Dimmi Amora, da Agência iNFRA
Nesta semana vão se completar três anos do início dos pomposos anúncios feitos pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, capitaneado pelo seu então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, sobre um novo plano para ferrovias que tiraria do papel milhares de quilômetros de novas estradas de ferro com cifras bilionárias de investimentos, batizado de Pro Trilhos.
As medidas começaram com a edição da Medida Provisória 1.065, em 31 de agosto de 2021, que criava o modelo de autorizações ferroviárias. Por ela, empresas poderiam de forma muito simples pedir autorização para construir por sua conta e risco ferrovias em praticamente qualquer lugar e de qualquer tamanho no Brasil.
Semanas depois, numa cerimônia no Palácio do Planalto, foram anunciados os primeiros oito pedidos, que se seguiram de outras solicitações, chegando a 101 pedidos logo após a aprovação de uma lei sobre o tema no fim daquele ano, a Lei 14.273/2021.
Esses já mais de mil dias desde o início do programa indicam que muito pouco do que foi apelidado então de “ferrovias de papel” vai mesmo chegar ao mundo real. Das 45 que conseguiram a autorização (a maioria que pediu desistiu antes mesmo de receber a permissão oficial), nenhuma autorizatária chegou sequer a ter a primeira etapa do licenciamento ambiental (licença prévia). Apenas 24 estão com pedidos em andamento para essa etapa do licenciamento.
Só quatro demonstram até o momento algum avanço com as desapropriações, outra etapa crucial antes das obras, que nenhuma tem sequer a possibilidade de iniciar até o fim do ano. Dessas quatro, apenas uma tem avanço significativo, 38% da extensão desapropriada (as outras têm 1%). Os dados são do painel de monitoramento criado pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) que é a responsável por emitir e fiscalizar as autorizações.
Na época do lançamento, o ministério falava em mais R$ 300 bilhões em investimentos em mais de 25 mil quilômetros de trilhos, o que seria maior que a malha atualmente utilizada no país. Restam, após os três anos, 43 pedidos válidos (dois já desistiram oficialmente) que somam pouco mais de 12 mil quilômetros de estradas de ferro, com estimativa na casa dos R$ 200 bilhões em investimentos. A maioria sem o perfil adequado para implementar um projeto, como mostrou esta reportagem.
Mas as desistências vão aumentar, de acordo com o diretor-geral da ANTT, Rafael Vitale. Em entrevista à Agência iNFRA, ele afirmou que a agência já recebeu novos pedidos de renúncia à outorga e que deve começar a ratificar esses processos em breve. Tanto a lei como a medida provisória previam que a desistência dos pedidos não tivesse qualquer punição, como forma de incentivar os pedidos e seguindo o modelo de outros setores de infraestrutura que permitem outorgas por autorização.
Avaliar resultados da política pública
A principal trava colocada na lei determinava que as empresas teriam prazos de três anos para obter as licenças, cinco para iniciar as obras e 10 para concluir, todos eles renováveis a critério da agência. Segundo Vitale, agora são esses os prazos que a agência vai trabalhar para monitorar o cumprimento, e, caso seja identificado que não há ação efetiva para a implantação, as autorizações serão retiradas após o processo específico.
De acordo com o diretor, é necessário que os projetos solicitados “não sejam frustrados”, como forma de seguir um planejamento e dar previsibilidade para o setor. Ele defende ainda que, se for confirmada uma grande mortalidade de projetos, será necessário avaliar se os instrumentos da legislação estão adequados para esse tipo de empreendimento, que ele lembra demandar elevado nível de capital e alta complexidade para implantação.
Vitale afirma ainda que, por serem projetos totalmente privados, o Estado tem uma distância deles, o que pode ser um dos motivos para que não avancem e será necessário refletir se o setor privado tem a capacidade de seguir sozinho com esse tipo de empreendimento. Desde o início, essa foi um dos principais argumentos dos críticos ao modelo, como mostrou esta reportagem de 2021.
Demora em análise de vetos
Outro tema que para ele também pode ter colaborado para que grande parte dos projetos não andasse foi a indefinição por quase dois anos dos vetos que o governo apresentou à lei aprovada em 2021, especialmente o referente à criação de uma área de influência das atuais concessionárias.
Ferrovias autorizadas que fossem implantadas nessa área dariam às concessionárias uma preferência por construir o mesmo trecho. Auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre o tema indicou problemas com essa demora (reportagem neste link).
A ANTT agora está trabalhando numa resolução para definir o que será essa área de influência, e, na audiência pública realizada para colher contribuições sobre a proposta, houve críticas tanto das atuais concessionárias como de representantes de usuários e investidores sobre a proposta apresentada (reportagem neste link).
Vitale lembra, contudo, que nem todos os projetos estão parados e que alguns dos autorizatários de fato indicam que estão trabalhando para implementar os empreendimentos. Nesse grupo, entram os dois tipos de investidores que, no início das discussões do projeto de autorização ferroviária, pareciam os mais propensos a esse tipo de investimento.
Short lines e matérias primas
Um deles são as chamadas short lines, ou linhas curtas, planejadas para facilitar o acesso por parte de indústrias ou transportadores às atuais linhas concessionadas ou terminais portuários. Segundo o diretor, projetos com essa característica na região de São Paulo estão com os trabalhos mais avançados para a implantação.
A outra são grandes produtores de matérias-primas que tenham característica mais apropriada de ser transportadas por ferrovia (baixo valor e alto volume), que querem implementar seus próprios trilhos. É o caso das empresas de celulose Suzano e Eldorado, que trabalham para construir um novo ramal ferroviários para suas fábricas no Mato Grosso do Sul, como mostrou recente reportagem da Agência iNFRA.
Para o diretor-geral da agência ainda é cedo para concluir que o programa é um fracasso ou um sucesso, mas ele reconhece que os resultados até o momento causam “frustração, pelos investimentos não acontecerem tão rápido como se esperava”. Vitale acredita no entanto que já cabe uma avaliação de política pública para entender os problemas e detectar se será necessário mais tempo, maior presença do estado nos projetos, entre outros requisitos para que saiam do papel.