Distribuidoras discordam da ANEEL sobre diferimentos tarifários

Marisa Wanzeller e Geraldo Campos Jr., da Agência iNFRA

As distribuidoras de energia elétrica apresentaram discordâncias da proposta da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) na CP (Consulta Pública) 8/2025, que trata da regulação dos diferimentos financeiros nas tarifas. Elas alegam rigidez nos critérios sugeridos para aprovação ou não dos pedidos, que se tornaram mais frequentes em meio a uma série de eventos que contribuíram para um cenário de queda das tarifas neste ano, seguida de altas projetadas para 2026. 

“Nossa discordância é no sentido de achar que critérios muito determinativos, sem muita margem de flexibilidade, podem não atender todos os os casos”, destacou o diretor-executivo de Regulação da Abradee (Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica), Ricardo Brandão, à Agência iNFRA.

A associação se posiciona especificamente contra dois critérios apresentados pela ANEEL na nota técnica que tratam da análise dos processos tarifários homologados pela reguladora entre 2017 e 2024. A partir da observação desse histórico, a ANEEL propõe que, para um diferimento ser aceito: 1) o reajuste tenha um efeito médio entre -4% e 15,6%; e 2) que os dois últimos reajustes da concessão estejam dentro do intervalo de -1,6% e 12,9%.

Já o terceiro critério proposto pela reguladora, que recebe apoio das distribuidoras, faz a análise de impacto do diferimento no processo tarifário futuro. A Abradee defende que a reguladora foque neste ponto e ainda o expanda para considerar, além do ano seguinte, as previsões para mais anos adiante. 

Foco no futuro
“A gente acha que, mais do que os critérios que olham para o passado, é mais importante estabelecer critérios olhando previsões para o futuro”, disse Brandão. 

Assim como a Abradee, as distribuidoras destacaram em suas contribuições individuais à CP 8/2025 a importância de olhar para frente, e não para o que já aconteceu. O grupo Energisa, por exemplo, afirma que “a lógica de análise retrospectiva para decisões futuras é incompatível com a dinâmica do setor elétrico, marcado por volatilidade e por eventos não recorrentes que podem alterar a trajetória tarifária”. A empresa cita decisões regulatórias passadas e políticas públicas excepcionais, como as contas Covid e Escassez Hídrica como casos fora da curva. 

Na visão da companhia, “utilizar essas referências históricas como critério de elegibilidade também pode levar à injusta penalização de distribuidoras que tomaram decisões prudentes no passado, ou, ainda, à negação de pedidos legítimos frente a um contexto tarifário deteriorado”. 

Desta forma, o grupo defende que o critério três ganhe “maior centralidade na proposta da ANEEL, sendo capaz de incorporar os elementos prospectivos que efetivamente justificam a adoção de medidas de suavização de tarifas, que, por natureza, visam mitigar variações futuras e não corrigir distorções passadas”.

Impacto prolongado
Assim como o grupo Energisa, a Light destaca a necessidade de “ampliar o horizonte de projeção, permitindo, inclusive, que a reversão do valor diferido seja realizada em prazo superior a um ano, não sendo concentrada obrigatoriamente no processo tarifário subsequente”. 

O grupo Equatorial ainda pontua que o diferimento tarifário afeta mais de um processo e, “a depender de seus efeitos, combinado a variações tarifárias futuras, pode gerar necessidade de novos diferimentos de maneira frequente”.

A Enel, por sua vez, afirma que “o uso exclusivo de parâmetros passados ignora que o objetivo principal do diferimento é mitigar os efeitos de pressões tarifárias futuras”. A companhia também propõe que a ANEEL leve em consideração cenários prospectivos, “construídos com base em premissas técnicas e mercadológicas”.

Fechamento da CP
As contribuições à consulta pública se encerraram no dia 11 de abril e, após análise pelas áreas técnicas e pela relatora, diretora Ludimila Lima, o resultado será levado para deliberação da diretoria. 

Durante análise de diferimento solicitado pela Enel Ceará no processo de RTA (Reajuste Tarifário Anual) analisado na última semana, o diretor Fernando Mosna já demonstrou concordância com os argumentos levados pela Abradee. 

“Eu acredito já que vale levarmos em consideração a contribuição da Abradee no sentido de que vale mais apenas dar ênfase ao terceiro critério, olhar para o futuro, do que os critérios [em] que eles estabelecem o range e também olham para o passado”, afirmou Mosna durante a reunião. 

O diretor também citou, em concordância, a contribuição da Enel que dizia que o modelo proposto pela ANEEL, “ao condicionar a aplicação do diferimento a condições históricas de tarifa, tende a se tornar ineficaz ao longo do tempo. Seja na aplicabilidade dos diferimentos nos próximos anos ou em um cenário de estabilidade econômica e regulatória”. 

Onda de pedidos de diferimento
A discussão sobre a regulamentação dos diferimentos tarifários se dá em um momento em que há uma série de pedidos desse tipo na agência. Segundo Brandão, trata-se de um momento com uma tendência de redução de tarifas na maioria dos casos por diferentes motivos.

O diretor da Abradee cita que a conjuntura entre 2024 e 2025 trouxe alguns efeitos para os processos tarifários. Como exemplo, a descontratação de usinas mais caras, a devolução de valores cobrados de PIS/Cofins pelas distribuidoras aos consumidores e a quitação das contas Covid e Escassez Hídrica. 

“São elementos que conjugados levam de fato pra uma situação em que vai ser mais comum você ter um reajuste mais baixo ou negativo neste ano seguido de um reajuste mais alto no ano que vem”, afirmou Brandão.

A Copel (Companhia Paranaense de Energia) foi a precursora dessa onda de pedidos, ainda no seu RTA de 2024, quando foi aprovado reajuste médio de 0% com diferimento de R$ 452 milhões, visando a evitar uma elevação atípica em 2025.

Já neste ano, o colegiado da ANEEL se debruçou sobre pedidos de diferimento da Light, da CPFL Paulista e da Enel Ceará. No entanto, apenas o da última foi aprovado, com redução média de 2,1% nas tarifas e um diferimento positivo de R$ 532,8 milhões em 2025. A previsão inicial era de uma redução tarifária de 8,7%, no entanto o mecanismo foi adotado para atenuar a alta de 17,6% prevista para 2026 para apenas 1,6%.

Impasses
Os processos da CPFL e da Light, por outro lado, estão sob pedido de vista. No caso da distribuidora carioca, o relator do processo, diretor Fernando Mosna, propôs um diferimento integral de R$ 1,6 bilhão na última reunião, atendendo o pedido da empresa. A diretora substituta Ludimila Lima apresentou voto-vista para um diferimento parcial de R$ 893,2 milhões. Sem consenso, o diretor Ricardo Tili pediu vista do processo.

Já no processo da CPFL, houve discordância entre os diretores quanto ao cumprimento de uma decisão judicial, que trata do custo da energia adquirida entre CPFL Paulista e CPFL Brasil, por meio de um diferimento tarifário de R$ 4,6 bilhões. O diretor Fernando Mosna pediu vista argumentando que a sentença em questão é ilíquida, ou seja, sem valor definido nos autos. Por isso, segundo ele, efetuar o diferimento proposto para finalizar o processo judicial se configuraria um acordo entre as partes, o que exigiria um rito especial da agência.

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