A Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais e Consumidores Livres de Energia) defende que o MME (Ministério de Minas e Energia) não descarte a possibilidade de nova licitação para a concessão de outorgas de distribuição de energia, em vez da prorrogação dos contratos atuais por mais 30 anos. A sugestão está em contribuição encaminhada à CP (Consulta Pública) 152, que foi prorrogada até meio-dia desta quarta-feira (26).
“Na visão da Abrace, não necessariamente o caminho da licitação [como ponto] de partida é o mais adequado, só que o que a gente percebeu da nota técnica do ministério é que essa possibilidade foi praticamente abandonada”, disse Victor iOcca, diretor de Energia Elétrica da associação, à Agência iNFRA.
No entendimento da Abrace, a Nota Técnica 14/2023 do MME, que orientou a coleta de subsídios, considera que “as desvantagens atribuídas à licitação, especialmente as possíveis dificuldades na transição entre os concessionários, são consideradas mais importantes do que as vantagens”.
O diretor aponta que a problemática enfrentada nas últimas licitações se deram por “um período conturbado de transição”. “Grande parte das dificuldades vivenciadas neste processo estão relacionadas ao período de prestação de serviço público anterior à assunção dos novos concessionários, em que foram necessárias diversas flexibilizações de regras regulatórias”, diz o documento enviado ao ministério.
“Transparência a eventual excedente econômico”
Segundo a entidade, a licitação seria a melhor forma de identificar e dar transparência a um eventual excedente econômico das distribuidoras identificado pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). “O processo de licitação tem como ser feito, principalmente para aquelas concessões que tenham um prazo maior a vencer. O Executivo teria condições de preparar todo o arcabouço, o cronograma e o planejamento pra eventualmente realizar licitação de algumas concessões que sejam mais interessantes do ponto de vista do consumidor”, afirmou iOcca.
Caso o poder concedente opte pela prorrogação, a Abrace aponta para a necessidade de que a ANEEL realinhe as tarifas das concessões de distribuição “não apenas daquelas que estão perto do prazo final, mas também das demais, de forma a compartilhar com todos os consumidores os excedentes verificados de forma imediata”.
Governo do RJ
A hipótese de nova licitação das concessões de distribuição também foi levantada em contribuição feita pelo governo estadual do Rio de Janeiro para as duas concessões no estado: a Light e a Enel Rio, bem como para o Amazonas, que enfrenta situação semelhante.
Para o governo do RJ, há uma ineficiência por parte das empresas que atuam nas concessões locais, daí a necessidade de um novo concessionário, mesmo que o documento reconheça a existência de problemas regionais a respeito de perdas não técnicas (fraudes).
Perdas não técnicas
Para as questões apontadas nas contribuições gerais acerca das perdas de energia, Donato da Silva Filho, sócio da consultoria Volt Robotics, pondera que a troca de composição da energia das distribuidoras para inclusão de fontes mais eficientes poderia reduzir o custo do furto, por exemplo.
“Tem muita iniciativa que ainda dá para usar, muita criatividade, para conseguir superar essa questão do furto, do que simplesmente repassar o custo para os consumidores”, afirmou o especialista à Agência iNFRA. Silva Filho aponta exemplos de “comunidades de energia”, assunto já abordados em outros países para combater os gatos.
“Imagina uma comunidade onde tem muita perda. Se a gente pudesse isolar eletricamente essa comunidade e tratá-la como sendo um único consumidor e pudesse usar tecnologia ali para medir cada consumidor individualmente e esse consumidor pudesse ser caracterizado como um consumidor livre. A gente poderia comprar energia eólica e energia solar para atender a comunidade”, exemplifica ele com fontes de menor custo. “Hoje, a distribuidora compra a energia de Itaipu em dólar, ela compra energia de termelétrica, ela compra várias [fontes de] energia aí que são ineficientes.”
Donato da Silva Filho ainda mencionou que a preocupação com a mudança de destino das chamadas “outras receitas” para custear as contrapartidas sociais é válida, como apontada em algumas manifestações na CP, visto que pode acarretar em aumento da conta de energia. “Hoje, elas servem para reduzir a tarifa”, pondera.
Incentivos de eficiência e inovação
Para Filho, o grande desafio é apresentar um novo contrato que dê incentivos para eficiência do serviço das distribuidoras e também que façam as empresas assumirem o compromisso com a inovação tecnológica do sistema.
“Por exemplo, toda madrugada a rede elétrica fica ociosa e as usinas ficam ociosas. Se as distribuidoras estivessem incentivadas, por exemplo, a ofertar energia mais barata para veículos elétricos à noite, a gente poderia estar reduzindo o custo de mobilidade, a gente poderia estar reduzindo a poluição das cidades e a gente poderia estar melhorando o uso da rede. Com mais gente usando a mesma rede, reduziria a tarifa de todo mundo”, pondera.