Marília Sena e Dimmi Amora, da Agência iNFRA
O diretor-geral da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), Eduardo Nery, estima que até o final deste ano a autarquia contará com sistemas de análise para a gestão de contratos avançados, com softwares capazes de antecipar problemas na gestão nos estudos de viabilidade para arrendamentos, concessões e novos investimentos em terminais portuários.
“O sistema será capaz de realizar uma análise de EVTEAs [Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental] de forma padronizada, similar ao sistema da Receita Federal, que já processa a análise de imposto de renda de forma consistente […]”, explicou o diretor-geral em conversa com a Agência iNFRA sobre os cinco anos de mandato na agência, que se encerram no próximo dia 18.
Atualmente, as análises de processos que podem levar a investimentos bilionários ainda é feita de maneira “muito braçal”, por meio de planilhas do Excel. Ele conta que esse é só um dos exemplos da transformação que ele adotou na governança da ANTAQ durante seu mandato, que levou a agência a avançar significativamente nos testes sobre o tema realizados pelos órgãos de controle. Na visão dele, a experiência na gestão da autarquia foi positiva devido à sua vivência como servidor no TCU (Tribunal de Contas da União), onde é auditor concursado.
“Estruturamos a área de TI [Tecnologia da Informação]. Temos um secretário de TI, gerências e coordenações de TI, adquirimos uma base de dados da Oracle e unificamos todas as nossas bases, pois elas não se comunicavam entre si […]. Foi um trabalho hercúleo, e agora, com todo esse esforço, os sistemas estão sendo desenvolvidos com a velocidade que desejamos”, afirmou.
Outros sistemas também estão previstos, incluindo um para as reuniões da diretoria, outro para a análise de contratos e um sistema dentro do programa Navegue Simples, com entregas programadas para este ano.
Demora nas análises de contratos
Uma das principais demandas de Eduardo Nery ao assumir a agência foi a demora nas análises de contratos. Segundo o diretor-geral, faltavam servidores qualificados para essa função, o que exigiu uma reforma no quadro de funcionários da ANTAQ. Foi necessário, por exemplo, emitir uma ordem de serviço para aproveitar servidores de outras áreas com conhecimentos técnicos, a fim de agilizar os processos.
“Também contratamos servidores com nível superior especializado […] como economistas, contadores e estatísticos […] e priorizamos alocá-los na superintendência de outorgas. Eles ajudam na análise, colaborando com gerentes e superintendentes, o que tem acelerado nossos processos”, detalhou Eduardo Nery.
Nery também destacou a importância de a autarquia se atualizar em relação às demandas do mercado internacional. “Criamos uma assessoria de relações internacionais para promover o aprimoramento dos servidores e viabilizar parcerias com entidades importantes […]. O navio que atraca em Roterdã, 30 dias depois, estará no Porto de Santos”, afirmou Nery, informando que 43 servidores participaram de missões de capacitação internacional durante a gestão.
THC/SSE
Para o diretor-geral, as capacitações internacionais estão ajudando a alinhar a regulamentação brasileira com práticas internacionais. Ele mencionou que a ANTAQ teve discussões sobre o THC (Taxa de Movimentação no Terminal) e o SSE (Serviço de Segregação e Entrega de Contêineres), aqui também chamado de THC2, com outros países. “Desafio a encontrar outro lugar no mundo com uma regulação como a nossa. A mais próxima é a da FMC [Federal Maritime Commission] […]. Discutimos muito com a comunidade internacional, aprendemos e fizemos parcerias”, explicou.
Ele contou que o tema foi debatido entre a equipe da ANTAQ e estudantes da Universidade de Antuérpia (Bélgica). No Brasil, já se discutiu a possibilidade de o THC refletir os custos de movimentação do porto, o que o armador teria de custo para fazer a carga e descarga da mercadoria, e repassar isso para o usuário. Porém, a universidade defendeu que não se pode regular de forma a tornar esses custos idênticos, pois isso interfere no livre comércio. “É importante discutir essas questões com a comunidade internacional”, concluiu.
Outro desafio na gestão de Nery foi tentar alinhar os entendimentos da ANTAQ com os do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). No início da gestão essa era uma prioridade e chegou a se assinar um memorando de entendimento com o órgão de defesa da concorrência. “Nunca consegui aceitar o fato de que instituições federais apontem para direções opostas, sem dialogar de forma madura em busca de um entendimento”, afirmou.
Ele relembrou uma ocasião em que o Cade tomou uma decisão sobre o THC/SSE sem consultar a ANTAQ, o que inviabilizou normas da autarquia e exigiu uma análise do TCU. Apesar de haver uma maior sintonia com o Cade atualmente, o TCU passou a considerar ilegais normas da ANTAQ para regular a cobrança do SSE.
“Acho que, mesmo diante dessa decisão, o tribunal tem amadurecido muito. Está buscando entender melhor não apenas as particularidades do setor portuário, mas também os aspectos da regulação e da preservação da autonomia das agências reguladoras”, destacou.
Relação com o Ministério de Portos e Aeroportos
Durante a gestão de Nery, quatro ministros ocuparam o Ministério de Portos e Aeroportos. Para ele, todos os ministros foram apoiadores da ANTAQ. Na gestão anterior, com os ministros Tarcísio de Freitas e Marcelo Sampaio, quando a pasta fazia parte do Ministério da Infraestrutura, o foco estava nas concessões. Já na atual gestão, sob o ex-ministro Márcio França e o atual ministro, Silvio Costa Filho, a ênfase foi nas hidrovias.
“A ANTAQ é executora e implementadora de políticas públicas. Foi ela quem implementou a política das concessões conforme estabelecido. Quando houve a troca de governo, o conceito e o direcionamento da política pública mudaram, o que é normal. Não há erro nesse processo, e a agência segue cumprindo sua função”, ressaltou Eduardo Nery.
Agências reguladoras e Congresso
No ano passado, o Congresso Nacional e a Casa Civil discutiram mudanças na política das agências reguladoras. A Casa Civil se mostrou incomodada com o fato de que muitos diretores das agências não foram indicados pelo governo atual. Já no Congresso, o deputado Danilo Forte (União-CE) apresentou uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) sugerindo a criação de uma superagência para fiscalizar as agências reguladoras.
Para Eduardo Nery, questionar o trabalho das agências é uma atividade legítima do Congresso Nacional, e o diálogo com o Legislativo precisa melhorar. “As agências não são perfeitas e precisam dialogar com o Congresso para entender o que está sendo criticado e o que precisa ser aprimorado. Esse exercício é fundamental, e as agências devem se esforçar para esclarecer suas ações ao Congresso. Afinal, as agências sempre enfrentarão insatisfações, o que é inevitável”, disse.
Na visão do diretor-geral, o Congresso também precisa entender o trabalho das agências. “A agência estará sempre mediando ou harmonizando conflitos, lidando com interesses divergentes e, muitas vezes, conflitantes. Ao tomar uma decisão, é inevitável que uma das partes não concorde. Por isso, a agência deve atuar de forma neutra e isenta, cumprindo seu papel de reguladora conforme os contratos e diretrizes estabelecidos, sem alterar suas deliberações ou decisões em função de mudanças no governo.”