Felipe Corrêa Castilho*
Com o objetivo de aumentar a eficiência, reduzir custos e atrair mais investimentos privados para o setor portuário, foi adotado no país o modelo de gestão portuária conhecido como landlord port, consolidado com a extinção da Portobrás e a promulgação da Lei 8.630/1993. Esse marco legal transferiu para a iniciativa privada a exploração das instalações portuárias em áreas dentro dos portos organizados, por meio de processos licitatórios e formalizados por contratos de arrendamento, nos quais as empresas privadas assumem a responsabilidade pela operação, manutenção e pelos investimentos necessários, enquanto as administrações portuárias assumem a gestão dos contratos, a infraestrutura pública e realização das licitações.
A partir da Lei 12.851/2013, um novo marco regulatório foi estabelecido na qual centralizou a competência para a União celebrar e gerir os contratos de arrendamento, via administração direta, estabelecendo a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) como o órgão competente para elaborar os editais, promover as licitações e fiscalizar a execução dos contratos.
Essa centralização se deu sem distinção entre as autoridades portuárias para a União e foi motivada na tentativa de resolver questões críticas que afetavam a eficiência, a competitividade dos portos organizados, a expansão e desenvolvimento do setor portuário em razão de um diagnóstico de que as companhias docas (pelo menos a maioria delas) não tinham capacidade para promover o processo licitatório de arrendamento portuário na medida que se trata de processo complexo.
Apesar dos benefícios iniciais, a centralização resultou em uma burocracia excessiva, já que questões que poderiam ser resolvidas localmente passaram a ser concentradas na esfera federal. Isso compromete a agilidade das autoridades portuárias na otimização do uso da infraestrutura, dificultando a condução eficiente das operações e a exploração de ativos ociosos com potencial para gerar receita e desenvolvimento econômico.
A ausência de um planejamento estratégico de longo prazo pelas autoridades portuárias também contribuía para a dificuldade em dispor dos recursos arrecadados. Isso ocorria devido à inexistência, à época, de normativos que regulassem o processo de elaboração, revisão e alteração dos PDZs (Planos de Desenvolvimento e Zoneamento), o que resultava em planos portuários desatualizados e inadequados para o planejamento estratégico.
Após mais de 10 anos da edição da Lei 12.815/2013, é possível concluir que a centralização permitiu uma maior coordenação das atividades das atividades referentes às novas licitações e auxiliou na padronização do sistema de arrendamentos entre os portos brasileiros.
No entanto, com o passar do tempo e a consolidação do conhecimento técnico e jurídico no setor, o então Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, com base em critérios objetivos, iniciou um processo gradual de devolução de algumas competências operacionais às autoridades portuárias. O objetivo foi permitir que essas autoridades se encarreguem de funções operacionais, enquanto o Ministério se concentrará nas atribuições estratégicas.
Um exemplo dessa iniciativa foi a publicação da Portaria 574/2018, que teve como objetivo racionalizar os parâmetros para orientar a decisão ministerial de delegar competências às autoridades portuárias, permitindo a descentralização de forma seletiva e eficiente, sem a necessidade de alteração na legislação federal. Afinal, a Lei 12.815/2013 adotou um modelo centralizado (“one size fits all”) que afetou todas as docas, inclusive aquelas com capacidade para realizar licitações de arrendamentos e gerir contratos, restringindo o potencial dos portos geridos por companhias docas mais eficientes.
A Portaria 574/2018 instituiu um sistema de descentralização seletiva, condicionado à avaliação da capacidade técnica, administrativa e financeira de cada autoridade portuária. Essa avaliação é realizada por meio do Igap (Índice de Gestão das Autoridades Portuárias), que consiste em uma série de indicadores de desempenho que medem diferentes aspectos da gestão portuária. O objetivo desse mecanismo é assegurar que apenas as autoridades portuárias com boa estrutura possam assumir funções descentralizadas, mitigando os riscos de má gestão.
Além disso, a norma estabelece uma série de requisitos mínimos para que as autoridades portuárias possam receber a delegação de competências. Entre eles, destaca-se a obrigatoriedade de a autoridade portuária ser gerida por uma entidade estatal, em conformidade com a Lei 13.303/2016 e o Decreto 8.945/2016; a manutenção atualizada dos Planos Mestres e de Desenvolvimento e Zoneamento; a alfandegamento da área portuária com certificação ISPS-Code e licença de operação válidas; a adesão ao Plano de Contas Regulatório da ANTAQ; e o cumprimento de critérios rigorosos para a nomeação de diretores e conselheiros.
Nesse aspecto, a edição da Portaria 574/2018 pode ser vista como uma prática positiva, pois busca promover a descentralização e a ampliação da autonomia das Autoridades Portuárias.
No entanto, interessante notar que apenas quatro autoridades portuárias tiveram a delegação efetivada: a Appa (Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina), o Porto de São Francisco, o Porto de Suape e a Autoridade Portuária de Santos. Esse resultado aponta para a necessidade de um estudo mais aprofundado para compreender as razões subjacentes a essa disparidade.
Diante desse contexto, é possível observar que a descentralização apresenta vantagens como maior agilidade na tomada de decisões, maior autonomia para adaptar operações locais, pode também fomentar a inovação e a busca por soluções customizadas.
Por outro lado, a descentralização de competências para as administradoras portuárias apresenta alguns desafios. A forma como os contrato de arrendamento é gerido pode variar, resultando em diferentes níveis de cumprimento contratual e qualidade de serviço. Inclusive, a flexibilidade e a eficácia na adaptação dos contratos às necessidades e mudanças podem ser inconsistentes, afetando a viabilidade e o sucesso dos arrendamentos portuários.
Os portos localizados em regiões com maior influência política podem sofrer interferência na administração, resultando em decisões influenciadas por interesses políticos em vez de critérios técnicos. Além disso, nem todas as autoridades portuárias dispõem da estrutura técnica, administrativa e financeira necessária para uma gestão mais autônoma. Inclusive, a proximidade entre as autoridades portuárias e os arrendatários pode aumentar o risco de captura da autoridade, tornando crucial a existência de um sistema eficiente de controle e fiscalização.
Sob esse aspecto, é possível concluir que a descentralização de competências às autoridades portuárias tem o potencial de melhorar a eficiência, a adaptabilidade e o desenvolvimento regional dos portos com a atração de mais investimentos de forma célere, o que enseja a necessidade de ampliar a política de descentralização, desde que as autoridades locais estejam devidamente capacitadas e equipadas para assumir essas responsabilidades.
Importante destacar que esses benefícios trazem desafios significativos para as Autoridades Portuárias em termos de supervisão, consistência, capacidade de gestão e transparência. Para maximizar as vantagens e mitigar os desafios, é crucial implementar mecanismos de supervisão, treinamento e avaliação contínua das autoridades portuárias. O próprio modelo de procedimento de descentralização introduzido pela Portaria MTPA 574/2018 traz um conjunto robusto de critérios e mecanismos de supervisão capazes de mitigar a maioria dos desafios apontados pela descentralização.
Por fim, atualmente, as autoridades portuárias no Brasil enfrentam o desafio de equilibrar a centralização promovida pelo governo federal na realização de arrendamentos com a necessidade de uma governança moderna e eficiente. Essa centralização, iniciada com a Lei 12.815/2013, trouxe ganhos importantes em termos de coordenação, padronização e maior controle das atividades portuárias, especialmente em um cenário onde várias companhias docas demonstravam limitações técnicas e administrativas para gerenciar processos complexos de licitação.
No entanto, a centralização também resultou em uma burocracia excessiva, que, em muitos casos, retardou o desenvolvimento de novos arrendamentos e a otimização da infraestrutura portuária. Para mitigar esses efeitos, o governo federal tem buscado implementar uma governança mais moderna e independente, descentralizando algumas competências para autoridades portuárias locais que demonstram capacidade de gestão, conforme estabelecido pela Portaria 574/2018.
Essa estratégia de descentralização seletiva visa assegurar que a administração portuária não seja influenciada por pressões locais e partidárias, mantendo o foco na eficiência e na competitividade do setor. A busca por uma governança portuária que seja menos sujeita a interferências políticas e mais orientada por critérios técnicos é fundamental para garantir que os arrendamentos sejam geridos de forma profissional e transparente. Uma governança moderna e independente, que se baseie em princípios de boa gestão e regulação eficiente, é essencial para atrair investimentos e promover o crescimento sustentável do setor.
* Felipe Corrêa Castilho é advogado do Kincaid Mendes Vianna Advogados
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.