da Agência iNFRA
Há entre os especialistas de diversas áreas incômodo com o que eles classificam como excesso de burocratização da nova Lei de Licitações. Como forma de colocar na legislação diretrizes criadas ao longo dos anos por órgãos públicos como controladorias, procuradorias e tribunais de contas, os legisladores teriam “engessado” a lei, o que poderia trazer problemas para os gestores na hora de usá-la.
O advogado Massami Uyeda diz que os 194 artigos “exageram um pouco” nos procedimentos e descrições dos atos e processos administrativos.
“Talvez um reflexo do excesso de fiscalizações sobre condutas de servidores, transformando a lei num grande manual de gestão interna, de pouco interesse ao contratado privado”, explica o advogado.
Assim como a legislação de 1993, feita no contexto de um escândalo de corrupção envolvendo empreiteiras, a 14.133 também tem grande influência da Operação Lava Jato, iniciada em 2013. Ao longo da tramitação, houve também forte lobby de servidores de órgãos de controle para a inclusão de itens que ampliassem o controle sobre os contratos.
Para Maurício Portugal Ribeiro, a nova lei foi feita sem muita expertise. Ele lembra que, nas grandes leis anteriores, montava-se uma comissão de juristas que trabalhava por seis meses a um ano para fazer uma minuta de anteprojeto que era levado ao legislativo. Essa proposta sofria a influência do processo político, mas, para ele, “a base era um documento consistente”.
Nos últimos anos, em vez de progredir e avançar para comissões multidisciplinares, por conta do que ele chama de “ambiente de menoscabo das expertises”, a tarefa de fazer as leis fica a cargo de burocratas.
“Essa lei ficou um mosaico mal ajambrado de coisas velhas e coisas novas”, disse Portugal Ribeiro, que criticou especialmente o capítulo de distribuição de riscos. “Quem redigiu isso não tem a mínima noção de como se precifica riscos.”
Visão conservadora
A Agência iNFRA conversou com um dos servidores do TCU que acompanhou a tramitação da lei, que falou sob condição de anonimato por não poder falar pelo órgão sobre o tema. Ele afirmou que a percepção geral sobre a lei é de avanço e que ela vai trazer mais segurança para as contratações.
Ele afirmou que vê como positivo o fato de algumas jurisprudências do tribunal terem sido positivadas, mas lembra que em alguns temas aconteceu o oposto, e a jurisprudência do tribunal não foi aceita e provavelmente terá que ser revista. O servidor acredita ainda que a tendência do TCU é ser conservador nas análises usando a nova lei.
“Há centenas de acórdãos que são exclusivamente pedagógicos. Isso continua, o tribunal mais é conservador e orientador que punitivo. Não acredito que lei nova vá mudar isso. Ao contrário”, afirmou.
Reforço punitivo
Lucas Sant’Anna, advogado do escritório Machado Meyer, atribui ao momento os reforços no sentido punitivo da nova legislação.
“Acredito que não mudamos a nossa forma de pensar as contratações públicas. A lei poderia ter sido uma oportunidade para revermos alguns princípios. Temos a tradição brasileira de que o privado quer sacanear, e a administração pública é uma vítima preferida”, disse Santana.
Para o advogado, a lei nova não tirou o excesso de burocracia e deixou a administração pública com a mesma espada sobre o privado para aplicar sanções e fiscalizar de maneira rigorosa.
“Isso cria um problema de execução contratual. Não por causa do administrador público, que muitas vezes é bem-intencionado. Mas, na medida em que há uma porção de sanções a serem aplicadas em caso de descumprimento contratual, punições serão aplicadas. Só sairemos desse loop quando mudarmos a maneira de olhar o processo de contratação”, acredita Sant’Anna.
Temas de judicialização
O presidente da Aneor, Danniel Zveiter, vê um desses traços num dispositivo criado na nova legislação, o artigo 14. Nele, os contratados não ficarão mais eximidos de ter responsabilidades sobre problemas nas obras após cinco anos do recebimento definitivo, o que traz “insegurança eterna” para os contratos.
Carlos Eduardo Lima Jorge, da Comissão de Infraestrutura da CBIC, lembra ainda que a legislação como aprovada vai gerar outro ponto de insegurança jurídica e provável judicialização, que é na forma de contratação de projetos de obras por pregão. De acordo com ele, o artigo 29 vedou essa modalidade para contratar projetos, mas o artigo 56 obrigou a adoção do pregão para esse tipo de contratação.
Jorge também lamentou o veto da Presidência ao inciso 2º do artigo 37, que obrigava os projetos de infraestrutura a serem julgados por técnica e preço, com o mínimo de 70% de peso para a técnica. Segundo ele, o tema foi amplamente discutido no Congresso e o número não foi “sacado do nada”.
“A contratação de maus projetos é um dos maiores problemas que o país enfrenta, segundo todos os trabalhos feitos pelos órgãos de controle. [Com o veto], optou-se por continuar contratando projeto por menor preço, em detrimento da melhor técnica”, reclamou.
Outra insegurança deixada pela legislação, na visão de Ana Luiza Jacoby Fernandes, diretora do Jacoby Fernandes & Reolon Advogados, é em relação ao acordo de cooperação de compras governamentais da OMC (Organização Mundial do Comércio), ao qual o país pediu para aderir. Segundo ela, alguns itens da legislação aprovada estão em conflito com as normas do acordo, e o país terá como opção fazer ressalvas para a adesão ou mudar a lei. (Colaborou: Tales Silveira)