Opinião

Opinião – Ferrovia: chega de migalhas

Paulo R. B. Villa*

A Audiência Pública no 12/2020  da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), encerrada em outubro de 2024, teve por objetivo o aprimoramento dos estudos efetivados para a prorrogação do contrato da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica), bem como da minuta do respectivo termo aditivo e anexos. Considerando que ferrovia é um estratégico modal de infraestrutura da logística de transporte de cargas, dois aspectos emergiram naturalmente das discussões durante a audiência.

Uma vez que compete à União – neste ato representada pela ANTT – explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão o transporte ferroviário, o primeiro aspecto observado é que a audiência pública supracitada tratava dos valiosos 7.800 km da Malha Centro-Leste, concessionados à FCA em 1996. Isto se sobrepõe à proposta de renovação parcial da concessão, que abrange apenas uma parte da malha. Observa-se, portanto, o equívoco no trato desta questão pela União: analisar e sobrepor os interesses privados em detrimento do interesse público maior.

É imperativo ao momento atentar à União quanto ao seu papel: priorizar a análise de 100% a Malha Centro-Leste, sobretudo os trechos ferroviários desativados e/ou devolvidos pela concessionária, que inegavelmente prestou um serviço medíocre – quando não deixou de prestá-lo, abandonando serviços, cargas e clientes em parcela essencial desta malha, com destaque para o Corredor Minas-Bahia.

A justificativa aceita pela União para a devolução deste corredor é o déficit de demanda, ou seja, que se trata de trecho antieconômico. De fato, não há dúvidas que o trecho é antieconômico, mas não por ausência da demanda de cargas, mas em razão da má qualidade e de limitada operação da via permanente, cuja implantação ocorreu entre 80 e 120 anos passados, bem como de riscos operacionais decorrentes desse tempo, de seu projeto então obsoleto e há décadas carente de conservação e de investimentos de modernização por parte da União e da concessionária. Este cenário de claro desleixo tem como efeito a prestação de serviços ineficientes e arriscados, que se limita a deslocamentos em uma velocidade comercial de apenas 11km/h, obrigando clientes a optarem por outro modal, sobretudo os que possuem cargas perigosas, como químicos e combustíveis. Deste modo, diante do que foi apresentado na audiência pública, é inaceitável o esquecimento, desprezo, subestimação, negligência ou abandono de parcela da velha via permanente e sua faixa de domínio antropizada, mas de muita valia para os negócios no Brasil.

O segundo aspecto, e não menos importante, é que ao definir o futuro de um ativo de quase 8.000 km de ferrovias, a União precisa observar sua relevância para o planejamento nacional, priorizando o potencial das interconexões ferroviárias da Malha Centro-Leste – em especial o Corredor Minas-Bahia – na visão abrangente de futuro que cumpre ao integrar logisticamente as regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste.

Assim, a recapacitação deste corredor de bitola métrica com o mínimo de qualidade impõe a necessária troca de dormentes e trilhos, construção de contornos urbanos, retificação de desenho geométrico de curvas e rampas, pontes, taludes, passagens de níveis etc., de modo a resultar em velocidade com segurança e viável economicamente, levando à conclusão da oportunidade, que não deve ser perdida, de se adotar a bitola larga, exatamente para interligar com a Transnordestina, o eixo Fico-Fiol, a Ferrovia Norte-Sul e a MRS, que já utilizam esta mesma bitola.

Trata-se de decisão-chave para o futuro da logística. Fazer diferente, seria apenas “maquiar”, improvisar, desperdiçar infraestrutura e, o pior, perpetuar a desintegração logística no país, enfim, uma atitude pouco inteligente. O acréscimo de investimentos é relativamente pequeno com boa engenharia, mas amplamente justificável para o que a bitola larga virá a proporcionar. Aliás, é essencial no planejamento nacional a adoção definitiva de bitola única, como já são construídas todas as ferrovias recentes.

Não posso deixar de observar que o governo da Bahia está planejando construir ferrovias com uma terceira bitola, a de 1,435 metros, certamente, achando pouco as duas já existentes no estado. A bitola larga é, sem dúvidas, a mais adequada para grandes volumes de minérios e grãos serem levados aos portos, cujo potencial na Bahia é exuberante.

A ANTT deixou passar a audiência por quase quatro anos, sem qualquer justificativa, inibindo e adiando decisões de investimentos de usuários e potenciais usuários de parcela da ferrovia. Foram anos de insegurança operacional, produtiva e comercial nesta parcela de ferrovia que é o Corredor Minas-Bahia e que na sua versão completa liga a grande Belo Horizonte (MG) a Petrolina (PE) e Propriá (SE). 

Agora, o Ministério dos Transportes e a ANTT têm a grande oportunidade histórica de colocar o Brasil nos trilhos da prosperidade, modernizando o Corredor Minas-Bahia e o transformando na verdadeira Ferrovia de Integração Nacional. Chega de improvisações. Chega de migalhas!

* Paulo R. B. Villa é diretor-executivo da Usuport (Associação de Usuários dos Portos da Bahia).

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