Licença para Ferrogrão precisa redefinir área de influência e ser dada antes da licitação, defende ONG

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

O licenciamento ambiental para a construção da Ferrogrão, ferrovia que liga o Mato Grosso ao Pará, precisa rever a área de influência que será analisada no processo, e ele não pode ser dado somente depois que a licitação para o projeto já estiver concluída.

É o que defende Juliano Assunção, diretor-executivo do CPI/PUC-RJ (Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), associação que vem se especializando em análise de projetos de infraestrutura para a região amazônica, que é por onde a ferrovia vai passar.

Em entrevista à Agência iNFRA, Juliano, que também é diretor do Departamento de Economia da PUC-Rio, alerta que a construção da ferrovia terá impactos em áreas muito mais distantes do que o raio a ser definido próximo ao local da obra. E que, licitar a implementação sem a licença gera incentivos concorrenciais ruins e resulta em avaliações socioambientais que podem gerar impactos danosos para a sociedade local.

“A discussão de impacto socioambiental não está conectada à análise de factibilidade dos projetos. Em alguns casos, como os riscos ambientais e sociais exigem medidas importantes, pode ter situação em que esses riscos inviabilizam o projeto, sob o ponto de vista social. Mas, às vezes, isso chega de forma muito tardia, quando está determinado que o projeto vai adiante”, explicou Juliano, lembrando que esse é um problema que afeta todos os projetos de infraestrutura na região, como avaliado no estudo neste link.

Segundo ele, o cenário de projetos feitos quando a licença sai depois da licitação é “horrível” e causa um problema de seleção de empresas.
  
“As empresas que se preocupam com a sua reputação, diante de uma indefinição e riscos, pensando numa área sensível como a Amazônia, podem optar por ficar de fora, se o risco ambiental não está bem equacionado, se há incerteza enorme”, disse Juliano. “Talvez não sejam as melhores as empresas que vão querer participar.”

Área de influência
Em relação à área de influência do projeto, o diretor do CPI/PUC-RJ indica que a avaliação ser feita apenas com impactos potenciais próximos à obra, como tem sido o padrão de análise dos órgãos ambientais, não é suficiente para dimensionar todo o impacto da implantação dos projetos, especialmente no caso da Ferrogrão.

Isso porque, segundo ele, um dos impactos estimados na construção da Ferrogrão é a redução do custo de transporte de mercadorias, especialmente de granéis vegetais. E a redução de custos logísticos gera, de acordo com ele, ampliação da área plantada e, consequentemente, possíveis aumentos de área desmatada. 

“Substituir caminhão por trem é ótimo para reduzir emissão. Mas a emissão é pequena para a remissão do desmatamento potencial induzido pela redução de custos da Ferrogrão. A questão relevante, mais que o traçado da ferrovia, é o impacto da Ferrogrão sobre a estrutura de custo de transporte e o incentivo para expandir o desmate. É um efeito importante, que muitas vezes é deixado de lado”, explicou Juliano.

Impacto no desmatamento
Uma avaliação feita pelo CPI mostra que esse custo pode ser significativo (link aqui). Para remanescentes florestais no norte do Mato Grosso, o potencial impacto de desmatamento pela construção da Ferrogrão produziria dois mil quilômetros quadrados de desmatamento induzido. 

“Se considerar um preço de US$ 25 a tonelada de carbono, a gente chegaria a um impacto potencial de US$ 1,9 bilhão”, informou Juliano, lembrando que o projeto já tem viabilidade econômica contestada, citando estudos do economista Cláudio Frischtak sobre o tema.

Esse impacto fora da área de influência comum precisa ser incorporado na análise de custo-benefício para que, na licitação, seja prevista uma série de medidas que impeçam esse potencial desmatamento de acontecer. Para ele, será preciso definir quem ficaria a cargo dessas medidas para se chegar à conclusão sobre se o Estado tem a capacidade de adotá-las.

“Ou chegar à conclusão de que a capacidade do Estado de lidar com esse tipo de questão é relativamente limitada e que isso de fato vai gerar um custo dessa magnitude. E aí, será que o benefício gerado pela Ferrogrão compensa isso?”, questiona.   

Estrutura de governança
Juliano defendeu que é necessário pensar numa estrutura de governança que possa incorporar na análise das obras de infraestrutura e logística na região. No caso da Ferrogrão, ele julga a obra como necessária em termos de ganho de produtividade para as áreas já desmatadas. Mas isso precisa ser analisado “vis a vis potenciais impactos no desmatamento”. 

“Como a gente cria dispositivos para tirar o melhor proveito dos benefícios e mitigar os custos e abortar projetos que tenham custos relevantes? O que não se pode fazer é ignorar a existência dessas questões e deixar tudo para ser tratado quando a obra está em curso. Isso gera toda sorte de distúrbios. Belo Monte foi o exemplo clássico”, defendeu o diretor.

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