Roberto Rockmann*
Com cerca de US$ 30 bilhões em intenções de investimentos em projetos de hidrogênio verde no Brasil, o desafio será fazer esses empreendimentos se concretizarem sem subsídios que onerem as tarifas do mercado cativo, aperfeiçoando o planejamento da expansão do sistema de transmissão e selecionando hubs regionais de desenvolvimento da tecnologia, o que poderia criar escala e reduzir custos. Essa é a avaliação dos especialistas ouvidos pela Agência iNFRA.
Para Heloisa Esteves, diretora de Estudos do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis de Pesquisa Energética da EPE (Empresa de Pesquisas Energética), uma estratégia de nova industrialização verde seria formar polos e hubs regionais, que poderão ser uma forma de reduzir custos por aumentar a escala de produção.
Na sua visão, o BNDES poderá ser um ator importante do processo. O governo avalia alguma subvenção a ser dada para fomentar essa nova cadeia, diz ela. “É possível que alguma contribuição possa ser dada”, diz.
O desafio é que subsídios sejam transparentes e não onerem as tarifas do mercado cativo. Hoje encargos e tributos respondem por cerca de 40% das contas de luz, segundo estimativas do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor).
Apresentado há menos de dez dias pelo governo federal, o Plano Nacional de Hidrogênio trabalha com a meta de disseminar plantas pilotos no país até 2025; consolidar o Brasil como o país mais competitivo do mundo na produção hidrogênio de baixo carbono do mundo até 2030; consolidar, até 2035, hubs de hidrogênio de baixo carbono no país – reunindo produtores e consumidores, geradores de energia, e logística de distribuição e transporte.
Pressão sobre o sistema de transmissão
O investimento em hidrogênio verde trará pressão sobre a expansão do sistema de transmissão. Será preciso que a expansão da transmissão para apoiar investimentos em hidrogênio verde não pressione mais as tarifas.
Estudo da Volt Robotics aponta que o custo de transmissão na tarifa de energia elevou-se em 180 pontos percentuais entre 2013 e 2022 e foi um dos responsáveis pela conta de luz de uma residência que consome 200 kWh por mês subir 25 pontos percentuais acima da inflação de 85% acumulada entre 2013 e 2022.
Para o consultor Luiz Maurer, haverá a necessidade de repensar o modelo de expansão de transmissão. “Os custos não estão sendo atribuídos aos agentes que solicitam e acesso, mas ao consumidor brasileiro. Se o país investir nessa seara, precisará buscar soluções estruturais para evitar isso.”
Investir em hidrogênio verde significa ampliar transmissão. Nas contas do vice-presidente de engenharia da Eletrobras, Ítalo Freitas, se cinco dos 28 memorandos de entendimento assinados no país saíssem do papel, haveria um potencial de 10 GW (gigawatts) de capacidade a ser instalada para atender a esses empreendimentos. “Hoje a capacidade da subestação de Pecém, que é de 3 GW, teria de ser reformatada.”
Isso poderá elevar a velocidade do descompasso existente entre as taxas de crescimento da oferta de energia elétrica (novas usinas) e a taxa de crescimento dos sistemas de transmissão (linhas e subestações).
Outro estudo da Volt Robotics aponta que, entre 2010 e 2022, enquanto a energia solar cresceu 124% ao ano; a eólica, 31% ao ano; a transmissão cresceu cerca de 5% ao ano.
Hubs regionais pelo país
O governo também buscará desenvolver hubs regionais, com a intenção de criar escala e reduzir custos. Um polo regional que desponta é o Ceará, mais precisamente o porto de Pecém (CE).
Um dos acionistas do terminal é o porto de Roterdã, que se tornou hub estratégico da União Europeia de importação de hidrogênio verde. A maioria dos memorandos de intenção de investimentos assinados no país está no Ceará, em razão do potencial eólico e solar e a proximidade com Europa e Estados Unidos.
Um projeto avançado é o da mineradora australiana Fortescue, que no início de agosto, apresentou estudo de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental para licenciar um projeto no porto do Pecém. O projeto de larga escala tem potencial para produzir 837 toneladas de hidrogênio verde por dia a partir do consumo de 2.100 MW de energia renovável. O investimento pode chegar a R$ 20 bilhões.
Além do Ceará, também Suape e Açu
Estudo da FGV Energia destaca que começam a se desenhar pelo menos outros dois hubs para produção de hidrogênio verde no país, além do Ceará: Suape (PE) e Açu (RJ), que já firmaram memorandos de entendimento com grandes grupos internacionais.
O mercado interno poderá ser importante no desenvolvimento da tecnologia. O governo e empresários têm olhado para o setor agrícola, que importa mais de 70% dos fertilizantes, apesar de ser um dos líderes mundiais em grãos e carnes.
Para Paulo Alvarenga, CEO da thyssenkrupp South America, o Brasil tem uma janela de oportunidade para ser aproveitada, usando o mercado doméstico como impulsionador. “O Brasil é um dos líderes mundiais em agroenergia, mas importador de fertilizantes”, diz.
A amônia verde é produzida a partir de hidrogênio verde. Com ela, a descarbonização da cadeia do alimento e os fertilizantes verdes pode virar uma realidade, começando pelas fábricas até chegar à mesa do consumidor final.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
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