Paula Padilha Cabral* e Isabelly Douglas Calil**
A nova Lei de Licitações (14.133/2021) entrou em vigor em 1º de abril de 2021. Contudo, o legislador previu que a nova legislação conviverá por dois anos com as leis que compõem o regime antigo, criando o período de transição. Dessa forma, a nova lei deu à Administração a possibilidade de escolher qual regime quer aplicar para a licitação, o que permite ao órgão realizar estudos necessários sobre o novo regime, adaptando os seus processos internos e qualificando os seus servidores.
A lei também alterou o Código Penal introduzindo os artigos 337-E a 337-O, reproduzindo crimes já previstos na antiga Lei de Licitações (8.666/1993) e acrescentando novas condutas. Os dispositivos penais da nova lei já estão valendo e se aplicam às novas condutas criminais.
No tocante à transparência dos processos licitatórios, foi criado o PNCP (Portal Nacional de Contratações Públicas), conforme previsto no artigo 174 da nova Lei de Licitações, o qual visa a divulgação de todas as licitações realizadas pela Administração Pública. Assim há maior publicidade nas contratações públicas. Já com relação à competitividade, a lei inovou ao criar a modalidade “diálogo competitivo” para situações de objeto contratual complexo a ser licitado. A Administração Pública, objetivando atender à necessidade pública, pode utilizar a colaboração do mercado privado para o desenvolvimento de alternativas e soluções às suas necessidades de contratação.
Dentre os pontos positivos, ressalta-se o uso do meio eletrônico em todas as contratações, tornando o procedimento mais ágil, transparente e competitivo. Também é importante citar as possibilidades de disputa: a aberta, em que os lances são públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes; a fechada, em que as propostas permanecerão em sigilo até a data e hora designadas para sua divulgação; a aberta/fechada, em que se começa de forma aberta para depois os melhores lances prosseguirem para uma disputa fechada; e a fechada/aberta, em que os lances são feitos de forma fechada, e em seguida as melhores propostas seguem para uma disputa aberta.
Outro ponto favorável é o credenciamento, ou seja, o cadastro permanente dos fornecedores interessados em uma demanda específica. Assim, quando necessário, haverá a contratação direta dos interessados já credenciados.
O artigo 154 da nova Lei de Licitações traz meios alternativos de resolução de conflitos como a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas (dispute boards) e a arbitragem. Os artigos 151, parágrafo único, 152 e 154, enfrentam três temas referentes à arbitragem como, por exemplo: a questão da arbitrabilidade objetiva e dos direitos disponíveis; o princípio da publicidade vinculado ao procedimento arbitral; e a necessidade de que a arbitragem seja de direito.
É importante destacar as alterações nas modalidades licitatórias e nos procedimentos de controle. São elas: i. fusões e aquisições ou de administradores não sócios, as sanções pretéritas podem influenciar e atingir o interesse das empresas (arts. 14, § 1º, e 160); ii. é exigível a apresentação do balanço patrimonial, a demonstração de resultado de exercício e as demais demonstrações contábeis dos dois últimos exercícios sociais (art. 69, inciso I); iii. deve-se apresentar a documentação sobre a qualificação técnico-profissional e técnico-operacional, e, sendo necessário, os atestados de potenciais subcontratados (art. 67, § 9º); iv. a criação do cadastro único de fornecedor e averiguação do histórico (art. 87); v. o estabelecimento nos editais de contratos com prazos, para garantir a razoável duração do processo e a segurança jurídica; vi. a extinção do contrato após dois meses de atraso de pagamento pela Administração Pública (art. 137, 2º, inciso IV); vii. a Administração deve seguir uma ordem cronológica para cada fonte diferenciada de recursos; viii. a permissão do pagamento de parcela incontroversa de fatura (art. 143); ix. a possibilidade de preservar os atos administrativos e reverter falhas sanáveis, evitando a nulidade e inviabilização das licitações e contratos (arts 71 e 147); e x. a prioridade na tramitação de processos judiciais, para evitar prejuízos decorrentes de demora judicial (art. 177).
Com relação ao setor de energia, a nova Lei de Licitações trouxe mudanças nas regras de contratação pelo Poder Público de concessionárias para fornecimento ou suprimento de energia elétrica. Por exemplo, no artigo 75 foi retirada do rol a dispensa de licitação para contratação de fornecimento de energia elétrica com as concessionárias. No caput do referido artigo consta ser inexigível a licitação quando inviável a competição, ou seja, quando não há pluralidade de fornecedores para executar o serviço. Dessa forma, há inexigibilidade de licitação por ausência de alternativas de contratação, que se insere às contratações de concessionárias para fornecimento de energia elétrica, dado que são os únicos fornecedores para municípios menores.
No tocante ao setor de infraestrutura, um dos principais problemas verificados é no grande volume de obras públicas inacabadas. Por essa razão, a nova Lei de Licitações menciona no artigo 6, inciso LIV, seguro-garantia, em que o seguro garante o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo contratado. Isto é, a norma busca corrigir a paralisação e deterioração de obras. No artigo 99, a nova lei dispõe que nas contratações de obras e serviços de engenharia de grande vulto, poderá ser exigida a prestação de garantia, na modalidade seguro-garantia, no montante de até 30% do valor do contrato.
A lei trouxe, ainda, um novo regramento sobre a definição, sistematização e inversão da permissão nos editais para consórcios nas licitações. Dentre as inovações, cabe destacar: (i) a indicação da empresa líder do consórcio que o representará perante a Administração Pública (art. 15, inc. II); (ii) a necessidade da admissão do somatório dos valores de cada consorciado, para a qualificação econômico-financeira (art. 15, inc. III); (iii) a previsão no edital do acréscimo de 10% a 30%, sobre o valor exigido de licitante individual, como avaliação econômico-financeira (art. 15, parágrafo primeiro); (iv) a previsão no edital do limite máximo de empresas consorciadas, nos casos em que há uma justificativa técnica aprovada pela autoridade competente (art. 15, parágrafo quarto); e (v) a possibilidade da substituição do consorciado, mesmo sem o crivo da licitação, desde que haja a autorização expressa do órgão ou entidade contratante, e comprovado que a nova empresa possua os mesmos quantitativos e valores da substituída (art. 15, parágrafo quinto).
Há uma novidade na lei ao permitir que estrangeiros participem nas licitações nacionais. Mas, para aquelas que não tem funcionamento no país, é indispensável a apresentação dos documentos equivalentes, de regulamento federal (art. 70, parágrafo único). Além disso, a fim de ter uma boa governança, o art. 11 dispõe sobre os objetivos do processo licitatório. São eles: I – assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto; II – assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição; III – evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos; e IV – incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável. Deste modo, a primeira menção no corpo da lei sobre a governança está no parágrafo único do art. 11, de forma que incumbe à alta administração do órgão ou entidade a responsabilidade da governança das contratações e dever de implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no art. 11, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações.
Esses fatores somados ensejam na liderança, estratégia e controle para avaliação, direcionamento e monitoramento dos processos licitatórios.