Empresas se movimentam para se adequar às inovações e mudanças estruturais que virão com a modernização

Roberto Rockmann*

O mês de maio se inicia sob a expectativa de votação e aprovação do Projeto de Lei 414, passo essencial, mas não único, da modernização do setor elétrico rumo aos desafios trazidos pelas inovações tecnológicas dos últimos anos. Na semana passada, o presidente da Câmara, Arthur Lira, teve conversas sobre os detalhes do PL (projeto de lei), que passou por ajustes da Casa Civil nos últimos dias.
 
Sancionada a lei após aprovação do Legislativo, a abertura para a baixa tensão significará a transformação de um ambiente de atacado para o de varejo. Isso cria dúvidas. Uma se refere a quem irá liderar esse processo. As peças estão se movimentado. A Vibra Energia deu o passo mais ambicioso, ao adquirir o controle da Comerc.
 
Com 18 mil clientes corporativos e 30 milhões de consumidores que abastecem mensalmente veículos em seus postos, a empresa proporciona balanço à comercializadora, permitindo posições mais longas em um segmento com margens baixas, inferiores a 5%.
 
Tamanho do mercado livre
O mercado de varejo atrai ainda bancos, fundos de investimento, geradoras, comercializadoras, que disputarão um mercado cujo tamanho ainda é indefinido. Na Europa, há países como o Reino Unido, em que metade da população aderiu à liberalização, enquanto na França, 70% dos consumidores permaneceram no mercado regulado.
 
“Podemos ver 50% dos consumidores no mercado livre”, diz Bernardo Bezerra, diretor de inovação da Omega Energia. “O consumo per capita brasileiro ainda é baixo, muitas contas estão em 170 kwh por mês. Pode ser que a migração seja liderada por contas maiores e que tenham poder de barganha, enquanto os menores consumidores esperem quando a tecnologia lhes permitir mais serviços”, diz Luiz Ferreira Pinto, vice-presidente de Operações Reguladas da CPFL.
 
Concentrado em 10 mil empresas
Com 80 milhões de medidores, cada ponto percentual de adesão implica milhões de reais de um mercado que negociou R$ 162 bilhões em 2021 e responde por 34% da energia consumida no Brasil, mas está concentrado em dez mil empresas e 26 mil unidades consumidoras, menos de 1% do total.
 
Digitalização intensa
Indefinido também é o momento em que essa expansão se dará. “Uma questão é quando é o ponto certo para os investimentos para se preparar para essa abertura, que exigirá digitalização intensa e uma criação de base de dados para avaliação de risco e do comportamento dos consumidores”, analisa Fabio Zanfelice, presidente da Auren.
 
Gestão de risco
Em um mercado de atacado, gerenciar risco é uma coisa. Os grandes consumidores têm seus balanços auditados. Em um ambiente pulverizado, a gestão de risco e de análise do comportamento é outra. Isso pode abrir negócios bilionários para as consultorias, como PSR e Thymos.
 
A sofisticação do mercado brasileiro dos últimos anos – com o PLD Horário, a chegada de clientes menores e a maior volatilidade de preços com avanço de usinas a fio d’água e fontes intermitentes – tem feito as empresas buscarem portfólio para atender a seus clientes com produtos sob medida e que as protejam das oscilações do mercado.
 
Volatilidade
Isso significa ter exposição a projetos em diferentes regiões do país (irradiação no interior de Minas Gerais é diferente do Nordeste; os preços dos submercados Nordeste e Sudeste no mercado livre são diferentes) ou em zonas (eólicas terrestres têm diferença com as offshore). “Estamos olhando projetos eólicos e solares para essas exposições”, diz Lucas Araripe, diretor da Casa dos Ventos. Essas estratégias corporativas podem ter impacto sobre o local de formação futura do cluster de energia eólica offshore, que pode ser no Nordeste ou na área do pré-sal.
 
A abertura do mercado livre para a baixa tensão existe como conceito desde 1998, quando os contratos iniciais firmados pelas geradoras e distribuidoras previam que a partir de 2003 a quantidade de energia contratada seria descontratada à razão de 25% anuais, até que em 2006 os consumidores teriam total liberdade. O modelo mudou a partir de 2004.
 
A liberalização nunca esteve tão perto, mas cabe ressaltar que ela não é o remédio universal de todos os males, como apontou recente estudo do Instituto Acende Brasil. “A livre escolha não é garantia de melhoria para o consumidor como um todo. O desenvolvimento do mercado varejista precisa ser fomentado”, diz Claudio Sales.
 
A aprovação do PL 414 é o primeiro passo rumo à modernização, mas para que os consumidores possam usufruir de fato seu poder será preciso construir mecanismos tarifários horários, de resposta da demanda, dar ferramentas para que eles possam gerenciar seu consumo em tempo real. Exigirá ainda um sistema de preços mais coerente e o aperfeiçoamento das regras de segurança de mercado, debatidas desde a crise de 2019.
 
Esse novo mercado surge em meio às disfuncionalidades do atual. Há duas semanas, um advogado em rede social anunciava os benefícios da geração distribuída solar. “Desconto de 10% na conta de luz no RJ (Light) e em SP (Enel) para clientes CNPJ na baixa tensão (tarifa B3) para contratos de sete anos ou desconto de 5% sem prazo contratual. Valor mínimo da conta de luz: R$ 1.000,00.”
 
Surge também em meio ao avanço dos parlamentares sobre o setor. Exemplo mais visível é a contratação das térmicas incluídas na Lei 14.182/2021, que autorizou a União a vender sua participação majoritária na Eletrobras. O jabuti que usa o dinheiro da PPSA para viabilizar essas térmicas ainda é dúvida no PL 414.
 
Com a ampliação do mercado livre, a regulação terá de ser ainda mais dinâmica, o que exigirá que as instituições do setor estejam fortalecidas, como as agências reguladoras. Posicionar o setor elétrico na modernidade será tarefa árdua e contínua.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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