Geraldo Campos Jr. e Marisa Wanzeller, da Agência iNFRA
Dois votos apresentados em processos da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) na última semana podem provocar um aumento nas tarifas de energia, avalia o diretor-executivo de Regulação da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), Ricardo Brandão.
Um deles, para que seis distribuidoras recebam aportes dos seus controladores de cerca de R$ 10,25 bilhões para adequar os endividamentos aos limites regulatórios, de relatoria do diretor Fernando Mosna, volta à pauta da RPO (Reunião Pública Ordinária) desta terça-feira (19). O outro, sob relatoria da diretora Agnes Costa, estabelece uma indenização a ser paga aos consumidores após 24 horas sem energia durante eventos climáticos extremos e está em consulta pública até o dia 12 de dezembro.
Para a Agência iNFRA, Brandão afirmou que essas despesas impactarão indiretamente outros custos das distribuidoras, como aumento de taxas de juros de financiamentos, elevação de spread bancário e até no preço-teto da energia em leilões de geração. Isso se deve a um aumento da percepção de risco que o mercado passará a ter com o segmento de distribuição. “Toda incerteza vira risco, e todo risco vira aumento de tarifa.”
Esses componentes integram um indicador chamado WACC (Custo Médio Ponderado de Capital), que representa a taxa mínima de retorno de investimento de uma empresa. No setor elétrico, a ANEEL define as taxas de remuneração do capital para os setores de geração, transmissão e distribuição de energia. O WACC é levado em conta em todos os processos de reajuste tarifário.
Ou seja, se os custos gerais subirem, o WACC também aumentaria e elevaria as tarifas de todos os consumidores, inclusive os de distribuidoras que não serão afetadas pelas decisões, explicou o diretor. No processo sobre a eficiência econômica das empresas, as únicas que precisariam de aportes seriam Light (R$ 4,3 bilhões), Enel Rio (R$ 2,8 bilhões), Energisa Rondônia (R$ 1,5 bilhão), Neoenergia Brasília (R$ 1,1 bilhão), Energisa Acre (R$ 430 milhões) e Neoenergia Pernambuco (R$ 124 milhões).
“Isso afeta a estrutura de capital do setor como um todo, que vai ter uma proporção maior de capital próprio do que de capital de terceiro. Isso também pode dar uma sinalização de risco. Na hora de fazer uma emissão de debêntures com vencimento de três, quatro ou cinco anos para frente, o mercado vai pedir um spread maior. (…) Essa decisão afeta o próprio WACC que vai ser calculado no início do ano que vem e, sim, ela pode ter um impacto de aumento de tarifa para todos os consumidores”, afirmou.
Provisões no cálculo
Um dos pontos levantados pelo diretor da Abradee é a incorporação de provisões negativas no balanço das empresas para o cálculo do Ebtida ou Lajida (Lucros antes dos juros, tributos, depreciação e amortização), não se atendo ao conceito de ‘Lajida Recorrente’, inaugurado na REN (Resolução Normativa) 948/2021.
“O fato de ser recorrente é que eu vou tirar os eventos não recorrentes para não dar a impressão nem que a empresa está com muito dinheiro em caixa porque ela é eficiente, porque às vezes é só um crédito, ou que a empresa está com caixa negativo porque é ineficiente, que no caso de uma delas se tratou de sobrecontratação”, explicou Brandão.
No entanto, o diretor aponta que a ANEEL está considerando apenas as provisões negativas para o cálculo, ignorando as positivas. Isso estaria gerando distorções, podendo-se exigir das companhias o recebimento de aportes agora sobre provisões negativas de exercícios passados que, na verdade, já foram compensadas.
“É uma interpretação da regra de uma forma desbalanceada que só vale contra a distribuidora”, disse.
Brandão exemplificou um caso em que a concessão foi privatizada e recebeu investimentos para recuperar uma rede sucateada. Esse investimento aumentou o endividamento da distribuidora. Contudo, já foi recuperado por meio de repasses para a tarifa de energia, o que não justificaria aportes dos controladores para fins de equilíbrio econômico-financeiro.
“O investimento aumentou a dívida, só que isso é momentâneo. Na hora da revisão tarifária, esse investimento está entrando na base. Quando esse investimento entrou na base, ele virou receita. Quando ele virou receita, o meu Ebtida aumentou e essa relação Ebtida e dívida já ficou positiva.”
Prazo para os aportes
Outra preocupação do setor de distribuição é com o prazo que será dado para efetivação dos aportes. O relator do processo, Fernando Mosna, votou para que as aplicações sejam feitas em 90 dias. A diretora Agnes Costa defendeu que fossem 180 dias, discordância essa que a levou a pedir vista de uma semana do processo.
Ricardo Brandão avalia como inviável levantar os recursos em 90 dias, uma vez que será necessária uma convocação dos acionistas, muitas vezes estrangeiros (o que faz o trâmite ser mais demorado), de acordo com os critérios de governança de cada companhia. Depois de aprovado o aporte, ainda seria necessário um tempo razoável para que o recurso de fato seja levantado com esses investidores.
“Ninguém faz aporte em si mesmo. Quem faz aporte na companhia é o acionista. E para isso os investidores vão ser chamados na proporção da quantidade de ações que você tiver para fazer o aporte. Cada companhia tem a sua governança, mas dificilmente chamar uma série de acionistas levaria menos de 30 dias. Tem toda uma preparação de governança que leva uns outros 30 [dias], porque eu tenho que preparar todo o material. São 60 dias só nisso. Mesmo com os acionistas topando de primeira, não é só com um mês que se consegue levantar esse montante”, disse.
Outra possibilidade, considerada a mais provável, é que as holdings façam uma captação dos recursos, como, por exemplo, emitindo debêntures em favor das distribuidoras. “Estruturar uma operação dessas leva tempo. Se for fazer uma captação de debêntures de qualquer papel internacional, tem que fazer um tender offer, ir ao mercado dizer quanto quer captar, a taxa, dividido em tais blocos. E depois vêm as manifestações de interesse, nisso já são dois meses. Depois fecha a fila, e, para concluir a captação, foram cinco meses já.”
Compensações a consumidores
A resolução colocada em consulta pública na última semana com o objetivo de realizar aprimoramentos regulatórios e aumentar a resiliência das redes também preocupa o setor de distribuição. O principal ponto de divergência é sobre a ideia que as distribuidoras paguem uma compensação aos consumidores pela demora no restabelecimento da energia superior a 24 horas.
“Não adianta colocar prazo para uma coisa que não tem prazo. O furacão Milton recente afetou 3 milhões de pessoas na Flórida e o restabelecimento foi em sete dias. Em 2015, teve lá o furacão Irma e foram 18 dias. […] Isso é porque tem um tempo de engenharia. Uma árvore que cai em São Paulo derruba uns três, quatro postes e levanta a raiz inteira. Então tem que refazer a calçada, colocar o poste, secar, lançar o cabo, colocar o transformador. Não adianta eu escrever num papel que eu tenho X horas para isso ser feito”, afirmou o diretor da Abradee.
Brandão questiona a ausência de AIR (Análise de Impacto Regulatório) sobre a criação dessa compensação, sem nenhum cálculo do impacto sobre a sustentabilidade das empresas e sobre as tarifas. Segundo ele, essa restrição dos expurgos no DEC (duração média de interrupções) não tem nenhuma comparação no mundo, sobretudo diante dos eventos climáticos extremos.
“Uma coisa é quando tem uma perturbação na rede, que se resolve duas, três horas, e outra é uma recomposição após evento extremo, que cada caso é um caso […] Se o evento é extremo, se não é culpa da distribuidora e é uma questão de força maior, porque colocar uma meta de franquia de 24 horas no urbano e 26 horas no rural e acionar uma compensação individual para o consumidor para cada hora que passar?”, questiona.
Um outro tema colocado na nota técnica é sobre o manejo arbóreo. Segundo a proposta, as distribuidoras passarão a ter responsabilidade conjunta com o poder municipal sobre a poda preventiva de árvores. Assim, elas deverão ter plano de manejo vegetal e atualizá-lo anualmente.
Na visão do diretor da Abradee, não há como se ter uma gestão compartilhada ou colocar a responsabilidade sobre esse quesito para as distribuidoras. “A gente entende a boa vontade da ANEEL. Só que a única coisa que a ANEEL tem de competência aqui é atuar em cima da distribuidora. E ela está usando a única coisa que ela pode fazer, que é encher a distribuidora de obrigações que ela não tem. Não tem como escrever numa resolução que isso é uma atribuição da distribuidora, porque não é.”