Opinião

Opinião – Caso Rio Grande do Sul: infraestrutura e financiamento em tempos de mudanças climáticas

Luciana Campos Maciel da Cunha* e Débora Silva Sena**

A recente tragédia no Rio Grande do Sul trouxe um alerta duro sobre as mudanças climáticas, especialmente a necessidade de que este fator seja considerado para a idealização de políticas públicas atuais e futuras.

Em situações de tragédia desta dimensão, os recursos são aplicados de forma urgente nas ações assistenciais voltadas à população afetada. Não é por outra razão que as medidas essenciais se direcionam ao restabelecimento da infraestrutura, especialmente energia elétrica, iluminação pública, saneamento, recuperação de estradas e rodovias, sem os quais não é possível que o Estado retome sua rotina e suas atividades econômicas.

Ainda não é possível avaliar de forma precisa a extensão dos danos, mas a primeira estimativa do governo do Rio Grande do Sul é de que serão necessários mais de R$ 19 bilhões para reconstrução da parte do Estado afetada.

Paralelamente, já existem estudos em andamento estimando que o valor de R$ 19 bilhões projetado pelo Rio Grande do Sul deve ser superado em mais de cinco vezes, remontando ao patamar de cerca de R$ 90 bilhões. Os números falam por si!

Todavia, para que se tenha uma ideia mais clara, R$ 90 bilhões corresponde a aproximadamente 14,4% do PIB do Rio Grande do Sul (2023), 0,8% PIB do Brasil (2023) e representa quase a totalidade da atual dívida do Rio Grande do Sul com a União.

Nesse sentido, a pergunta que ecoa naturalmente é de onde virão os recursos financeiros necessários para a reconstrução dos municípios. Por parte das entidades internacionais, já foram anunciadas algumas iniciativas, como a concessão de financiamento de até R$ 5,7 bilhões pelo Banco do BRICs; e de até R$ 3,8 bilhões pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina.

Por parte do governo brasileiro, foram editadas medidas provisórias, dentre elas a MP (Medida Provisória) 1.218/2024, que prevê a liberação de crédito a micro, pequenas e médias empresas; e garantia de crédito para agricultores familiares e médios produtores rurais, ambos com taxa de juros zero. Além disso, houve liberação de recursos voltados aos atos assistenciais emergenciais.

Apesar da relevância destas iniciativas, a liberação de recursos por meio de financiamento tende a não solucionar o problema à médio prazo. Os prejuízos decorrentes da materialização deste tipo de desastre devem ser assumidos, o máximo possível, pelo poder público, sob pena de se concretizar um cenário de difícil (senão impossível) retomada econômica, em razão do afastamento de novos investimentos pela iniciativa privada.

A obtenção de recursos para esta finalidade é o maior desafio, já que a elevação da dívida pública federal é indesejável e perigosa ao cenário macroeconômico. Além disso, elevar o nível de endividamento seria contrário à Lei Complementar 200/2023 (Novo Arcabouço Fiscal).

Importante relembrar que, durante a pandemia do Coronavírus, a União teve que adotar diversas providências para obtenção de recursos para as ações emergenciais, especialmente para compra de vacinas e medidas assistenciais.

A maioria dos recursos, cerca de R$ 98 bilhões, foram obtidos por meio da emissão de títulos da dívida pública e do não pagamento dos juros da dívida pública federal; enquanto cerca de R$ 5,5 bilhões retirados do orçamento previsto à atenção à saúde primária e secundária, entre outras diversas realocações de recursos da educação, justiça, programas sociais, entre outros, destinando ao enfrentamento da pandemia.

Para evitar o endividamento, a tendência natural é a abertura de créditos extraordinários, autorizada pela Lei Federal 4.320/1964 para pagamento de obrigações urgentes e/ou emergenciais.

Contudo, a abertura de créditos extraordinários depende da disponibilidade de recursos em reserva de contingência na LOA (Lei Orçamentária Anual). No entanto, o montante disponível em reserva de contingência pela União na LOA para 2024 é de cerca de R$ 47 bilhões, ou seja, insuficiente para solução do problema, considerando especialmente a impossibilidade de liquidar tais reservas.

Assim, as recentes ocorrências de eventos extraordinários são de suma importância para se refletir sobre a relevância da criação de fundos setoriais voltados ao fomento e desenvolvimento dos setores de infraestrutura, que podem surgir como fontes alternativas de recursos também para situações como a atual.

A título de exemplo, podemos citar os fundos já existentes, como o FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), Fundo Aeroviário para Execução e Manutenção do Sistema Aeroviário Nacional, FNAC (Fundo Nacional de Aviação Civil), FNHIS (Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social), Fundo Nacional Sobre Mudança do Clima e Fundo de Defesa de Interesses Difusos.

Somados, estes fundos detêm hoje um valor aproximado de R$ 5,2 bilhões, que podem ser utilizados para o desenvolvimento dos respectivos setores de infraestrutura, bem como mecanismos de segurança diante da materialização de eventos imprevisíveis.

Os Ministérios dos Transportes e das Telecomunicações já anunciaram que os recursos do FUST e FNAC serão parcialmente disponibilizados para restabelecimento das infraestruturas afetadas no Rio Grande do Sul.

Evidentemente há necessidade de pensar não apenas na criação dos fundos, mas também em suas fontes de custeio, sob pena de esvaziamento da política pública, tal como é visto no FUNCAP (Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil), que seria muito relevante no atual momento, se tivesse sido regulamentado e implantado.

Adicionalmente, como fonte de recurso, poderia ser também avaliada a possibilidade de se adotar nas modelagens de concessões futuras a implementação de “colchões de liquidez” voltados especificamente para prevenção e mitigação de eventos decorrentes de mudanças climáticas.

Não há dúvida de que qualquer solução que se adote repercutirá em aumento de custos. Contudo, a realidade revela que a conta para remediação das calamidades é sempre mais cara do que a conta da prevenção. Nesse sentido, é indispensável que a tragédia do Rio Grande do Sul seja utilizada como ponto de partida para pensar em soluções mais eficientes de reservas de recursos para o fomento e apoio aos setores de infraestrutura.

*Luciana Campos Maciel da Cunha é sócia-conselheira da área de infraestrutura do Bichara Advogados.
**Débora Silva Sena é sócia da área de infraestrutura do Bichara Advogados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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