Marisa Wanzeller, Lais Carregosa e Gabriel Vasconcelos, da Agência iNFRA
O ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) defende o aprimoramento regulatório e tecnológico para que seja possível operar a geração distribuída solar e evitar o desequilíbrio entre carga e geração. O diretor-geral, Marcio Rea, falou à Agência iNFRA que foram mapeados os riscos à segurança do sistema, cuja margem de operação tem sido limitada pela GD (Geração Distribuída) fotovoltaica. A necessidade de gestão sobre os painéis solares de pequeno porte (que hoje não são de responsabilidade do ONS) surgiu após a elaboração de um relatório sobre os cenários para as restrições de geração (curtailment), divulgado nesta terça-feira (17).
“Os cortes acabam se concentrando apenas na geração centralizada, que é onde o ONS tem gestão, e a geração distribuída, que também pressiona o sistema, não entra no rateio das restrições”, disse Rea. “As distribuidoras precisam passar a ser operadoras dos sistemas de distribuição, para que possam ter controle e gestão sobre a MMGD [mini geração distribuída solar]. E essa é uma das recomendações que fazemos no estudo”, completou.
O diretor-geral contou que o operador tem se reunido com a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) para avançar nesse processo, que passa pela definição de novos papéis para as distribuidoras.
Cortes de 40 GW
O documento aponta que, até 2029, os cortes podem alcançar 40 GW (gigawatts) em determinados momentos do dia, com restrição em 84% do tempo no intervalo entre 9h e 15h59min –o período mais crítico da operação devido à maior geração fotovoltaica. Esses 40 GW equivalem ao volume de energia que corresponde a três usinas de Itaipu.
“O que temos dito é que a nossa capacidade de operar o sistema de uma região segura depende de nossa margem de controle em relação à geração. E, quando olhamos para o futuro, essa margem de controle vai se reduzindo”, completou o diretor de Planejamento do ONS, Alexandre Zucarato.
No horizonte até 2029, segundo Rea, a motivação dos cortes vai deixar de ser confiabilidade e disponibilidade de transmissão, gargalos que tendem a ser resolvidos, e terão a ver com o descompasso entre geração e carga no período diurno.
Pesa, nesse cenário, um aumento da capacidade estimada de MMGD dos atuais 40 GW para 64 GW em 2029. “Esses cortes vão acontecer cada vez mais por razões energéticas, devido à geração maior de renováveis do que a demanda. Essas restrições devem chegar a 10% para a geração eólica e mais de 20% para a fotovoltaica.”
Zucarato exemplificou que, no início de maio, após o feriado prolongado do Dia do Trabalhador (1º de maio), foi necessário cortar 95% da geração eólica e solar centralizada para poder manter a geração igual à carga. “Quando o ONS olhou a geração mínima hidráulica e a geração mínima térmica, olhou a carga que sobrou depois da MMGD, não cabia mais nada. Cabia 5% de geração das eólicas e das solares centralizadas”, afirmou.
“Isso aconteceu numa hora específica de um dia que acumulou fatores de redução de carga: temperatura baixa, vários dias consecutivos com cara de domingo ou feriado, e céu limpo –que aumenta a geração solar. Só que a gente olha para o futuro e esse tipo de fenômeno, que aconteceu em uma hora específica de um dia no início de maio, começa a acontecer com cada vez mais recorrência ao longo das horas diurnas”, declarou o diretor.
Segundo Zucarato, uma das observações feitas no relatório é de que, dependendo da oferta projetada para 2029 (se com base no PMO ou nos CUSTs assinados), a falta de carga para geração pode variar entre 45% e 85% das horas diurnas.
“Colapso”
Com tais projeções, o ONS trabalha para evitar o “colapso” do sistema, que ocorreria quando a geração fosse maior do que a carga, mesmo após o operador cortar 100% da geração centralizada, explicou o diretor-geral do operador.
“Existe uma questão que é a participação dos efeitos econômicos do fenômeno dos cortes, mas a gente também tem uma preocupação que, para o ONS é a preocupação número um, que é os riscos à segurança da operação. Perder a capacidade de controlar a geração do sistema. E o que a gente ‘tá’ vendo é que essa nossa margem de controle, ela é limitada porque a gente não tem controle sobre a geração distribuída”, complementou o diretor Zucarato.
Regulação
Com base nas análises, o relatório recomenda estabelecer um cronograma para viabilizar a operação de geração distribuída solar, determinando que todas as usinas Tipo III (aquelas com potência instalada acima de 500 kW em autoconsumo remoto e em geração compartilhada) sejam controláveis até um prazo a ser definido.
O ONS pondera que deve ser avaliada a inclusão da minigeração distribuída neste cronograma, bem como considerar se a regra se aplicará somente às novas usinas ou se abarcará todas, incluindo as já em operação. Zucarato ressaltou que essa é uma questão regulatória a ser construída, no entanto, “quanto mais tempo levar para ser feita, mais usinas estarão na base”.
Assim, o relatório recomenda a criação de mecanismos para que as usinas de GD participem das restrições de curtailment de forma proporcional ao seu impacto no balanço carga-geração.
Armazenamento
Os diretores também apontaram para a importância de aprimorar a regulamentação de sistemas de armazenamentos, que podem auxiliar na restrição da geração distribuída. Em vez de interromper a geração de energia, ela poderia ser armazenada em baterias instaladas em outros pontos da cadeia de transmissão para uso no período da noite.
“Uma ideia, talvez, é você ter nas residências uma bateria, com uma maneira de remunerar essa energia. Ou as distribuidoras armazenarem essa energia em baterias, que poderiam ser instaladas nas suas subestações”, disse Rea.
Rea advertiu, no entanto, que sistemas de armazenamento são uma opção a ser estudada, mas não serão, sozinhos, a solução para o curtailment. “Eles têm potencial de trazer ganhos, mas é preciso estruturar muito bem o que se pretende com a adoção de baterias e quais serviços podem ser agregados ao armazenamento. No entanto, as baterias não serão a solução definitiva dos cortes de geração, uma vez que há uma sobreoferta de energia”, continuou o diretor-geral do ONS.
Data centers e hidrogênio
O diretor de Planejamento do ONS assinalou que, apesar de cargas futuras de data centers e plantas de hidrogênio poderem ajudar a reduzir o curtailment durante o dia, elas exigem o aumento de energia de reserva no sistema.
“A questão toda é que o processo atual de acesso ao sistema de transmissão não é compatível com cargas desse porte aparecendo da noite para o dia”, afirmou Zucarato. Segundo o diretor, o ONS defende que o governo prepare um arcabouço normativo para permitir que o operador possa acomodar essas cargas.
Atualmente, o governo discute uma MP (Medida Provisória) para estimular a entrada de data centers no Brasil. A ideia é incentivar a utilização de energia renovável e conceder isenção fiscal para atrair os projetos.
“Na nossa avaliação, não adianta fazer um esforço enorme para ‘brotar’ essas cargas da noite para o dia, achando que o sistema vai estar preparado para recepcioná-las. Isso é um trabalho que precisa ser feito, coordenado, e a recomendação que damos é nesse sentido”, afirmou.