Sheyla Santos, da Agência iNFRA
Representantes de empresas demandaram da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) mais transparência quanto aos gatilhos previstos nas minutas de edital e de contrato de concessão para implantação e exploração da ferrovia EF-118, que liga o Rio de Janeiro ao Espírito Santo.
Os pedidos ocorreram durante a AP (Audiência Pública) 14/2024, realizada na última segunda-feira (27) para avaliar a proposta da concessão, que vem sendo chamada pelo governo de “Anel Ferroviário do Sudeste”. Pela proposta, o trecho entre o município de Anchieta (ES) e o Porto do Açu, localizado no município de São João da Barra (RJ), chamado de trecho Central, terá prazo imediato para ser implantado pela concessionária vencedora da disputa.
Mas o trecho entre o Porto do Açu e Nova Iguaçu (RJ), onde a malha se conecta à atual concessão da MRS e chamado de trecho Sul, só seria construído posteriormente, num sistema que está sendo chamado de gatilho, mas que não tem definido um “disparador”. Pela proposta, ele poderia ser feito por vontade da concessionária ou determinação do governo, como investimento adicional.
“As obrigações relacionadas à operação e manutenção do Trecho Sul só se iniciarão após o término dos trâmites regulamentados pelo Regulamento de Transição”, diz a apresentação.
No Espírito Santo, essa ferrovia vai se conectar a um trecho que a Vale pretende construir como extensão da EFVM (Estrada de Ferro Vitória a Minas). Esse trecho estava como opcional para a Vale implementar na renovação da EFVM, assinada em 2020. O indicativo agora é que a empresa aceitou implantar essa extensão dentro do acordo de repactuação dos contratos ferroviários que foi anunciado no fim do ano passado.
O diretor de Relações Institucionais da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), Márcio Fortes, ex-ministro das Cidades, manifestou preocupação sobre o trecho entre São João da Barra e Nova Iguaçu. Favorável à concessão, ele afirmou que a construção em questão está condicionada a um gatilho cujo critério ainda não está claramente definido.
“Diante da relevância desse segmento ferroviário, é essencial que a ANTT estabeleça critérios objetivos e transparentes para o acionamento do gatilho”, disse Fortes, citando como exemplos volume de caga, demanda e prazo para a execução. Para ele, a falta de definição pode limitar a capacidade de escoamento e integração com outros modais e gerar incertezas sobre atratividade da ferrovia no longo prazo.
Claudio Frischtak, da consultoria Inter.B, também pediu clareza sobre um gatilho temporal a respeito das obrigações do concessionário. “Em que momento se torna uma obrigação para o concessionário construir o Trecho Sul?”, perguntou. Frischtak classificou o modelo proposto para a concessão da EF-118 como inovador e sugeriu que a agência estabeleça uma análise de custo-benefício, incorporando um conjunto de fatores incluindo a dimensão sócio-ambiental.
De acordo com a proposta apresentada pela ANTT, que pode ser lida aqui, a EF-118 deverá ser concedida pelo prazo de 50 anos. Trata-se de um projeto greenfield em termos construtivos, com investimentos (capex) de R$ 4,6 bilhões, sendo R$ 3,4 bilhões voltados à construção, com aporte do poder concedente. Em termos operacionais (opex) estão previstos R$ 4,4 bilhões, sendo R$ 3,7 bilhões para custos com pessoal. A modelagem econômico-financeira do projeto não prevê outorgas, nem inicial nem fixa ou variável.
‘Modelo inédito’
Presente à AP, o secretário nacional de Transporte Ferroviário do Ministério dos Transportes, Leonardo Ribeiro, afirmou que a sessão marca o início da discussão de um modelo inédito no setor, com participação responsável fiscalmente da União nos projetos ferroviários. Ele mencionou que a proposta traz compartilhamento de risco por meio de WACC (custo médio ponderado de capital do projeto) de 14,47%, que desconta o fluxo.
“Parte do risco está captada nessa taxa, mas não só isso. Já demos diretrizes para a Infra S.A. para assumir a posição de promover o licenciamento ambiental dessa ferrovia, trazendo para o governo esse risco.”
No entendimento do secretário, a EF-118 é um “laboratório perfeito” para que a malha seja interoperável. Ele afirmou que, dado que a EF-118 precisa da interoperabilidade para ser viável, o governo vai dar uma diretriz à ANTT para promover um dispositivo rigoroso nesse aspecto, dentro do contrato de Vitória a Minas. “Os contratos podem ser melhorados nesse sentido”, avaliou.
O secretário afirmou que a participação da União é a grande novidade do projeto, cujo leilão não terá como objetivo arrecadar outorga, dado que o vencedor do certame será aquele que oferecer o maior deságio na participação da União.
A EF-118 é a mais avançada das seis concessões que o Ministério dos Transportes vem anunciando que serão feitas dentro do chamado Plano Nacional de Ferrovias. As outras cinco ainda estão com estudos em avaliação. A proposta do plano é usar recursos de outorgas de ferrovias concedidas (a serem pagos ou renegociados) para fazer aportes “na cabeça” dessas concessões e evitar que elas sejam deficitárias e se tornem PPPs (Parcerias Público-Privadas).
Das concessões anunciadas, a estimativa é que somente a concessão da Fico/Fiol (Ferrovia de Integração Centro-Oeste/Oeste-Leste) não precise de aportes. Nas outras (EF-118, Transnordestina em Pernambuco, Barcarena-Açailândia, Ferrogrão) há previsão de aportes. No caso do corredor Varginha-Barra Mansa, a estimativa é de uma chamada pública dentro da lei que permite autorizações ferroviárias.
Contas vinculadas
O presidente-executivo da Anut (Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Cargas), Luis Baldez, afirmou que a grande demanda nesse projeto é tipicamente de siderurgia e que, nesse sentido, as empresas associadas à Anut têm restrições a alguns dos conceitos apresentados. “O conceito de exploração da ferrovia associado à infraestrutura é modelo vertical. Preciso que fique claro em que modelo vai ser”, disse, informando que a entidade defende o modelo compartilhado. “Nem 100% aberto nem 100% vertical como é hoje.”
O superintendente de Concessão da Infraestrutura da ANTT, Marcelo Fonseca, afirmou que, apesar de o setor rodoviário ser muito mais intensivo em regulação, a agência tem procurado trazer as boas práticas do setor para os contratos de ferrovias. Um deles é o mecanismo de contas vinculadas, que faz parte do projeto EF-118. Nesse caso, ressalta, diferentemente da outorga, o recurso não é perdido. Ele disse que a agência vai se ater, ainda, a questões como riscos de construção e de insumos.
Sobre a garantia de direitos de passagem, ele defendeu que seja feito um aperfeiçoamento dos mecanismos regulatórios. Fonseca também afirmou que investimentos adicionais serão reequilibráveis pelo poder concedente.
Meio ambiente e bitola
Outro tópico levantado na audiência pelos participantes foi uma proposta de mudança de curta distância no traçado da EF-118, visando à preservação do meio ambiente. O secretário-executivo da AMLD (Associação Mico Leão-Dourado), Luiz Paulo Ferraz, afirmou que a entidade, atuante no interior do estado do Rio, é a favor da implementação da ferrovia, mas quer apresentar alternativa de traçado.
Baldez, da Anut, questionou a necessidade de a bitola ser mista em vez de ser larga. O deputado Júlio Lopes (PP-RJ) também manifestou preocupação com a falta de padronização com as bitolas, citando que a ferrovia da empresa Vale estaria sendo construída em bitola mista. “Discussão de bitola é sempre importante”, disse.
Cronograma
A ANTT realiza mais duas audiências nesta semana sobre o processo. Uma foi realizada na quarta-feira (29), em Vitória (ES), e a outra será nesta sexta-feira (31), no Rio de Janeiro (RJ). O prazo para envio de contribuições por escrito termina em 12 de fevereiro. A expectativa da agência é que, após análise pelo TCU (Tribunal de Contas da União), o edital seja publicado no 4º trimestre deste ano. Pelo cronograma da ANTT, o leilão deve ser realizado no 1º trimestre do ano que vem, e a assinatura do contrato, no 3º trimestre.