iNFRADebate: O futuro das ferrovias no próximo governo

José Manoel Ferreira Gonçalves* 

O país acompanha com muito interesse o trabalho da equipe de transição que prepara o terreno para o início da gestão Lula, em 2023. Uma das sinalizações vindas de Brasília aponta para uma análise mais criteriosa das privatizações em curso, como a do porto de Santos, que o governo Bolsonaro se apressa em concretizar, no apagar das luzes. 

Outros setores da infraestrutura também devem entrar em pauta. É o caso das ferrovias, que, nos próximos anos, terão a chance de verem corrigidas a rota do nefasto modelo de autorizações, estabelecido desde o governo Temer, e que ainda hoje se constitui no padrão de atuação governamental para o setor ferroviário. 

Uma consistente política de desenvolvimento ferroviário no Brasil precisa: atender de forma soberana a dinâmicos setores ligados ao mercado global, tais como o agronegócio e a indústria; deve ainda ser promotora da integração nacional a partir do transporte de passageiros; necessita de incentivo para cumprir o papel ambiental que já desempenha em outros países, reduzindo o uso de combustíveis fósseis; e, finalmente, precisa ser indutora da produção local de máquinas e da expansão de projetos e obras de grande vulto. 

As autorizações ferroviárias imitam o modelo fracassado do final do século XIX e início do século XX, quando a atuação nessa seara era totalmente subordinada aos interesses estrangeiros. Aquele modelo resultou na falência total do setor após a crise de 1929, forçando o governo a encampar todas as ferrovias, como de fato o fez posteriormente, por meio da RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.). 

Com o relativo insucesso da experiência da RFFSA, surgiu ao longo dos anos 1990 o modelo das concessões ferroviárias, que igualmente não satisfaz aos anseios de uma nação com vasto território e enormes demandas de transporte de carga e passageiros. 

As concessões ferroviárias são alternativas esgotadas e desconectadas de qualquer projeto nacional de desenvolvimento e integração a partir dos trilhos. Tais concessões, concentradas nas mãos de dois grupos empresariais, nunca puderam garantir a expansão das redes. Ao contrário, houve contração e extinção de trechos ferroviários concedidos, com anuência da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), a partir de contratos em que o concessionário é proprietário de toda a infraestrutura.

Em nossa opinião, o modelo a ser resgatado é o desenvolvido durante o governo Dilma, que valorizou as chamadas ferrovias “open access”. O conceito gerou inclusive frutíferos debates com as empresas que operam como concessionárias. 

As ferrovias de acesso horizontal permitiriam o surgimento de operadores independentes, que utilizariam trens sobre ferrovias concedidas a particulares ou ferrovias públicas, inovando com a distinção entre a propriedade da empresa transportadora e a propriedade da infraestrutura. 

Esse modelo chegou a ser proposto para a operação da Ferrovia Norte-Sul, mas foi indevidamente abandonado, em razão de pressões que forçaram o retrocesso num saudável avanço em direção ao padrão open access. Restou a continuação do modelo de concessão tradicional, como o aplicado na própria Norte-Sul, o que apenas reforçou monopólios atuais, inclusive se estendendo o domínio de uma única empresa para outro importante trecho ferroviário, a Malha Paulista, inibindo o acesso dinâmico a essa grande infraestrutura.

É necessário também pensar na ampliação de organismos de participação social no setor, por meio da criação de conselhos, hoje praticamente paralisados, em virtude da total inércia do governo em instituir órgãos externos de fiscalização das concessões ferroviárias, a serem formados de forma democrática por usuários e representantes da sociedade civil.

O novo governo ainda nem começou, mas tem a chance de encaminhar mudanças que finalmente coloquem nossas ferrovias nos trilhos. 

*José Manoel Ferreira Gonçalves é presidente da FerroFrente, Frente Nacional pela Volta das Ferrovias. Engenheiro e escritor, autor de várias obras sobre ferrovias. É pós-doutor em sustentabilidade e transportes pela Universidade de Lisboa.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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