Marisa Wanzeller, da Agência iNFRA
O CEO da transmissora ISA Energia, Rui Chammas, avalia que as mudanças climáticas irão trazer desafios inéditos para o setor elétrico brasileiro. Em entrevista à Agência iNFRA, o executivo disse que, ao longo dos próximos anos, os ativos de transmissão podem ficar vulneráveis em função dos eventos climáticos mais severos.
“A gente imagina ventos mais fortes do que aqueles para os quais algumas linhas foram dimensionadas. O que a gente vai fazer com esta informação?”, questiona o executivo. “A primeira discussão que eu acho fundamental é entender dois conceitos: safe to fail ou fail to safe. Ou seja, reforça essa linha ou se prepara para reparos rápidos, a exemplo do que ocorre no exterior”.
Chammas também analisa a mudança do perfil do consumidor de energia, que agora também é gerador, com painéis solares, e os desafios que o curtailment (cortes de geração obrigatórios) impõem ao setor.
Com uma carteira de R$ 13 bilhões em investimentos já planejados para os próximos cinco anos, a empresa também está atenta a novas oportunidades, como leilões de baterias. Leia abaixo os principais pontos da entrevista.
Agência iNFRA – Como você avalia hoje o segmento de transmissão no Brasil?
Rui Chammas – A transmissão é talvez o segmento com a regulação mais madura do setor elétrico. É o negócio onde a ISA Energia nasceu e navega bem. Mas os últimos anos trouxeram desafios técnicos inéditos com o avanço da transição energética, e a transmissão passou a ser fundamental nessa evolução.
Nós saímos de uma época em que a geração do Brasil era extremamente estável e o consumidor era extremamente passivo e, nesse ambiente, a nossa transmissão tinha um papel passivo. De 2018 para cá, com o incentivo às fontes renováveis, em especial a eólica no Nordeste, a solar no norte de Minas e a MMGD [Micro e Minigeração Distribuída] nos vários tetos das casas do Brasil, tudo mudou.
Quais são os maiores desafios trazidos pela transição energética?
A geração, que era estável, passou a ser intermitente. O consumidor, que era passivo, passou a ser gerador. E a demanda dele passou a ser uma demanda líquida, porque ele gera uma parte do que consome e a gente não enxerga o que ele gera.
A transmissão, que está no meio disso, passou a ter desafios como controle de frequência, controle de tensão, um número maior de manobras e a necessidade de construção de novas linhas ligando Nordeste e Centro-Sul. Também traz a necessidade de novas tecnologias.
Em quais soluções tecnológicas a empresa aposta para lidar com esses desafios?
Estamos trazendo um sistema de eletrônica de potência que redireciona o fluxo de elétrons para aliviar linhas sobrecarregadas. É um investimento que vai entrar em operação no fim de 2025, entre Ribeirão Preto e Porto Ferreira, e vai poder reorientar elétrons para redes menos carregadas enquanto uma nova linha não é construída.
Também avaliamos o DLR [Classificação Dinâmica de Linha], um sistema que mede em tempo real a carga da linha, que muda com fatores externos, por exemplo, ventos e temperatura. Nós estamos buscando uma empresa que talvez nos ajude a pilotar essa solução e temos levado essa ideia para alguns formadores de opinião no Brasil. Além disso, já operamos uma bateria na rede de transmissão no litoral de São Paulo, inaugurada em 2022, que evita sobrecargas no verão.
E nesse cenário de transição energética, o curtailment se tornou um dos principais temas do setor…
Eu vejo uma evolução em camadas. No passado, o Brasil só fazia hidrelétrica. Depois a gente acreditou que a solução para energia adicional seriam térmicas. Depois nós acreditamos que as eólicas e a solar seriam fantásticas para trazer energia adicional e preservar a água nos reservatórios.
Uma vez que isso acontece, a gente percebe que tem alguns efeitos colaterais que vão ter que ser controlados. Em momentos de excesso de oferta, o ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico] tem cortado energia. Agora a gente tem que buscar uma solução.
E qual pode ser a solução?
Uma possível solução é acompanhar e até controlar a geração que hoje o ONS não enxerga [ligada à rede de distribuição]. Também são apontados meios como o armazenamento e o incentivo de consumo quando há energia excedente, como tarifa horária.
Outra ideia que surge, essa com menos intensidade, é exportação de energia solar, no pico da geração, para países em outro fuso horário. Eu acho que esse é o tipo de solução que pode servir ao nosso continente. Quando a gente tem excesso de energia na hora do almoço, por exemplo, não é a hora do almoço na Colômbia ou no Chile.
Agora, tem outros temas que vêm associados à transição energética que é ter um mix de geração extremamente dependente de fatores climáticos, chuva, sol e vento. O fato de a gente ter solar e eólica na quantidade que a gente tem, que são intermitentes, geram falta de inércia em algum momento, e é justamente na transmissão que você vai colocar [compensadores] síncronos, que vão trazer inércia no sistema. A transmissão é sempre uma aliada.
E como a empresa tem olhado pro cenário de mudanças climáticas?
A COP30 está chegando e eu penso que será uma oportunidade de debater uma estratégia de longo prazo. Os eventos climáticos estão mais intensos e mais frequentes, precisamos compreender qual é a melhor maneira de continuar prestando um bom serviço para a sociedade.
Qual a principal preocupação atualmente com relação a isso?
A gente fez uma análise probabilística de todos os nossos ativos, olhando para 2030, 2050, do que pode acontecer com a nossa rede em função das mudanças climáticas, e percebeu que alguns ativos podem ficar vulneráveis. O principal ponto, mas não único, são os ventos. A gente imagina ventos mais fortes do que aqueles para os quais algumas linhas foram dimensionadas.
Se eu tenho uma rede que hoje resiste a 100 quilômetros por hora de vento e eu imagino que os ventos possam chegar a 200 quilômetros por hora, o que eu devo fazer hoje? Sendo que isso é uma probabilidade. Eu tenho uma análise probabilística que diz que potencialmente uma certa linha pode estar frágil em relação a um vento. A gente tem que começar a ter discussões sobre isso.
Nós já começamos essa discussão, inclusive, vamos fazer um trabalho agora junto com a EPE [Empresa de Pesquisa Energética]. A primeira discussão que eu acho fundamental é entender dois conceitos: safe to fail ou fail to safe. Ou seja, reforça essa linha ou se prepara para reparos rápidos, a exemplo do que ocorre no exterior. Não existe nos Estados Unidos infraestrutura que aguente tornado, mas quando tem um tornado na Flórida, alguns dias antes eles transportam equipamentos para reparar aquelas linhas.
Como o assunto vem sendo tratado no poder público, na sua visão?
Essa é uma discussão que a gente ainda não teve com intensidade no Brasil e eu acho que deveria ter e está no espírito da COP30. Eu já percebo na ANEEL [Agência Nacional de Energia Elétrica] sensibilidade para o tema. Tem uma consulta pública aberta, para que a gente comece a discutir qual é o arcabouço regulatório que vai orientar os investimentos nessa infraestrutura.
A gente levou esse estudo [ao governo] e a gente tem feito alguns reforços nas linhas. E, de novo, é probabilístico. Eu não tenho certeza que elas serão vulneráveis. A ANEEL tá bastante aberta nessa discussão pra que a gente possa avançar, a EPE também está aberta, o ONS também tá nessa discussão. É um tema que está aceso, não é um tema que está morto.
Precisamos saber o que a sociedade espera: que eu faça uma estrutura à prova de ventos fortes ou que eu faça uma recuperação rápida? Qual é o custo menor pra sociedade? Como na distribuição, que tem a discussão sobre enterrar as linhas: quanto custa? Quem paga? Na transmissão, o poder concedente precisa orientar o que deve ser feito a partir dos estudos que já mostram linhas existentes vulneráveis. A gente mostrou esse estudo e tem feito alguns reforços nas linhas.
O que tem sido feito, por exemplo?
Depois que a gente fez o estudo e notou quais eram as redes mais vulneráveis, a gente começou a acrescentar algumas camadas de proteção. Por exemplo, um tema que a gente tem é incêndio, que é um risco maior em tempos de seca.
No ano retrasado, a gente criou unidades de observação de forma que a gente acompanha incêndios de forma muito próxima e pode mobilizar o combate o mais rápido possível.
Nós temos hoje uma estrutura para ter uma recuperação rápida em pontos críticos da nossa rede. Eu tenho equipes de prontidão, que, dependendo do clima, a gente aloca. Tem torres de reserva. E aí a gente precisa entender se tem algo mais para fazer e continuar se adaptando.
O governo editou medidas provisórias para fazer uma reforma do setor elétrico. Como você avalia essas medidas e o debate feito no Congresso?
Tenho uma visão positiva, precisamos buscar ajustes na nossa rota absolutamente inovadora. Normalmente as coisas acontecem em algum lugar do mundo e depois acontecem no Brasil, aí a gente copia e corrige. Mas na transição energética, o Brasil tem um papel de liderança no mundo muito importante.
Isso traz uma dimensão de desafio para o qual a gente não está acostumado. Os meus problemas vão ser novos, eu vou ter que achar a solução para eles sem poder copiar muito os outros. E eles aparecem, como o curtailment. Então eu vejo com bons olhos que uma medida provisória tenha sido lançada para que a gente avance na busca das melhores soluções.
Sobre os planos de investimentos da empresa, como está a carteira de negócios para os próximos anos?
Hoje a gente tem uma carteira de R$ 13 bilhões para entregar nos próximos cinco anos. Desse total, R$ 5,5 bilhões vão para reforços e melhorias em São Paulo e R$ 6,5 bilhões para concluir cinco novos projetos. Três deles serão entregues nos próximos 12 meses, incluindo o projeto Piraquê, que conecta a geração solar de Minas Gerais ao Espírito Santo.
E todos os nossos projetos têm a seguinte característica: eles têm que ser rentáveis, porque a gente não busca ganhar market share ou fazer projeto por fazer. A gente precisa ter uma disciplina financeira para que a dívida fique sob controle e garantir o pagamento de dividendos dos nossos acionistas. Então, respeitados esses três elementos, a gente vai abraçar as oportunidades que aparecerem da melhor maneira possível.
E qual o apetite da empresa para leilões futuros, seja de transmissão ou de baterias?
A gente entende que faz sentido estudar e participar num eventual leilão de bateria. Uma ideia é que a bateria seja um elemento de transmissão, mas tem discussões que são diferentes disso, não está nada decidido. Mas de qualquer maneira, a gente entende que pode contribuir para trazer esse tipo de solução, desde que se encaixe no nosso plano de negócio. Na transmissão, a ISA Energia Brasil é uma das empresas que mais participou de leilões e mais lotes arrematou no país. Nós temos uma quantidade grande de concessões, são 34 concessões, e a gente vai continuar analisando.








