Proposta de mudança da Lei de Portos acaba com indicação de modicidade tarifária e exclusividade para contratar mão de obra

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

A Comissão Especial de Juristas criada pela Câmara dos Deputados neste ano está propondo a implantação de uma nova lei de portos no país, extinguindo a lei aprovada em 2013, com mudanças expressivas no funcionamento do setor.

proposta inicial à qual a Agência iNFRA teve acesso, e que ainda pode sofrer alterações antes da versão final, propõe maior liberdade para os terminais que operam em portos públicos na realização de investimentos e na cobrança dos preços aos usuários, além de ampliar o prazo de todos os contratos existentes para até 70 anos.

Também acaba com a exclusividade na contratação de mão de obra nos portos públicos, esvazia o poder do Ministério de Portos e Aeroportos, repassando as principais competências para a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e para as autoridades portuárias, e amplia os poderes dos CAPs (Conselhos de Autoridade Portuária).

Em seu relatório, o desembargador Celso Peel, que é o relator da comissão denominada Ceportos, defende que a mudança é necessária porque o setor portuário enfrenta “desafios significativos, incluindo a burocracia excessiva, a falta de segurança jurídica e a necessidade de modernização”, e informa que “esses fatores impactam diretamente a eficiência das operações portuárias e a atração de investimentos”.

Também defende que, para a elaboração da proposta, “foram ouvidos de forma exaustiva representantes de todas as partes que compõem o sistema, particularmente, representantes das classes trabalhadoras e empregadoras”.

No entanto, a proposta apresentada é motivo de críticas tanto do setor patronal como dos trabalhadores ouvidos pela Agência iNFRA. Ela não é a versão definitiva. Os participantes da comissão estão enviando sugestões de mudanças que serão apreciadas até a entrega de um relatório final previsto para o dia 23 de outubro.

O relatório indica que o texto está baseado em princípios como o “consensualismo, a segurança jurídica, a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano” e que as diretrizes para isso foram a descentralização, a desburocratização e a simplificação.

Seguindo essas diretrizes, o relatório informa que retirou “a necessidade de aplicação do princípio da modicidade e publicidade aos preços praticados nos portos públicos, para dar ao arrendatário/concessionário a possibilidade de competir em iguais condições com o porto privado”.

O setor portuário funciona num modelo que se assemelha a um shopping center. As autoridades portuárias, públicas ou concedidas, são os donos do shopping que alugam (arrendam) lojas (terminais) para empresas privadas operarem (movimentarem cargas). Nesse modelo, as autoridades portuárias cobram o arrendamento dos terminais, mas esses têm liberdade para cobrar dos seus clientes.

Serviços públicos
No entanto, a lei atual refere-se a esses serviços prestados pelos arrendatários como públicos e, por isso, submetidos a regras de qualidade de prestação e preços módicos, entre outras. E isso gera dezenas de conflitos sobre preços, que acabam tendo que ser arbitrados pela agência reguladora.

Os terminais arrendados também poderão fazer investimentos por sua conta e risco e sem reversão de bens ao fim do contrato. Hoje a empresa tem que pedir autorização da agência para fazer grandes investimentos, a qual faz várias análise sobre necessidade, interesse público, custos e outros. E esses investimentos são revertidos ao patrimônio público ao fim do contrato.

“Uma das motivações para conceder ou arrendar infraestruturas ao setor privado é que este conhece melhor as necessidades do negócio, inclusive os investimentos requeridos, do que o setor público. Não faz sentido que se demore um tempo enorme para o regulador avaliar o investimento e apenas aí conceder a autorização para investir”, escreve o desembargador para defender a proposta.

A agência ficou mais empoderada nesses conflitos, já que estão sendo propostos delineamentos na lei que determinam ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) que informe a ela, por exemplo, casos que foram denunciados ao órgão de defesa da concorrência.

70 anos para todos
Todos os contratos de terminais portuários poderão ter até 70 anos de prazo. Esse prazo passou a valer para novos contratos a partir de um decreto de 2017 e a ideia é incluir isso em todos os contratos, mesmo os assinados anteriormente a 2017 e que tiveram previsão explícita de prazo menor, o que dependerá de avaliação da ANTAQ.

A proposta também empoderou a agência dando a ela o poder concedente, atualmente com o Ministério de Portos e Aeroportos. Segundo o relatório, “atualmente, a única agência reguladora que não funciona como Poder Concedente é a Antaq. Esta mudança corrige esta distorção”.

As autoridades portuárias locais também ganharam mais poderes, com autonomia para realizar suas próprias licitações, por exemplo. É uma mudança profunda em relação à lei de 2013, que indicou a necessidade de centralização desses poderes no ministério sob o argumento da época de que as comunidades locais dominavam os portos e impediam a concorrência.

Também está sendo criado um modelo mais facilitado de contratação por parte dessas estatais e colocada na lei a permissão para que possa ser feito um programa de concessão de dragagens. Os CAPs mantiveram sua função de órgão consultivo da autoridade portuária, mas terão mais poderes, como sabatinar diretores indicados (também de maneira consultiva).

Profundas mudanças na mão de obra
O que era apontado por quem acompanha o setor como o principal motivo para a criação da Ceportos, a mudança nas regras de contratação de mão de obra portuária, foi concretizado, fazendo profundas mudanças em relação a esse tema, o que está levando os trabalhadores do setor a convocação de uma greve para o dia 22 de outubro (reportagem abaixo).

Os portos públicos são obrigados a contratar trabalhadores para grande parte dos serviços do cais e do navio junto a uma organização denominada Ogmo (Órgão Gestor de Mão de Obra). As empresas reclamam que a contratação obrigatória nesse órgão cria problemas para o gerenciamento, além de custos excessivos e baixa produtividade.

Na lei de 2013, houve a tentativa de acabar com a exclusividade, mas os trabalhadores portuários conseguiram se mobilizar e não só mantiveram como ampliaram as hipóteses de contratação exclusiva. Desde então, organizações patronais tentam derrubar esse dispositivo legal na Justiça, sem sucesso.

Fusão de categorias
A proposta da Ceportos não só acaba com a obrigatoriedade, como permite que empresas privadas e cooperativas possam fornecer mão de obra avulsa (não fixa) para os trabalhos portuários. Além disso, tira várias categorias de trabalhadores dessa relação, além de determinar que ao longo do tempo elas terão que se fundir em uma única. 

“A obrigatoriedade de se contratar exclusivamente trabalhadores com registro no OGMO representa um gargalo no processo de modernização do setor, incompatível com as demandas atuais do setor portuário, na medida em que dificulta incrementos de eficiência gerados pela automatização”, informa o relatório.

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