19/08/2025 | 11h29

Opinião – Adesão compulsória de municípios a microrregiões de saneamento à luz do entendimento do STF

Foto: Divulgação

Diogo Albaneze Gomes Ribeiro*

Diante da situação dramática dos serviços de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário no país (em que ainda hoje quase metade da população brasileira nem sequer possui serviços de coleta de esgoto), o setor incorporou, por meio da Lei federal nº 14.026/2020, importantes alterações regulatórias que visam, em última análise, a contribuir com a difícil tarefa de universalização desses serviços em um prazo razoável.

Dentre essas inovações, podemos destacar: a restrição à formalização de novos contratos de programa (art. 10 da Lei de Saneamento); a necessidade de comprovação, pelos prestadores, de capacidade econômico-financeira para a realização dos investimentos necessários à universalização dos serviços; e a busca de uma maior uniformização regulatória, concentrando na ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) a competência para a edição de normas de referência a serem observadas pelos titulares do serviço e pelas demais entidades reguladoras.

Outro importante aspecto trazido pela Lei 14.026/2020 foi a priorização da prestação regionalizada desses serviços – tema esse que ainda vem gerando algumas discussões jurídicas, sobretudo por conta da criação de MRAEs (Microrregiões de Água e Esgoto) de adesão compulsória pelos municípios. O ponto que vem sendo questionado por alguns municípios gira em torno do fato de que essa adesão compulsória estaria ocasionando uma transferência ilegal de titularidade dos serviços de saneamento para os estados.

A competência para que os estados possam instituir, mediante lei complementar, regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, visando a execução de funções públicas de interesse comum, está no art. 25, §3º, da Constituição Federal. A definição dos parâmetros essenciais para essa instituição foi tratada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 1842, ao analisar a legislação que instituiu a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e a Microrregião dos Lagos.

No âmbito dessa ADI (já bastante conhecida pelo setor), consolidou-se o entendimento de que o “interesse comum e a compulsoriedade da integração metropolitana não são incompatíveis com a autonomia municipal”. Segundo a Corte, a autonomia conferida aos municípios para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I, da Constituição) convive com a norma que atribui aos estados a competência para instituírem regiões metropolitanas com base na existência de interesse comum (art. 25, § 3º, da Constituição).

Além do fundamento constitucional, o STF vem justificando o cabimento dessa adesão compulsória como necessário para contribuir com o objetivo de executar e planejar a função pública do saneamento básico, com vistas à obtenção de economias de escala, bem como à facilitação de modelagens de concessões. Com isso, aqueles municípios que não teriam viabilidade econômica para uma concessão isolada podem se beneficiar de uma prestação regionalizada (valendo-se do chamado subsídio cruzado) – tudo para concorrer para a universalização dos serviços.

Essa é a hipótese tratada pelo STF na ADI 6.882/DF, em que ficou consagrado o entendimento de que a regionalização dos serviços de saneamento básico tornaria a sua implementação mais sustentável, econômico e financeiramente, favorecendo a viabilidade de parcerias entre a Administração Pública e a iniciativa privada.

Recentemente, esse tema voltou à tona. O estado do Pará, por meio da LC 71 (Lei Complementar 71, de 21 de dezembro de 2023), instituiu uma microrregião, voltada para água e esgoto. Ato contínuo, em 2024 o estado publicou o Edital de Concorrência Pública nº 002/2024, com vistas a conceder à iniciativa privada os serviços de água e esgotamento sanitário e, para tanto, dividiu o estado em quatro blocos, de “A” a “D”, licitando individualmente cada um desses blocos. 

Em maio de 2025, a Assemae (Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 7800, questionando a LC 71. Dentre outros argumentos, a autora defende que a criação da MRAE teria gerado lesão à autonomia municipal, em razão da inserção compulsória dos municípios à entidade criada. Além disso, afirma-se que, ao se adotar este modelo, haveria uma transferência ilegal de titularidade dos serviços de saneamento. 

Em paralelo à ADI, o município de Parauapebas (PA), integrante do bloco D da referida concorrência, ajuizou uma ação civil pública em face do estado, pleiteando a sua retirada da MRAE, a suspensão da licitação e a inconstitucionalidade incidental da legislação estadual, responsável por criar a MRAE. 

Após decisão do Tribunal de Justiça do Pará, em sede de agravo de instrumento, determinando a suspensão da Concorrência Pública nº 002/2024, no que se refere à participação compulsória do município de Parauapebas, o ministro Luis Roberto Barroso, no âmbito do Pedido de Suspensão de nº 1077, revogou os efeitos da referida decisão, de modo a autorizar o seguimento da concorrência. 

O entendimento do ministro reitera a tese anteriormente fixada pelo STF de que as microrregiões de saneamento básico se fundam em interesse comum dos municípios que a integram, razão pela qual, a inclusão de um município, mesmo que compulsoriamente na MRAE, não viola a sua autonomia nem mesmo transfere a competência de execução dos serviços, mas sim potencializa a sua prestação por conjugar os interesses locais (desde que seja preservada aos municípios a maioria de representação nessas microrregiões).  

Com isso, o STF vem transmitindo o recado de que, sendo garantido aos municípios o efetivo exercício da sua autonomia, por meio da maioria dos votos representativos nas deliberações microrregionais, a adesão compulsória desses municípios a microrregiões, via lei complementar, encontra-se em conformidade com o ordenamento jurídico.

*Diogo Albaneze Gomes Ribeiro é doutor e mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP e sócio do Cescon Barrieu Advogados.

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