Adailton Cardoso Dias e Rafael Henrique Fortunato*
O Programa de Parcerias de Investimentos – PPI nasceu em 2016, como fruto da MP 727/2016, com objetivo de tratar o investimento em infraestrutura como Política de Estado, que reconheça a obrigação do setor público em aprimorar a regulação, o planejamento e os mecanismos de eficiência para o financiamento dos projetos de infraestrutura.
O PPI, desde o início, procurou reaproximação entre o Estado e a iniciativa privada com a ampliação e o fortalecimento da interação entre esses importantes atores.
É oportuno recordar que, desde a sua criação até os dias de hoje, o Programa tem pautado sua atuação de articulador dos projetos estruturantes do País em sintonia com os Ministérios setoriais e as agências reguladoras, ciente de que a autonomia destas e a decorrente segurança regulatória advinda de um contexto em que os órgãos competentes possuem suas esferas de atuação respeitada e preservada, são esteios mínimos e necessários para garantir credibilidade, previsibilidade e transparência ao ambiente regulatório nacional.
Não foi por outro motivo que a primeira medida adotada pelo PPI, a Resolução nº 1 do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos – CPPI, buscou sinalizar a todos os stakeholders que o PPI adotaria mecanismos voltados ao incremento da transparência, participação da sociedade no processo decisório e do aprimoramento jurídico dos contratos de concessão.
De lá para cá, evolui-se bastante no ambiente regulatório, aumentando consideravelmente a segurança jurídica na atração de investimentos para o setor de infraestrutura. Por consequência, o PPI foi um dos grandes responsáveis por trazer diversos novos players internacionais aos leilões de infraestrutura e, sobretudo, por difundir a cultura de concessões e PPPs entre os mais diversos entes subnacionais.
Alguns Estados como São Paulo, Minas Gerais e Bahia, para ficarmos com alguns exemplos, já tinham expertise na modelagem desses projetos, mas outros tantos entes subnacionais não tinham experiências práticas ou alguma estrutura de governo capaz de gerar confiança no gestor para assinatura do contrato de concessão ou mesmo para lidar com as diversas fases de estruturação de um projeto de parceria. O que se via era um verdadeiro cemitério de PMIs natimortas.
Nesse meio tempo, o Programa ajudou Ministérios e Autarquias a montarem estruturas de governança e a criarem projetos de parcerias, difundiu a importância de inserir um projeto de concessão no menu à disposição das suas agendas e, dessa forma, foram surgindo diversas inciativas em infraestrutura social, em parques, florestas, perímetros de irrigação, para se exemplificar.
Para isso ocorrer, o PPI empreendeu um grande esforço na construção de um ambiente saudável e institucional de confiança entre agentes públicos e privados. Tem-se convicção que essa foi sobretudo uma construção coletiva que contou, desde o início do PPI, com a parceria do Tribunal de Contas da União – TCU.
Em 2018, escrevia-se sobre a necessidade de a Administração Pública abrir as portas dos seus gabinetes para construção de uma matriz de risco aderente aos anseios de mercado. Hoje é natural e, até diga-se, quase que obrigatório que os editais e contratos sejam construídos após longos períodos de market sounding, audiência pública e acompanhamento concomitante do TCU.
Esse foi todo um esforço de construção de fidúcia, de confiança entre o público e o privado, afinal esses entes são, nas palavras da Lei n.º 13.334/2016, parceiros.
Nesse contexto, é preciso destacar a relevância do TCU na construção desse ambiente institucional de confiança, inclusive agora com a criação da Secex Consenso.
Pegando carona na palavra fidúcia, cabe falar um pouco sobre a importância da Secex Consenso, mas antes é preciso mencionar o papel que a relicitação, criada pela Lei nº 13.448/17, promoveu no avanço institucional do universo da infraestrutura, especialmente quando anunciava, no seu desenho dogmático, o consenso e as estruturas de coordenação como fundamentais para um desfecho menos traumático para o concessionário e, sobretudo, para o utente do serviço público.
A relicitação é a saída negociada e coordenada do parceiro privado que não esteja atendendo às condições do contrato ou quando já demonstre incapacidade de adimplir as obrigações contratuais ou financeiras assumidas originalmente.
A relicitação partiu do pressuposto que para contratos inviáveis – aqueles em que o simples reequilíbrio econômico-financeiro não lhes daria sobrevida – seria necessário criar um ambiente de segurança jurídica que envolvesse instancias técnicas (agências reguladoras), jurídicas (Advocacia-Geral da União – AGU), políticas (Ministérios setoriais e CPPI) e de controle (TCU) capazes de operar uma verdadeira cirurgia de coluna vertebral no contrato, sanar seus problemas de performance, promover a saída do concessionário e relicitar o ativo.
Nesse processo, o TCU é peça central, porque, nessa mesa de cirurgia, é o agente capaz de gerar a confiança necessária no médico e no paciente para que essas cirurgias complexas sejam operadas.
Foi utilizando a marca da fidúcia, que o TCU acertadamente criou a Secex Consenso, por meio da IN 91/2022. Com efeito, aqueles mesmos atores antes inseridos na mesa da relicitação, agora também fazem parte das discussões sobre a modelagem da readaptação contratual, o que demonstra a forte governança do processo, oportuniza um controle concomitante e reduz o gap informacional entre os agentes pactuantes e o agente de controle.
A mensagem é positiva para o mercado e para a Administração Pública, sobretudo porque a readaptação contratual abre um menu para que o gestor tenha mais uma ferramenta de gestão/execução contratual no cardápio de opções, evitando que contratos com baixo nível de performance cheguem ao default. Como agente de fidúcia, o Tribunal se coloca nesse jogo reflexionante de forma a, reduzindo assimetrias, oportunizar a adaptação de contratos estressados.
A prática demonstrou que qualquer experiência de agentes públicos de renegociar contratos nesse nível de profundidade poderia levar a responsabilização. Nesse sentido, a participação do TCU, desde o início, traz a segurança jurídica que se espera de um processo de tamanha complexidade.
Como ponto de reflexão, penso que a Administração Pública, para os futuros processos, possa estabelecer uma linha de corte entre aqueles em relicitação – que ingressarão no TCU para ter seu desfecho natural, com o seguimento da relicitação – e aqueles contratos estressados – fruto de desenhos contratuais ou de circunstâncias que os tornaram inviáveis – que podem performar com uma readaptação contratual, mas que ainda não estão inseridos na esteira da relicitação.
Portanto, nessa lógica, ter-se-ia duas esteiras à disposição do gestor, uma esteira para o ativo que enfrenta um processo de relicitação e uma outra esteira para o contrato que passará por um processo de otimização com a participação da Secex Consenso, esta etapa podendo, inclusive, ser anterior ao pedido de relicitação.
Nesse sentido, não prosperando o pleito da readaptação contratual na Secex Consenso, à Administração restaria aberta a porta da caducidade ou da relicitação. Dessa forma, parece que o cenário dogmático fica mais claro e há uma redução do moral hazard advindo de comportamento de agentes oportunistas, que, no futuro, podem requerer a relicitação de seus ativos, como forma de pressionar a readaptação de seus contratos.
A Secex Consenso ainda está no início de sua promissora trajetória, evoluirá certamente, sendo difícil imaginar este ator ausente do ambiente de renegociação complexo de contratos de infraestrutura.
*Adailton Cardoso Dias, Secretário adjunto de infraestrutura econômica do PPI, economista, especialista em regulação, Exerceu os cargos de Diretor da EPL, Diretor de Planejamento e Pesquisa, Diretor-Executivo e Diretor-Geral substituto do Dnit, é Analista de infraestrutura do DNIT.
*Rafael Henrique Fortunato, Procurador Federal, atualmente Assessor do PPI, formado pela Universidade Federal de Pernambuco, com disciplinas cursadas na Università degli Studi Roma Tre – Itália, Mestre em Ciências Jurídico-Administrativas pela Universidade do Porto e tem MBA em economia e regulação pela FGV.
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