Diogo Albaneze Gomes Ribeiro*
Entrou em vigor a tão esperada Lei nº 14.133, de 1º de janeiro de 2021 (“Nova Lei de Licitações” ou “Lei 14.133/2021”), que estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
A Nova Lei de Licitações, que revoga a Lei nº 8.666/93, a Lei nº 10.520/2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011, após decorridos 2 (dois) anos da sua publicação, já nasce carrega de críticas por parte da comunidade jurídica, que esperava, com razão, maiores inovações ou, ao menos, a redução da burocracia e do formalismo excessivos da Lei 8.666/93 – o que, efetivamente, não ocorreu.
Em que pesem as críticas, em boa parte pertinentes, não há como negar que a Lei 14.133/2021 possui virtudes.
Além de reduzir, ainda que minimamente, o emaranhado de leis de contratações públicas (o que já é digno de nota), a Nova Lei, na ideia de trazer maior segurança jurídica, procurou: (i) encampar entendimentos jurisprudenciais relacionados a licitações e contratações públicas1; e (ii) encerrar discussão antiga relacionada à extensão da penalidade de impedimento de licitar e contratar com a Administração Pública – ou seja, se tal penalidade se restringiria apenas ao ente aplicador da sanção (entendimento até então adotado pelo Tribunal de Contas da União2) ou a toda Administração Pública (entendimento do Superior Tribunal de Justiça3).4
O presente artigo, contudo, não tem a pretensão de trazer todas as alterações (e nem mesmo as principais alterações) da Nova Lei de Licitações – o que demandaria, evidentemente, um estudo muito mais aprofundado e extenso da Lei.
Destacaremos, por ora, alguns apontamentos em relação às nulidades contratuais e à previsão expressa (no âmbito da Nova Lei de Licitações) de premissas importantes acerca do contraditório e da ampla defesa, sobretudo relacionadas ao direito de produção de provas nos processos sancionatórios.
No que tange ao instituto das nulidades contratuais, chama atenção a possibilidade de saneamento de falhas, sempre buscando meios de viabilizar a continuidade da execução dos contratos. Com isso e desde que exista justificativas para tanto, viabilizou-se uma alternativa para se evitar a suspensão da execução ou a nulidade dos contratos.
Pela Lei 14.133/2021, a avaliação da adequação da suspensão ou nulidade de contratos deverá perpassar, necessariamente, por uma avaliação de aspectos sociais e econômico-financeiros da contratação – incluindo riscos ambientais decorrentes da paralisação e deterioração de parcelas já executadas, despesas para a manutenção do que já tenha sido executado, fechamento de postos de trabalhos, custo para realização de nova licitação ou celebração de novo contrato, custo de oportunidade do capital durante o período de paralisação, dentre outros.
Não há como negar que a Nova Lei trouxe mais racionalidade aos atos decisórios de paralisação e nulidade de contratos. Até porque, quando o interesse público em questão justificar a continuidade da relação contratual, a solução da irregularidade dar-se-á pelo caminho da indenização por perdas e danos, sem prejuízo da apuração de responsabilidade e da aplicação de penalidades cabíveis (parágrafo único do art. 147).
A eventual continuidade de contratos em que tenham sido identificados atos irregulares (fato esse a ser avaliado no âmbito do devido processo administrativo) não deverá representar qualquer tipo de impunidade aos infratores. Como destacado no art. 147, parágrafo único, da Nova Lei de Licitações, as condutas irregulares continuarão sendo apuradas e punidas. O que se busca evitar é a eventual punição da coletividade, decorrente da privação e/ou postergação de obras e serviços tidos por essenciais e que, de forma justificada em cada caso, não podem ser adiados.
Outro aspecto relevante em relação à Lei 8.666/93 consiste na possibilidade de a Administração Pública, ao declarar a nulidade do contrato, decidir pela sua eficácia em momento posterior, suficiente para efetuar nova contratação, por prazo de até 6 (seis) meses, prorrogável uma única vez.
Trata-se, sem dúvidas, de medidas que tencionam conferir maior racionalidade ao instituto das nulidades contratuais, mas que, ao mesmo tempo, exigirão dos gestores públicos um cuidado adicional na fundamentação de decisões dessa natureza, de modo a se evitar subterfúgios e desvios de finalidade.
Tais previsões não configuram novidades, propriamente ditas, uma vez que decorrem de premissas já traçadas na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – “LINDB” (art. 21, parágrafo único, da LINDB5). No entanto, ainda que as premissas já pudessem ser extraídas da LINDB, não há como negar que, para o gestor público, a sua positivação na Nova Lei de Licitações confere maior conforto e segurança na aplicação da norma – sobretudo para se justificar perante os órgãos de controle.
Ainda na seara das irregularidades e sanções, a Nova Lei de Licitações positivou a figura da reabilitação (art. 163) – que guarda similaridade com o instituto denominado self-cleaning, previsto nos ordenamentos norte-americano e da União Europeia, bem como nas regras de licitação do Banco Mundial6. O seu intuito é que a empresa punida possa se reabilitar caso demonstre ter tomado as medidas de reabilitação impostas pela autoridade que aplicou a penalidade.
Outro aspecto incorporado pela Nova Lei de Licitações se refere à previsão expressa do direito do interessado na produção de provas no âmbito dos processos sancionatórios7. Essa previsão não representa, evidentemente, nenhuma inovação, uma vez que o contraditório e a ampla defesa (que pressupõe o direito de produzir provas pertinentes) decorrem tanto da Constituição Federal quanto das leis de processo aplicáveis.
No entanto, a experiência mostra que muito raramente o direito de produzir provas é respeitado em processos sancionatórios dessa natureza. Quem sabe com essa previsão expressa (também na Lei de Licitações), as autoridades julgadoras se sintam obrigadas a enfrentar a questão.