iNFRADebate: Acesso ao Porto de Santos – as decisões presentes que afetarão o futuro do país

Luis Claudio Santana Montenegro*

Um dos meus grandes mestres, o professor Nilson Holanda, costumava dizer que planejamento não trata de futuras decisões, mas, em sentido contrário, o planejamento se refere a decisões presentes ou atuais que têm repercussões sobre o futuro.

Um dos maiores exportadores mundiais de alimentos, o Brasil tem corredores logísticos estratégicos já estruturados e outros em estruturação. Em todos os casos, cada vez mais fica patente a importância essencial de que a infraestrutura portuária deve ser discutida de forma sistêmica e integrada com a infraestrutura ferroviária.

O olhar para a crescente demanda, fortemente impulsionada por recordes seguidos de produção de granéis agrícolas, nos indica claramente que todos os corredores do país estarão demandados de forma crescente em altos patamares. Assim, não é possível mais adiar a atuação integrada no planejamento da infraestrutura logística.

No caso do complexo portuário de Santos, que movimentou nada menos que 146,5 milhões de toneladas de cargas em 2020 – o que indica um crescimento de 9,3% em relação a 2019 – a chamada “last mile” ferroviária também é um gargalo histórico.

Como diretor de Planejamento do Porto de Santos, no momento em que tomávamos ações para organizar o acesso rodoviário e evitar a formação de filas gigantescas de caminhões, pude perceber empiricamente a importância de que também o acesso ferroviário estivesse organizado, o que certamente simplificaria muito o desafio rodoviário.

E essa é a boa notícia. De acordo com a SPA (Santos Port Authority), a participação ferroviária vem aumentando progressivamente, impulsionada por investimentos e melhorias operacionais para escoar cada vez mais cargas. A expectativa mais atual é que a movimentação de cargas no porto atinja rapidamente patamares anuais de 90 milhões de toneladas pela modalidade ferroviária.

Nesse cenário, tudo que envolve investimentos ferroviários se reveste de uma importância crucial. Qualquer gargalo pode ter efeitos danosos para a economia nacional. E por isso que o tema merece atenção redobrada.

No tabuleiro das decisões atuais, uma das questões críticas é a gestão, operação, manutenção e desejável expansão da futura Fips (Ferrovia Interna do Porto de Santos), que irá substituir a atual operadora Portofer. O tema está sob discussão intensa no momento, em face de consulta pública realizada pela SPA.

O entendimento pacífico da comunidade portuária, inclusive das prefeituras locais, é favorável a uma modelagem integrada de todo o acesso ferroviário ao porto, o que inclui a malha interna e a expansão que inclua a chamada “Ferradura de Santos”, linha férrea em formato de “U” que conecta as duas margens do porto às linhas ferroviárias que dão acesso à sua hinterlândia competitiva.

Recentemente, a MRS, atual concessionária da “Ferradura”, indicou movimentação de 48 milhões de toneladas em 2020 nas linhas férreas da Ferradura, e uma ociosidade de 22% no trecho. Dada a estimativa de que os volumes movimentados pelas ferrovias brasileiras devam dobrar até 2024 – objetivo anunciado recentemente pelo Ministério da Infraestrutura –, o que corresponde a uma média de crescimento de cerca de 20% ao ano, a justificativa apresentada pela MRS não sustentaria um ano sequer de aumento de volume – o que por si só já demonstra a extrema urgência de investimentos.

Além disso, é fundamental esclarecer que um determinado índice de ociosidade é saudável, afinal os despachos de cargas têm oscilações sazonais e nenhuma malha pode padecer de saturação, o que compromete qualquer operação em níveis seguros. Ou seja, com o índice de ociosidade apontado, em períodos de safra a malha certamente já está saturada, resultando em filas de trens e longo tempo de vagões e locomotivas parados nas entradas do Porto de Santos. Isso pode ser constatado a olho nu.

A escassez de investimentos propostos na Ferradura fica ainda mais notória se comparados aos esforços feitos dentro do porto. Os aportes no Porto de Santos, entre realizados e previstos nos últimos cinco anos, incluindo as renovações contratuais e novas licitações promovidas pelo Governo Federal, chegam a mais de R$ 1,3 bilhão. A ADM do Brasil realizou investimentos de R$ 349 milhões, enquanto o Terminal Exportador de Santos e o Terminal XXXIX de Santos vêm empreendendo, respectivamente, R$ 400 milhões e R$ 230 milhões. Outros R$ 380 milhões estão no pipeline nos terminais de celulose, a maioria no modal ferroviário.

Somente em 2020, quatro obras foram concluídas no Porto de Santos, significando outros R$ 1 bilhão, inclusive com a construção de uma pera ferroviária na margem esquerda, que expandiu o transporte ferroviário de celulose. 

Há expectativa do governo que novos arrendamentos devem gerar cerca de R$ 5 bilhões em investimentos. 

Também com olhar no futuro, a ociosidade declarada para o acesso ferroviário na Ferradura não sustentaria um ano de crescimento pleno de movimentação, o que demonstra uma forte necessidade de investimentos imediatos. O que chama a atenção é que no caderno de obrigações da MRS não prevê investimentos que são pré-requisitos para viabilizar o pleno atendimento da crescente demanda no Porto de Santos – alguns com necessidade operacional de curtíssimo prazo.

Dentre  esses investimentos de curtíssimo prazo estão: a ampliação do pátio da Ilha Barnabé, a duplicação de todo acesso e também do túnel do Morro das Neves, a duplicação do triângulo do Perequê, a adequação do Aparelho de Transposição de Via da Usiminas, a sinalização de acesso à margem esquerda, a construção de duas linhas para cruzamento no pátio de Areais, a construção do retropátio de Santos/Valongo, a adequação de todas as PNs (Passagens em Nível), e as readequações do aumento de demanda das SBs (Seções de Bloqueio) nas duas margens, todos esses, empreendimentos  já deveriam estar concluídos. 

Um outro ponto de atenção é a operação da margem esquerda. O caderno de investimentos para a prorrogação da concessão da MRS prevê investimento no Pátio de Cruzamento da Prainha somente para 2048, enquanto a necessidade real demanda uma implementação imediata.  Vale lembrar que apenas a Malha Paulista, conforme renovação aprovada pelo Minfra (Ministério da Infraestrutura), tem índice de crescimento estimado em 10% ao ano, e que o Governo Federal pretende licitar em breve a Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste), ferrovia cuja construção será realizada pela Vale e que deve direcionar ainda mais cargas para o porto. Esse panorama requer a antecipação de investimentos, bem como recursos complementares até o fim da concessão.

O novo PDZ (Plano de Desenvolvimento e Zoneamento) do Porto de Santos, aprovado em julho de 2020 pelo Minfra, prevê que a movimentação ferroviária total em Santos saltará para cerca de 86 milhões de toneladas até 2040, uma expansão de 130%.

Esse crescimento não é compatível com um processo decisório que aponte investimentos na Ferradura somente com identificação de ocupação de 90%. Seria criado com esse processo um grande gargalo na ferradura porque não haveria sintonia temporal entre o aumento do volume das cargas que chegarão pelas ferrovias ao Porto de Santos e os investimentos que necessitam ser realizados imediatamente na Ferradura

Cometemos um erro histórico de conceder as malhas ferroviárias de forma segregada, descaracterizando alguns corredores e conectividades que já começam a se ajustar pelas demandas da sociedade ao planejamento de governo.

Um aspecto importante que potencializa esse erro é o fato de não termos previsto a existência de entes cooperativos que pudessem coordenar todas as operações de acesso, já que portos são utilidades de atuação diversificada, e o planejamento e integração das ações é atividade essencial. 

O erro histórico vem sistematicamente resultando em custos e ineficiências que certamente encontrarão solução no encaminhamento em construção pela SPA. Nesse sentido, nada mais legítimo e inadiável que a compreensão de que o planejamento da Ferradura deve estar integrado no modelo de gestão proposto para a Fips.  

É hora de planejar, ou seja: é preciso decidir agora a integração das soluções ferroviárias que criem soluções definitivas, históricas, de forma completa, sistêmica e integrada, para o futuro que se espera da logística nacional.

*Luis Claudio Santana Montenegro é mestre em Engenharia de Transportes pelo IME e especialista em Regulação de Transportes pela UFRJ. Foi presidente do conselho de administração da Companhia Docas do Pará, membro do conselho de administração do Porto de Imbituba e do Porto de Vitória, diretor de Planejamento da Companhia Docas de São Paulo, diretor-presidente da Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo) e assessor parlamentar no Senado Federal. Atualmente, licenciado, atuando como sócio-diretor da empresa Neowise Consultoria, Engenharia e Negócios.
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