ou titular e prestador. Várias concessionárias têm nos procurado. E já temos um pedido de ação de mediação.

E quem vai compor essa câmara?
Temos o pessoal com expertise técnica em saneamento, da Superintendência de Saneamento, e temos a equipe de procuradores federais, que são especialistas em mediação e arbitragem e que vão liderar essa câmara. A ideia é termos tanto mediação como arbitragem. Na mediação a previsão é de uma parte neutra, que coloca os dois lados para conversar. Já na arbitragem terá o árbitro, que, ouvindo as partes, sugere uma solução. 

E vai funcionar a partir de quando?
Em agosto mesmo, está pronta. 

O marco legal deu diversos incentivos para a regionalização dos serviços para tentar dar viabilidade econômica e financeira nas atividades de saneamento. Como a ANA tem acompanhado esse processo pelo Brasil? Deu certo?
Um dos decretos editados após a lei exigia exatamente que os estados fizessem suas propostas de regionalização para fins até mesmo de regularidade e capacidade de acessar recursos federais. Tivemos uns cinco estados que não fizeram nada. Mas a maioria fez suas leis de regionalização, e alguns fizeram um trabalho bem feito. E vemos que alguns estados estão refazendo as leis de regionalização exatamente para ter mais elementos considerados, como ganhos de escala. Então temos visto esse processo de aprimoramento da regionalização.

Com alguma frequência ressurge no setor algum debate sobre a extensão dos prazos de universalização do marco legal. A lei já nasceu sob a avaliação de que atingir as metas de cobertura até 2033 era muito desafiador. Como enxerga a possibilidade de prorrogação do prazo?
Olhando em perspectiva, se tem uma única coisa que foi muito importante foi a lei estabelecer este prazo. Isso mobilizou todo mundo. Se você não tivesse uma data muito clara e objetiva, não teria essa movimentação. O grande argumento (de quem quer prorrogar) é: “Ah, é impossível universalizar até 2033”. Temos 40 milhões de pessoas incluídas em contratos onde operadores assumiram o compromisso de universalizar até 2033. E tem estados falando inclusive em tentar antecipar. São Paulo, Minas, Paraná, Espírito Santo, Alagoas… Eu, Verônica, acho ruim alterar enquanto ainda faltam oito anos para a data exaurir. Simplesmente você não dá o sinal adequado. E a própria lei prevê que, caso não seja viável economicamente, pode prorrogar até 2040. Até 2040 cabe todo mundo.

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