Contratos operacionais vão dar regras para relação de ferrovias e operadores independentes


Dimmi Amora, da Agência iNFRA

As novas regras para a existência dos OFIs (Operadores Ferroviários Independentes), empresas que podem utilizar a ferrovia sem ter a concessão para a operação delas, equiparou essas companhias aos usuários de ferrovias nas negociações com as concessionárias.

Com isso, os OFIs vão poder solicitar à ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) intervenção da agência em questões que levem a divergências operacionais ou até mesmo concorrenciais entre as concessionárias e operadores independentes.

Essa foi a forma da agência para tentar proteger as companhias que quiserem usar as ferrovias com seu próprio maquinário de possíveis abusos das concessionárias que têm o monopólio do transporte de carga das regiões em que atuam.

“O poder do monopolista não pode sobrepujar o interesse público do serviço ferroviário”, afirmou o superintendente de Ferrovias da ANTT, Jean Mafra.

O formato de equiparar os OFIs a usuários recebeu críticas do presidente da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários) – leia a avaliação da associação mais abaixo.

Apesar de estar previsto em regras desde o início das concessões ferroviárias, o OFI nunca se tornou efetivo no país. Apenas quatro empresas conseguiram habilitação para operar, mas nenhuma delas efetivamente operou no setor.

De acordo com o superintendente de Ferrovias da ANTT, a regra que estava em vigor até a publicação da Resolução 5.920/2020 teria que ser mudada porque foi concebida num momento em que a diretriz do setor ferroviário era para o chamado modelo open access, abandonado em 2016.

Por isso, a mudança foi colocada na agenda regulatória da agência, passou por audiência pública e ficou pronta no fim do ano passado. Uma das intenções era tornar ainda mais simples o pedido das empresas junto à ANTT.

“Tinham muitas amarras na norma que simplificamos para ter mais incentivos”, revelou Mafra.

Carolina Fidalgo, sócia da Rennó Penteado Sampaio Advogados e professora de Direito Administrativo da Pós-Graduação da UERJ, avaliou que a agência simplificou expressivamente as condições de habilitação das empresas interessadas em obter autorização para operar com OFI na nova resolução.

Na Resolução 4.348/2014 eram previstas exigências como a elaboração de um plano econômico que contemplasse a previsão de tráfego, receitas, evolução dos custos operacionais e as fontes de financiamento, por exemplo.

“Essas exigências foram substituídas por uma lista simples de documentação e pela apresentação de Termo de Compromisso de Qualificação Técnica, além do dever de contratação de seguros, que já existia”, explicou a professora, para quem o COE pode dar acesso efetivo ao sistema ferroviário aos OFIs.

Exigências para segurança
Mesmo com a simplificação, segundo Mafra, há ainda exigências que precisam ser cobradas para que a operação ferroviária tenha segurança e seja feita de forma adequada para os clientes, como a exigência de seguros, por exemplo, que ficou a cargo da ANTT.

Mas toda a parte de regras operacionais e comerciais ficará para ser acordada entre o OFI e a concessionária através do chamado COE (Contrato Operacional Específico), que tem uma resolução própria.

Esse é o tipo de contrato que já é feito entre as concessionárias existentes para regular o chamado direito de passagem (quando uma concessionária usa trechos de outras para transitar). Segundo Mafra, a novidade da atual regulamentação é equiparar o OFI a uma concessionária nas negociações, através do uso desse instrumento.

Há, no entanto, uma diferença, segundo Mafra. Nos COEs entre concessionárias, a empresa que passa pela malha não pode pegar carga na malha da concorrente. Essa regra não valerá para os OFIs.

Por enquanto, segundo Mafra, não houve pedidos para novos operadores ferroviários na agência. Segundo ele, houve consultas de empresas para conhecer o funcionamento e há grande expectativa da agência para que, desta vez, tenha-se pelo menos uma empresa para iniciar a operação com OFI.

Defesa da simplificação
O estudo “Regulação Ferroviária No Brasil – Propostas para simplificação e aumento de eficácia da regulação do setor ferroviário”, realizado pelo BCG (Boston Consulting Group), indica que o país vai precisar de investimentos privados para desenvolver o setor de ferrovias. O trabalho está disponível neste link.

Para isso, o foco deve ser numa regulação simplificada para diminuir custos operacionais e permitir as negociações livres entre privados, com intervenções em questões onde houver demonstrada a chamada dependência do transportador pelo transporte ferroviário, inclusive no que trata de operadores independentes. 

Para Thiago Cardoso, sócio e diretor de Infraestrutura do BCG no Brasil, nos locais onde os operadores ferroviários independentes tiveram maior desenvolvimento foi necessário ter regras mais simples para que eles pudessem operar. Segundo ele, em alguns países, há até mesmo empresas familiares que operam pequenas rotas ferroviárias e que não têm como cumprir com as mesmas regras de grandes companhias do setor, citando especialmente as trabalhistas.

‘Equiparação de OFIs a usuários é ponto negativo’

O presidente da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários), Fernando Paes, afirmou que a equiparação feita pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) dos OFIs (Operadores Ferroviários Independentes) aos usuários da ferrovia é um ponto negativo do normativo.

“Achamos que isso não é correto. Nem sempre ele tem, como no caso do usuário, hipossuficiência. Criticamos o ponto ainda nas audiências públicas, mas foi mantido. Isso pode trazer desequilíbrio indesejável”, afirmou Paes.

Segundo ele, a associação também defendia que a resolução mantivesse alguns requisitos técnicos mínimos que os OFIs teriam que cumprir. Segundo ele, diminuir requisitos é importante para reduzir as barreiras de entrada, mas deixar todos eles para serem discutidos num contrato privado (o COE) pode representar um risco para a segurança nas ferrovias e levar a discussões jurídicas “gigantescas”.

Ainda de acordo com Paes, foi importante na votação final da proposta a retirada, pelos diretores da agência, de artigos que restringiriam a participação no OFI de empresas com partes relacionadas aos atuais sócios das concessionárias ferroviárias, o que para ele também seria uma barreira de entrada.

Para o diretor da associação, os principais entraves à existência de OFIs no Brasil são barreiras econômicas naturais do próprio setor ferroviário e que ainda não tiveram o tratamento adequado por parte da agência e da legislação.

Segundo ele, é difícil para uma empresa de menor porte operar em escalas menores que as atuais ferrovias e, ainda assim, serem competitivas, se não houver uma regulação mais flexível para elas em termos de cumprimentos de regras setoriais e de segurança, por exemplo, que serão as mesmas para todas.

“Faltam um pouco as condições mais favoráveis e menos onerosas para essas empresas operarem. Será preciso tratar desigualmente os desiguais”, afirmou o diretor. 

Incentivos para short lines
Paes defende que o PLS 261 do Senado, que o governo quer transformar num novo marco legal de ferrovias instituindo o processo de autorização, possa criar mecanismos para incentivar as chamadas short lines, linhas de menor distância e fora dos troncos ferroviários, que para ele são onde os OFIs teriam mais chance de serem competitivos.

Nessas linhas, a legislação poderia autorizar a manutenção dos trilhos e o transporte de carga de uma forma mais simples, o que traria incentivos econômicos para mais operadores. Segundo o dirigente da associação, as empresas estão apoiando o governo com estudos para encontrar vocações ferroviárias para trechos que estão sendo devolvidos nos processos de renovação antecipada das concessionárias.

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