Opinião

Opinião – Por que o regime de concessões precisa de um upgrade?

Fábio Rogério Carvalho*

Tudo que está bom, pode (e merece) melhorar. Imagino que você, em maior ou menor escala, já tenha vivido uma experiência de upgrade. Aquela situação em que as expectativas estavam dimensionadas para um cenário, mas por alguma razão, o resultado foi melhor do que o esperado.

É exatamente isso que precisamos e desejamos para o Brasil na atual discussão do regime de concessões. O projeto é prioritário para o Poder Executivo, Legislativo e, claro, para o setor privado. Nas mãos, sempre confiáveis e competentes, do deputado Arnaldo Jardim, o que se espera da proposta é um upgrade para um sistema legal que já fez muito pelo país e pode fazer ainda mais.

Existem várias oportunidades de melhoria, mas pretendo me concentrar em três nesse breve texto: 1) contenção de demandas não contratuais, 2) agilidade em processos de recomposição do equilíbrio contratual e 3) unicidade decisória estatal.

”Fale com o dono”

Trabalhei muitos anos no setor público e sempre havia por lá uma máxima, cruel, mas interessante: quanto mais alguém trabalha e entrega resultados, mais é “premiado” com trabalho e responsabilidades.

A realidade não tem sido diferente para os concessionários do setor de infraestrutura. As constrições orçamentárias enfrentadas pelos órgãos e entidades da Administração Pública têm gerado demandas de custos não previstos em contratos.

A contratação rápida, escolha mais bem dirigida e eficiente, e, claro, a transferência de custos para o concessionário é uma solução aparente que, em médio e longo prazo, se torna um problema.

Muitas dessas demandas, em nível federal, estadual e municipal, por vezes nem chegam ao conhecimento do Poder Concedente que pode se ver refém de múltiplas demandas, embora meritórias, porém impagáveis.

Contratos desequilibrados afastam bons jogadores e são uma conta futura para toda a sociedade.

Prever mecanismos de autocontenção, aferição de impacto, forma e tempo de reequilíbrio são instrumentos importantes que merecem ser contemplados nesta necessária revisão.

“A gente acerta depois”

O sofisma de que tudo, questão prevista ou não na matriz de risco, se resolve num processo de reequilíbrio precisa ser endereçado.

Lido com uma das mais competentes agências reguladoras do país, a ANAC, e mesmo ciente dos esforços e compromissos da equipe técnica, a capacidade e velocidade de processamento de pleitos de reequilíbrio está abaixo do necessário para manutenção da higidez financeira adequada.

Além de quadros reduzidos de pessoal e acúmulo de funções, os servidores ainda precisam lidar com uma “espada de Dâmocles”, sob cada avaliação e eventual deferimento de pleito, com todos os (perversos) incentivos ao conservadorismo e interesse de assumir o menor risco pessoal possível.

Imaginem essa situação em contratos com entidades subnacionais, em que a capacidade de processamento padece de maior deficiência.

Para encaminhar uma solução aqui, é necessário que esteja previsto legalmente mecanismos céleres, concomitantes ou prévios, de recomposição e que ainda possam ser ajustados ao longo da vigência contratual e corrigidos em eventos anuais de reajuste de revisão, depois de melhor identificados os impactos. Ao mesmo tempo, é fundamental que os servidores estejam protegidos de investidas posteriores, a não ser que se comprove dolo ou erro grosseiro.

“Muitos cozinheiros estragam a sopa”

O Brasil é pródigo na quantidade de órgãos e entidades que se multiplicam em diferentes níveis federativos e que possuem atores simultâneos, por vezes lutando pelo protagonismo, em um mesmo cenário.

Aqui, no universo dos aeroportos, ocorrem situações pitorescas, para não dizer tragicômicas, em que a atuação isolada de um agente público pode comprometer a prestação de serviços para uma coletividade. Já vivemos por aqui ameaças de fechamento de aeroporto, a partir de conceitos pessoais e apartados de normas e padrões internacionais e de cumprimento obrigatório.

Muitas dessas situações sequer chegaram ao conhecimento do regulador e causaram um esforço na contenção de medidas que sequer deveriam existir.

Não se trata, de forma alguma, de diminuir a importância de competência de atuações legítimas e de conformidade com a Lei, mas de permitir uma centralidade de atuação.

Contratos são firmados com o Poder Público que não pode se apresentar como Ladon, dragão mitólogo de cem cabeças que protegia o Jardim das Hespérides. Ao contrário, há de se ter unicidade decisória, capacidade de coordenação e priorização.

Por esse motivo, é importante que a revisão da lei permita que a proposição de medidas de interrupção ou suspensão dos serviços concedidos sejam, obrigatoriamente, submetidas e chanceladas perante o regulador do contrato. Este por conhecer, com especificidade, a natureza do serviço, bem como as implicações das medidas restritivas é que deve ser o decisor de medidas de tal impacto.

Enfim, há o que se aprimorar. As concessões fizeram muito e podem fazer mais. O esperado e necessário upgrade, ao final, será para todos nós, embarcados nessa aeronave chamada Brasil.

* Fábio Rogério Carvalho é presidente da ABR Aeroportos do Brasil e ex-diretor da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).

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