Igor Pereira Oliveira*1
O recente Decreto nº 10.991, de 11 de março de 2022, instituiu o PNF (Plano Nacional de Fertilizantes). Dentre metas e ações específicas, o país buscará diminuir a dependência externa quanto ao fornecimento de fertilizantes nitrogenados, fosfáticos e potássicos e aumentar a produção e a oferta de fertilizantes orgânicos e organominerais.
O PNF é decorrente de Grupo de Trabalho Interministerial (GTI-PNF) instituído pelo Decreto nº 10.605, de 22 de janeiro de 2021, presidido pela secretaria especial de assuntos estratégicos da Presidência da República e criado após provocação do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) ainda em maio de 20202.
O debate atrai a gestão de riscos como instrumento de governança pública, de forma similar ao cenário de dependência de produtos essenciais na área de saúde, enfrentado durante a pandemia do Covid-19. Vejamos ponderação do relatório3 do GTI-PNF:
De qualquer forma, a pandemia de Covid-19 demonstrou o risco de se depender fortemente da importação de produtos essenciais para a sustentação de um dos setores mais profícuos da economia nacional. Mais recentemente, esse temor voltou à tona, embora em menor escala, ao se discutir a imposição de sanções econômicas à Bielorrússia, um dos principais fornecedores de fertilizantes potássicos para o Brasil. Por outro lado, a China e, recentemente, a Rússia, limitaram as exportações de fertilizantes em 2021/22, com o objetivo de garantirem o abastecimento local desses insumos e a manutenção de preços ao produtor rural interno para, com isso, proteger as suas economias contra a falta de matéria-prima para produção de fertilizantes, garantindo a segurança alimentar e evitando a elevação dos preços dos alimentos. Essas medidas afetam a safra 2021/22 e ameaçam as safras seguintes de alimentos no Brasil. (grifos acrescidos)
Dessa perspectiva, vale observar que o TCU (Tribunal de Contas da União) tem incentivado o governo federal a disseminar a metodologia de gestão de riscos nos órgãos do Poder Executivo e fortalecer a governança nas organizações públicas de todas as esferas, com vistas ao desenvolvimento nacional – Acórdãos 2.467/2013 e 1.273/2015, ambos do Plenário.
Em sintonia com os incentivos do controle externo, foi emitida a Instrução Normativa Conjunta MP/CGU nº 1/2016, em que se valorizou, no âmbito do Poder Executivo federal, o mapeamento das vulnerabilidades que impactam os objetivos, de forma que sejam adequadamente identificados os riscos a serem geridos.
Na mesma linha, o Decreto 9.203, de 22 de novembro de 2017, que dispôs sobre a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional:
gestão de riscos – processo de natureza permanente, estabelecido, direcionado e monitorado pela alta administração, que contempla as atividades de identificar, avaliar e gerenciar potenciais eventos que possam afetar a organização, destinado a fornecer segurança razoável quanto à realização de seus objetivos
Contudo, conforme levantamento do TCU realizado em 2021 sobre a governança organizacional e gestão públicas, “a gestão de riscos ainda se mostra frágil em mais da metade das organizações respondentes” (51%, coluna 2110, capacidade da organização de gerir riscos)4:
Por outro lado, o índice 2110 sobre o Mapa saiu de um patamar inexpressivo em 2017 para uma classificação intermediária em 20215, o que sinaliza uma sensível melhora na prática “gerir riscos” daquele ministério.
Em relação à dependência externa de fertilizantes, o governo federal, em relatório6 de grupo de trabalho emitido em setembro de 2008, já havia sinalizado a necessidade de indução de esforços públicos e privados para diminuir a dependência externa supracitada:
Atualmente é grande a dependência externa que o país apresenta com relação aos macronutrientes Nitrogênio / P (fósforo) / K (potássio), da ordem de 60, 40 e 90%, respectivamente. Apesar disso, não se vislumbra no momento a possibilidade de um “apagão” de fertilizantes (inacessibilidade à importação), o que acarretaria a queda brusca da produtividade agrícola nacional e uma barreira ao plano brasileiro de se tornar uma potência agroenergética. Porém, por motivos estratégicos, o governo deve induzir esforços públicos e privados para diminuir a dependência externa para os três macronutrientes, a partir de metas definidas. (grifos acrescidos)
Na verdade, o risco é medido em termos de impacto e de probabilidade. Eventos podem ter uma baixa probabilidade de ocorrer, o que sinaliza, de uma visão superficial, um nível de risco dentro do apetite a risco da organização. Contudo, ao observar o mesmo evento da perspectiva de impactode sua ocorrência, o nível de risco pode estar muito além do apetite a risco.
E mesmo com baixa probabilidade de ocorrência de um conflito entre países exportadores de fertilizantes, o impacto desse evento no Brasil deveria atrair, necessariamente, um adequado e tempestivo tratamento para minimizar o risco de desabastecimento de fertilizantes nitrogenados, fosfáticos e potássicos, ainda mais em um contexto de mapeamento desta vulnerabilidade desde 2008.