02/09/2025 | 12h57  •  Atualização: 02/09/2025 | 13h06

Opinião – Reforma tributária e seus impactos em contratos de infraestrutura de transportes

Letícia Queiroz de Andrade*, Eduardo Boulos e Rafael Vegas**

A reforma tributária, cuja lei está vigente em fase de regulamentação, representa uma das transformações mais importantes no cenário econômico brasileiro em décadas. No campo da infraestrutura de transportes, sua implementação traz desafios e gera impactos diretos sobre a estruturação e a gestão de contratos de concessão e PPPs, que podem ter consequências também para os usuários desses serviços. 

Isso porque a carga tributária incidente sobre esses contratos é estimada no momento da realização dos leilões e projetada por seu longo prazo de duração, que raramente é inferior a 25 anos. A simplificação de tributos, a mudança no regime e na lógica de tributação exigirão das concessionárias e do poder concedente uma reavaliação dos modelos financeiros e eficiência na condução de processos de reequilíbrio dos contratos.

São três os principais impactos nos contratos de concessão e PPPs. O primeiro é uma provável alteração na logística de transporte. Antes da reforma, a tributação era feita na origem, isto é, no local de produção. Agora, passará a ser no destino, ou seja, onde se consome o bem ou serviço tributado. É o fim da “guerra fiscal” entre os estados. As localidades que só geravam fluxo de cargas e pessoas por serem sede de benefícios fiscais deixarão de ser atrativas e deve haver um incremento de tráfego nos locais de maior atividade econômica e que contêm terminais logísticos.

Com isso, o tráfego nas rodovias, ferrovias e de outros modais de transporte poderá ser maior ou menor, em função dessa alteração na lógica de tributação. Isso terá de ser considerado tanto na estruturação de novos contratos como nos já celebrados e que sejam especialmente sensíveis a essa mudança logística.  

A reforma criou alguns fundos para compensar os estados que perderão arrecadação, entre eles o FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional), cujos recursos poderão ser utilizados para estudos, projetos e obras de infraestrutura. Ou seja, a alteração da lógica de tributação para o destino privilegia a economia real e o desenvolvimento da infraestrutura brasileira.

O segundo impacto refere-se ao fim do regime cumulativo, em que a carga tributária ficava isolada no CNPJ das concessionárias. Com a reforma, passa a ser relevante a tomada e a transferência de créditos tributários pela cadeia de fornecedores e consumidores dos serviços prestados por elas. Essa mudança provoca uma alteração no modelo de negócio das concessionárias, dando mais ênfase às relações com fornecedores e usuários que, cada vez mais, passam a ser tratados como clientes.

Por último, a mudança com maior impacto imediato é o aumento da alíquota dos tributos instituídos pela reforma. Embora não se saiba ainda de quanto será esse aumento, é certo que ele virá e que não será irrelevante. Também é certo que essa alteração afetará o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

A lei que instituiu a nova tributação é expressa quanto à necessária recomposição do equilíbrio contratual, mas a previsão legal refere-se aos contratos “cuja proposta tenha sido apresentada antes” de sua vigência, ou seja, 16 de janeiro de 2025. Embora o dispositivo legal atrele o reequilíbrio previsto em lei à vigência da lei complementar que instituiu os novos tributos, não há reequilíbrio cabível antes de que a nova sistemática de tributação se efetive, ou seja, a partir de 2027, de modo que a previsão legal deve ser interpretada nesse sentido.

Além disso, a lei estabelece que o reequilíbrio deve ter por base a “carga tributária efetiva”. Isso significa que os processos de recomposição não levarão em conta apenas a mudança de alíquota dos tributos, mas a carga tributária que resultar dos créditos tributários que beneficiarão a concessionária, o que torna a metodologia de cálculo dos reequilíbrios mais complexa. Recomenda-se, portanto, antecipação no desenvolvimento de modelos econômicos que possam ser utilizados para cálculo dos valores devidos sem gerar um fardo regulatório impossível de ser carregado ao longo dos anos.

De todo modo, caso a neutralidade tributária visada pela reforma se confirme na prática, isto é, se, após a fase de transição, a carga tributária efetiva não venha a ser majorada após a reforma, por haver uma compensação entre a nova sistemática de créditos tributários e o aumento da alíquota dos tributos, não teremos problemas em relação aos novos contratos. Mas será necessário reequilibrar os contratos em curso, assim como aqueles que estão em fase de gestação, cujos modelos financeiros basearam-se no sistema tributário anterior à reforma.

As estimativas feitas até agora em relação a esses contratos indicam resultados bem diferentes em função dos momentos de efetivo vigor da nova tributação e execução dos ciclos de investimentos previstos nos contratos. Isso porque, o momento de realização dos investimentos permitirá ampla tomada dos créditos tributários previstos na reforma. Assim, caso a reforma entre em vigor antes da realização de um ciclo pesado de investimentos, o valor dos créditos deve neutralizar ou até mesmo superar o impacto decorrente do aumento da alíquota dos tributos a serem pagos.

Nessa hipótese, pode não haver reequilíbrio ou o reequilíbrio pode ser favorável ao Poder Concedente, com provável redução do valor das tarifas. Em sentido contrário, caso a reforma entre em vigor após a conclusão de um grande ciclo de investimento, a concessionária não poderá se valer desses investimentos para obter créditos tributários e seu fluxo de caixa será afetado em cheio, isto é, sem compensações, pelo impacto decorrente do aumento da alíquota. 

A lei que institui a reforma prevê, como solução para esse problema, o aumento das tarifas. A lei também é clara no sentido de que essa recomposição deve ser rápida e autoriza a adoção imediata de soluções para essa recomposição, ainda que provisórias, e estabelece o prazo de 90 dias para que seja implementada uma solução definitiva. A efetivação dessas previsões legais no tempo previsto deve ser suficiente para proteger o fluxo de caixa da concessionária, o que é vital para assegurar a continuidade e qualidade dos serviços prestados. No entanto, pode provocar uma elevação no valor das tarifas, o que pode gerar grande insatisfação da população.

Além disso, enquanto não forem reequilibrados os contratos, ou as regras para tanto não forem claras ou conhecidas, haverá severo impacto no mercado secundário, isto é, na compra e venda do controle acionário das concessionárias. O bom funcionamento do mercado secundário é essencial para que investidores financeiros tenham interesse no mercado primário, das licitações, porque, para esse perfil de investidor, a possibilidade de alienação posterior dos ativos em boas condições de mercado é fator determinante para sua participação nos leilões. 

Ninguém questiona o tremendo avanço institucional da reforma tributária para o país. O Brasil possui uma das mais modernas regulações do mundo para o enfrentamento desse tipo de situação, com bons avanços recentes nas soluções consensuais, inclusive no âmbito dos tribunais de contas. Mas, particularmente no setor de concessões de logística, temos um dever de casa para resolver. A capacidade de antecipar e solucionar problemas com agilidade será crucial para preservar a previsibilidade e a segurança do ambiente regulatório, que propiciam a implementação das muitas obras e projetos que farão o Brasil crescer mais.

*Letícia Queiroz de Andrade é sócia-sênior do Queiroz Maluf Reis.

**Eduardo Boulos e Rafael Vega são sócios do Cascione Advogados.

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