Ana Cândida de Mello Carvalho*
Os impactos da pandemia na economia mundial e brasileira são superlativos: o PIB mundial terá maior contração desde o pós-Segunda Guerra; a população mundial enfrentará uma das quatro piores recessões dos últimos 150 anos, comparável apenas à grande depressão americana e às crises dos períodos pós-guerra; no Brasil, prevê-se a recessão mais profunda dos últimos 120 anos1.
Em contraste com esses dados, o Brasil pré-pandemia demandava investimentos de 3% do PIB ao ano em média (alguns setores mais, outros menos) para repor a depreciação do seu estoque de infraestrutura, sendo que há décadas os investimentos efetivamente realizados são insuficientes até mesmo para essa reposição.
O efeito multiplicador dos investimentos em infraestrutura na economia e na produtividade é indiscutível e, assim, a busca da retomada do crescimento econômico passa, sem dúvida, por fomentar a ampliação desses investimentos. Dados do Banco Mundial indicam que “um crescimento permanente do investimento equivalente a 1% do PIB levaria a um crescimento da economia brasileira de 1,5% a 3% após uma década e de 4% a 8% após 30 anos. O mesmo aumento do investimento em infraestrutura impulsionaria taxas potenciais de crescimento da produção em torno de 0,17% a 0,28%”2.
Como a situação fiscal do Brasil já era deficitária antes da pandemia, as parcerias entre governo e iniciativa privada para a viabilização dos investimentos em infraestrutura são, nesse momento, mais necessárias do que nunca.
Atrair investimentos em um momento tão crítico quanto o atual depende de, entre outros fatores, uma sinalização do governo de que dará tratamento adequado aos contratos em andamento e afetados pelos efeitos da pandemia.
Em alguns setores de infraestrutura, os impactos da pandemia da Covid-19 foram imediatos e profundos, a exemplo da queda vertiginosa da demanda pela infraestrutura de transportes em razão do fechamento das fronteiras e a determinação de isolamento social. Nesse sentido, o parecer emitido pela Advocacia-Geral da União em junho de 2020 reconhecendo a pandemia como evento de força maior para fins de reequilíbrio econômico-financeiro3 dos contratos de concessão existentes representou um sinal positivo. Os efetivos resultados dos reequilíbrios contratuais devem vir à tona em breve e complementarão.
Outro legado desse período são as discussões sobre a adequação dos termos e condições contratuais, matrizes de riscos mais equilibradas, e melhorias de marcos legais e regulatórios que possam trazer maior segurança jurídica para os investimentos. Algumas reformas de marcos legais setoriais foram aprovadas, a exemplo de saneamento básico e gás, enquanto outras ainda estão em discussão e podem ser cruciais para impulsionar investimentos: debêntures, licitações e contratos públicos, lei geral de concessões, entre outras.
No que diz respeito a projetos futuros, a SPPI (Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos), criada em 20164, estabeleceu uma melhor governança para projetos e tem trabalhado para a formação de um pipeline, propiciando uma visão de mais longo prazo aos investidores. As ações da SPPI envolvem, ainda: prospecção de projetos para inclusão no pipeline; participação técnica na estruturação dos projetos, inclusive modelagem regulatória; análise e aprimoramento de editais e contratos, consolidando melhores práticas; promoção do diálogo com o setor privado; acompanhamento da execução dos projetos; aprimoramento de arcabouço legal e regulatório setorial, quando necessário; articulação institucional entre atores governamentais e privados5.
Tem havido um grande esforço dos diversos atores envolvidos (ministérios, SPPI, agências reguladoras, Tribunal de Contas da União e iniciativa privada) para manter o pipeline de projetos em andamento e para que os impactos da pandemia na previsão de oferta desses projetos ao mercado sejam minimizados.
Na lista de projetos estão concessões de serviços de transporte (aeroportos, portos, rodovias e ferrovias), energia (transmissão e comercialização de energia nova e existente), telecomunicações (5G), parques e florestas, óleo e gás, mineração. Há, ainda, projetos de desestatização (ABGF, Emgea, Correios, Telebrás, Dataprev, Nuclep, Casa da Moeda, Codesa, Codesp, Porto de Itajaí, CBTU e Trensurb, Ceagesp e Ceasa Minas, entre outros) e projetos que contam com apoio federal a estados ou municípios, a exemplo da linha 2 do metrô de Belo Horizonte.
A alimentação desse pipeline conta com o apoio dos bancos de desenvolvimento, especialmente BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e da Caixa Econômica Federal, que contratam consultores para estruturar os projetos. O apoio dos bancos multilaterais também tem sido uma ferramenta relevante para garantir estruturações adequadas.
A retomada de crescimento econômico passa necessariamente pelos investimentos em infraestrutura, pelo seu efeito multiplicador na economia e no aumento da produtividade. E a capacidade de atração da participação privada nesses investimentos dependerá, como acima indicado, de fatores como: o gerenciamento dos impactos da pandemia nos contratos em vigor; a garantia de continuidade do pipeline de novos projetos; a implementação das reformas de marcos legais recentemente aprovadas; e, ainda, da estruturação adequada dos futuros projetos.