Quitação não litigiosa de multas nos contratos de concessão do Estado de São Paulo

Guilherme F. Dias Reisdorfer* e Jolivê Alves da Rocha Filho**

Em 26 de janeiro deste ano, a Secretaria de Parcerias em Investimentos do Estado de São Paulo publicou a Resolução SPI 1/2024, que prevê aplicação de circunstância atenuante para o encerramento de processos sancionatórios relativos a concessões estaduais.[1]

A circunstância atenuante decorre da manifestação espontânea, pela concessionária, de interesse na realização da quitação não litigiosa, de modo a possibilitar descontos variáveis nas multas a serem quitadas e o encerramento dos processos sancionatórios correspondentes.

A redução do valor será de 30% caso a concessionária manifeste interesse na quitação litigiosa no prazo de apresentação da defesa administrativa. Nessa hipótese, a manifestação de interesse na quitação litigiosa substituirá a defesa administrativa. O desconto será de 20% caso seja apresentada após defesa administrativa, mas antes de proferida decisão condenatória; e de 10%, caso a apresentação ocorra após a condenação da concessionária e antes de decisão em recurso administrativo.

Para ser acolhida, a manifestação de interesse na quitação não litigiosa da multa deve conter três requisitos: (i) indicação da infração contratual, (ii) reconhecimento do cometimento da infração e (iii) opção por uma das modalidades de quitação não litigiosa (art. 4º, incisos I a III).

Quanto ao primeiro requisito, a Resolução admite que a manifestação recaia sobre uma ou várias multas. Autoriza, ainda, em situação especial e admitida até 31 de dezembro de 2024, manifestação da concessionária para “quitação global de todas as multas objeto de processos administrativos sancionatórios instaurados em seu desfavor” (art. 14).

O segundo requisito suscita debate, ao menos no tocante à sua literalidade. Segundo o art. 4º, inc. II, a manifestação deve indicar que a concessionária reconhece-se como infratora e que renuncia ao direito de discutir a penalidade em seara administrativa, judicial e arbitral, caso a circunstância atenuante seja aplicada.

A única interpretação possível consiste em considerar que tanto a declaração (acerca da infração) quanto o ato de vontade (renúncia) são condicionais. Ou seja, a declaração não pode ser qualificada como elemento probatório. Não equivale a confissão sobre fatos, nem a avaliação jurídica sobre a potencial ilicitude. Trata-se apenas de manifestação de interesse de transigir.

Assim se dá em razão do propósito específico da manifestação e da possibilidade de sua rejeição, inclusive por razões alheias à concessionária (como por invocação do interesse público). A rejeição da manifestação deve ser feita para todos os fins. Assim, o ente público não pode valer-se da rejeição da manifestação para suprimir as garantias do devido processo. A ampla defesa e o contraditório subsistirão em sua integralidade, inclusive no tocante à configuração da infração.

Para evitar disputas e que a própria norma seja vista com desconfiança pelas concessionárias, melhor teria sido que, seguindo o exemplo de outros regramentos,[2] a Resolução não tivesse condicionado a manifestação de interesse a um reconhecimento prévio acerca da infração. Tal previsão atrai para o ambiente consensual elemento de caráter inquisitório que pouco contribui para a realização de acordos.

O terceiro requisito consiste na escolha da modalidade de quitação a ser adotada. A norma faculta à concessionária a escolha por três maneiras distintas, que podem ser combinadas entre si: pagamento em dinheiro da multa, compensação de créditos ou por antecipação e inclusão de novos investimentos.

Se a opção escolhida for o pagamento em dinheiro, a autoridade competente estabelecerá um prazo para quitação da multa. Eventual inadimplemento implicará continuidade do procedimento sancionatório e o desconto não será aplicado.

Para o pagamento por compensação, por sua vez, a concessionária deverá apontar créditos que detém em face do Estado. Há certa flexibilidade: os créditos podem ser provenientes de concessionárias pertencentes ao mesmo grupo econômico, não necessariamente vinculados à mesma concessão. No entanto, a compensação somente ocorrerá caso o contrato que deu origem ao crédito seja regulado pelo mesmo órgão que aplicou a multa. Se a autoridade não aceitar o crédito, é possível que o particular indique outro crédito para que haja compensação.

A última modalidade de pagamento compreende a proposta, pela concessionária, de incorporação ou antecipação de investimentos à concessão.

Para a incorporação de novos investimentos, a concessionária deve apresentar projeto de investimento que não esteja previsto no contrato – se o estiver, o processo sancionatório será retomado.

Em caso de proposta de incorporação ou antecipação de investimentos, o Secretário de Parcerias em Investimentos se manifestará sobre a existência de interesse público no caso concreto. Caso sua opinião seja desfavorável à concessionária, o parceiro privado poderá apresentar outra proposta de investimentos ou optar por outra modalidade de quitação não litigiosa.

Caso o resultado financeiro da incorporação ou da antecipação de investimentos seja superior ao valor da multa, considerada a circunstância atenuante, a autoridade deverá recompor o equilíbrio econômico-financeiro, conforme estabelecido pelo contrato para situações de reequilíbrio.

Em oposição, caso o resultado financeiro seja inferior ao valor da multa (também considerada a circunstância atenuante), a concessionária deverá adimplir o valor restante por pagamento em dinheiro ou por compensação de créditos.

Nos casos de pactuação de investimentos novos ou antecipados, deverá ser celebrado termo aditivo, identificando os processos administrativos sancionatórios a que se refere e detalhando a composição do valor da multa. Ainda no caso de incorporação ou antecipação de investimentos, haverá também previsão de penalidades em caso de inexecução do investimento.

A Resolução reflete tendência regulatória mais ampla de adotar soluções consensuais para reduzir o elevado número de processos sancionatórios que marcam as concessões às quais se aplica. Por um lado, a norma endereça os custos dos processos, que sobrecarregam o próprio concedente.

Por outro lado, ela abre espaço para acordos que podem resultar em novas utilidades públicas, como ocorre com a quitação por meio da criação ou antecipação de investimentos na outorga. Ao mesmo tempo, a resolução se peculiariza porque a opção normativa não foi a de disciplinar acordos propriamente substitutivos, mas sim acordos integrativos da decisão de aplicação de sanção. É um modelo, como outros, a ser testado na prática, inclusive para ser aprimorado conforme os resultados que venha a obter.


[1] Especificamente, são as concessões referidas no artigo 12 do Decreto Estadual 67.435/2023, relativas a: I – transporte rodoviário; II – transporte hidroviário; III – transporte aeroviário; IV – transporte coletivo intermunicipal não metropolitano de passageiros; V – transporte metroferroviário; VI – distribuição de gás; VII – saneamento básico em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, além da concessão onerosa de obra no Parque João Doria – Capivari.

[2] A Resolução 5.823/2018 da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), por exemplo, não condiciona o acordo ao reconhecimento da infração: “A apresentação de proposta de TAC e a sua celebração não importam confissão do Agente Regulado quanto à matéria de fato, nem reconhecimento da ilicitude da conduta relativa ao objeto da proposta” (art. 2º, § 3º).

*Guilherme F. Dias Reisdorfer é advogado no escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini e doutor e mestre em Direito do Estado pela USP (Universidade de São Paulo).
**Jolivê Alves da Rocha Filho é advogado no escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini e mestrando em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP (Fundação Getulio Vargas – Direito São Paulo).
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