Antonio Carlos Sil, para a Agência iNFRA
Os consumidores livres de energia estavam arcando com algo em torno de R$ 40 por MWh (megawatt-hora) em encargos, consequência do acionamento massivo de usinas termelétricas que estão dando o suporte à demanda do consumo nacional, ante a baixa capacidade de armazenamento dos reservatórios das hidrelétricas, no último mês de julho.
Um ano antes, em julho de 2020, o valor dos encargos estava em módicos 0,85/MWh. Esse custo ensaiou um movimento de alta mais forte por volta de outubro de 2020, quando o valor passou R$ 14,32/MWh, até bater em R$ 37,95/MWh em dezembro de 2020, em pleno período úmido. Na sequência, em março de 2021, houve uma curta brecha de queda nos encargos, para R$ 23,07/MWh, abrindo espaço, na sequência, para uma escalada até R$ 40/MWh verificados em julho último, segundo dados fornecidos pela Safira Energia.
GSF de 76%
Do lado dos geradores hidrelétricos, a situação não é menos complexa e dispendiosa. Para este ano, conforme estimativa da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), as usinas vão conseguir entregar somente uma média de 76,5% de suas respectivas GFs (Garantias Físicas), ou seja, do volume total de energia de que são capazes de produzir. Esse é o número que representa o risco hidrológico do setor, também conhecido como GSF (Generation Scaling Factor). No ano passado, o GSF médio ficou em 80,2%.
Como ficam devedoras do sistema, porque não dispõem de reserva suficiente de água para produzir energia, as empresas de geração também precisam preparar suas próprias estratégias para não ter prejuízos elevados por conta do risco hidrológico.
Do lado operacional, são obrigadas a calcular com muito cuidado o que entendem que vão poder gerar mês a mês ao longo de cada ano, numa conta de sazonalização que precisa ser entregue previamente à CCEE, na véspera de cada exercício. Para 2021, por exemplo, as companhias entregaram suas respectivas sazonalizações no final de 2020.
Já na esfera financeira, os geradores também precisam se prevenir fazendo “hedge”. Para honrar os contratos que não conseguem atender, compram energia no ACL (Ambiente de Contratação Livre), do contrário vão arcar com os valores do PLD (Preço da liquidação das Diferenças) no MCP (Mercado de Curto Prazo), cuja operacionalização está a cargo da CCEE.
“Não posso afirmar que todos se precaveram, mas no começo deste ano, quando o preço estava mais baixo, observamos uma movimentação de geradores comprando energia, já com uma sinalização de que o período úmido não seria favorável”, lembra Juliana Hornink, coordenadora de Gestão e Inteligência de Mercado no Grupo Safira.
Segundo a CCEE, não se espera uma nova onda de inadimplência dos geradores devido à questão do risco hidrológico. Em passado recente houve uma crise cuja solução levou anos para ser resolvida por meio de um acordo abrangente, cuja execução ainda está em andamento.
Em linhas gerais, as dívidas cresceram tanto que os geradores foram à Justiça questionar os critérios de cálculo do risco hidrológico. O montante pendente chegou perto de R$ 8 bilhões e atualmente está em R$ 1,65 bilhão, com as empresas ainda resolvendo as dívidas conforme o acordo.
Na origem da questão está o MRE (Mecanismo de Realocação de Energia), espécie de condomínio integrado pelas usinas hidrelétricas que, quando as condições hídricas são favoráveis, promove uma equalização da oferta de energia, de tal maneira que, se uma companhia está deficitária em produção, é coberta pelo excedente das demais. Mas, quando há crise hídrica e várias usinas não conseguem cumprir contratos, configura-se um problema sistêmico. As hidrelétricas ficam devedoras e precisam cobrir suas posições.
De acordo com a CCEE, os resultados individuais dos agentes dependem dos montantes contratados por cada um. A entidade esclarece que não tem como valorar o custo do GSF porque não possui os números de contratação das geradoras e é preciso levar em consideração os mecanismos que atenuam esse efeito: sazonalização, contratação de hedge, entre outros.
“Até o momento, o registro de inadimplência no MCP está baixíssimo e a CCEE segue observando, a cada mês, novos pagamentos de geradoras que optaram por quitar antecipadamente os seus débitos”, assinala a Câmara, em nota à Agência iNFRA.
Ainda segundo garante a CCEE, foram corrigidas várias questões que causavam distorções. “Houve o trabalho de expurgo”, afirma a instituição, citando atrasos em linhas de transmissão, despacho de termelétricas fora da ordem de mérito e a motorização das usinas estruturantes (Belo Monte, Jirau e Santo Antônio), cujos efeitos eram, anteriormente, contabilizados como parte do cálculo do GSF e para os quais hoje “já há um endereçamento”.
Garantias físicas
Juliana Hornink, do Grupo Safira, entende, no entanto, que há ainda um problema bem sério no MRE que precisa ser resolvido, do contrário, persistirão riscos. Ela se refere às garantias físicas.
É que, com o passar do tempo, com o envelhecimento das usinas – muitas construídas nas décadas de 1960/1970 – e o assoreamento de reservatórios, elas já não conseguem mais alcançar a performance que lhes é atribuída, o que demandaria uma revisão efetiva das garantias físicas, algo que o setor elétrico vem postergando há anos, porque as empresas temem perder potencial de geração e, por consequência, ver seus ganhos limitados.
Uma fonte ouvida pela Agência iNFRA, sob condição de anonimato, vai mais longe e aponta que o problema não é somente esse. Há outros, entre os quais a admissão de PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) – que operam a “fio d’água”, sem reservatório – e a permanência das hidrelétricas estruturantes (Belo Monte, Jirau e Santo Antônio) que também funcionam a “fio d’água” e cujos rios onde estão localizadas oferecem vazão relevante somente em alguns meses do ano, permanecendo quase paradas o restante do tempo.
Belo Monte, por exemplo, uma das maiores usinas do Brasil, tem capacidade instalada de 11.273 MW, mas sua GF é de apenas 4.418,9 MW médios. “Sem revisão de garantias físicas e com esse tipo de usina incluída, o MRE continuará a ser motivo de problemas”, afirma a fonte.
Questionada sobre essa questão, a CCEE explicou que o Comitê de Implementação da Modernização – grupo que trabalha no âmbito do MME (Ministério de Minas e Energia) – tem analisado aprimoramentos no MRE para auxiliar os empreendedores a administrarem o risco hidrológico. Entre as medidas, está sendo avaliada uma metodologia para revisão de garantia física de hidrelétricas e de térmicas.