Roberto Rockmann*
O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, disse nesta quinta-feira (23) que a empresa irá disputar cada metro cúbico e milhão de BTU de gás natural existentes no mercado com o melhor preço, e que essa política de precificação dependerá da quantidade, local de entrega e do cliente.
O recado foi dado por Prates em evento da FGV Energia poucos dias depois de o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmar que o governo enviará uma MP (Medida Provisória) ao Congresso Nacional com o objetivo de aumentar a oferta de gás no país utilizando outra estatal, a PPSA (Pré-Sal Petróleo SA), que ficaria responsável até mesmo pela construção de gasodutos.
Entre 2024 e 2027, a Petrobras deverá aumentar sua oferta em mais de 50 milhões de metros cúbicos por dia com novos projetos de gás e biometano entrando em operação. “É um gás para não depender de importação e eu vou baixar os preços, se precisar, e se isso render reclamação no órgão de concorrência em vou me defender e dizer que estou praticando o preço porque eu posso”, disse.
A tarefa de fiscalizar os preços é do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Superintendência da ANP tem atribuição apenas de monitorar os preços e identificar problemas.
Regulação é infralegal, diz Prates
Prates também frisou que já está conversando com transportadores, como a NTS e a TAG, para participar dos processos de licitação de novos gasodutos, caso eles saiam mesmo do papel. As afirmações foram uma parte da resposta à ex-diretora geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo) e coordenadora da FGV Energia, Magda Chambriard, que questionou Prates se a estatal poderia voltar a ser maestro no setor. “Esse é o dilema, agora muitos perguntam se voltaremos a ser maestros ou saímos, o maestro é o governo, que tem o CNPE e o Ministério, a ANP tem de implementar”, disse.
Prates apontou que houve uma inabilidade de sucessivos governos desde o fim dos anos 1990, com a efetiva operação do Gasbol (Gasoduto Brasil Bolívia) de regular a abertura do mercado. “Monopólio natural não é para quebrar, mas para regular, não se trabalhou no empoderamento da Agência Nacional do Petróleo para trabalhar em medidas infralegais. Regulação é infralegal”, disse. “Você pode ter 3,4 novas leis do gás, Brasduto, e não vai resolver nada.”
Para ele, a mudança de governo abre a possibilidade de se repensar o que não funcionou. “O transporte foi repassado para terceiros, a Gaspetro também, só falta alguém mandar pegar os campos do pré-sal e dizer para alguém que não nós operar. Que culpa tem a Petrobras de ser tão boa em explorar óleo e gás?”, questionou a plateia.
Dúvidas do mercado
A postura da Petrobras no mercado de gás deixa rivais e industriais com dúvidas. Um dos símbolos da abertura ano passado – as chamadas públicas de distribuidoras de gás do Nordeste buscando supridores e a Petrobras tendo se ausentado desse mercado – deve ser história, com a Petrobras voltando a prospectar negócios na região, que responde por um quinto do mercado de gás do país.
Dados do diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia, apresentados no evento da FGV Energia apontam que os preços médios dessas chamadas públicas no Nordeste ficaram 18% abaixo dos da Petrobras. “Mas a Petrobras fala que vai baixar para ganhar mercado porque pode, vai mesmo?”, questiona-se um dos que assistiram à distância ao debate.
Venda dos gasodutos de transporte
Executivos que ouviram o discurso ficaram inclinados a entender que, na área de transporte de gás, a (TBG) Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil, com participação de 51% da estatal, não será vendida. A TBG ganha importância em um momento em que o trecho sul do Gasbol poderá ser ampliado, para aumentar a oferta para os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Como ficará o programa Gas Release, leilões que a Petrobras poderia fazer para liberar gás para o mercado e que foram apontados como uma das diretrizes a serem levadas adiante por Resolução do ano passado do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética)?
Estudo da da consultoria The Brattle Group, apresentado semana passada em evento da Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia) aponta que para que o Brasil chegue a um nível adequado de competição e atratividade de investimentos no setor de gás natural seria preciso que a Petrobras deixe de ter os 90% de participação que tem hoje e chegue a algo em torno de 25%, nos próximos cinco anos. Uma das orientações do estudo é de que o país precisará de um programa de desconcentração de oferta.
“A experiência internacional indica que o Brasil também precisará de um programa significativo de Gas Release com suporte e adequação das regulações estaduais para reduzir o poder de aquisição de gás das distribuidoras e possibilitar que consumidores possam acessar diretamente o gás que poderá ser liberado através deste programa”, aponta o estudo.
MP do Brasduto
Outra dúvida é a participação da Petrobras na MP (Medida Provisória) que o governo estuda para criar um programa para trazer o gás natural para a costa brasileira e que terá a PPSA como ponto fundamental. A ideia seria fazer um swap do óleo cru, que já é da União, pelo gás natural. No mercado, se batizou a medida provisória de MP do Brasduto.
Discute-se que uma das ideias que poderão ser avaliadas pelo governo federal é a mudança do estatuto da PPSA, para que ela possa executar e investir em projetos de escoamento de gás do pre sal. Parte da demanda viria das térmicas da Eletrobras (ainda faltam 6 GW a serem licitados).
Como o cliente real desse gás são as distribuidoras, elas comprariam esse gás para revender para as térmicas. A dúvida é se esse projeto realmente sairá do papel, se a Petrobras poderá ser investidora dessas térmicas e se ela poderia participar de projetos de transporte.
Outra incógnita não se refere à Petrobras, mas à participação da Cosan, que tem presença em distribuição e comercialização, é acionista da Vale e está envolvida em uma das discussões regulatórias mais importantes do setor de gás: a definição do gasoduto Subida da Serra, em São Paulo, que interligaria um terminal de regaseificação e uma nova unidade de processamento de gás natural, diretamente à malha de distribuição da Comgás, da Cosan.
Hoje o assunto está cercado em uma ampla discussão regulatória e jurídica se o gasoduto é de transporte ou de distribuição. É um assunto que envolve bilhões de reais sobre a mesa. As indústrias buscam que ele seja classificado como de transporte. De outro, a Comgas busca que ele seja incorporado ao seu portfólio, sendo considerado de distribuição.
O projeto poderá permitir que o gás do Terminal de GNL do Porto de Santos tenha acesso à malha de distribuição de gás de São Paulo
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.