Maria Virginia Mesquita Nasser* e Bruno Francisco Cabral Aurélio**
Os contratos de concessão e PPP vêm passando por revoluções interessantes desde a promulgação da Lei de Concessões (Lei 8.987/1995). Inicialmente, a maioria dos contratos previa que eventuais reequilíbrios econômico-financeiros das avenças se dariam com base na proposta econômica dos licitantes (mais especificamente, do plano de negócios que a embasava) e na taxa interna de retorno ali estimada.
Mais tarde, os contratos passaram para prever, ao menos para alguns eventos, o reequilíbrio com base no fluxo de caixa marginal. Essa modalidade de reequilíbrio busca isolar o evento causador do desequilíbrio, verificar quais os impactos do evento no fluxo de caixa do projeto em relação ao inicialmente e prevista e neutralizá-lo nesta medida. O método passou a ser implementado juntamente com a adoção de uma matriz de riscos mais detalhada e objetiva para cada contrato.
O mecanismo ganhou força por contribuir para maior precisão nos reequilíbrios, evitando que toda e qualquer perda de receita pelas concessionárias fosse objeto de um pedido de reequilíbrio apresentado aos poderes concedentes. Evitava, também, que licitantes fizessem propostas econômicas baseadas em premissas de custo e rentabilidade excessivamente otimistas, para depois solicitar o reequilíbrio quando tais condições não se materializavam.
O modelo, entretanto, não é isento de problemas e não cabe nesse espaço discorrer sobre todos eles. Mas um deles é particularmente importante para a discussão que aqui propomos. O método de reequilíbrio pelo fluxo de caixa marginal pode ser bastante moroso. Quando feito em relação a eventos passados, demanda uma avaliação cuidadosa do fluxo de caixa da concessionária. Quando relacionado a eventos futuros, pode demandar pesquisas de custos não triviais.
No contexto de grande força institucional dos órgãos de controle, esses processos se tornam ainda mais complexos, pois há temor por parte dos reguladores e concedentes em conceder reequilíbrios considerados indevidos ou excessivos e depois serem responsabilizados por isso.
A demora em decidir pleitos de reequilíbrio é particularmente grave para concessões de serviço público. Por quê? Porque, justamente por envolverem prestação de serviços públicos, que não podem ser descontinuados ou reduzidos (ao menos sem autorização), as empresas que os prestam têm custos fixos altos e constantes.
Um restaurante pode fechar as portas ou reduzir horários de funcionamento durante uma pandemia. Uma linha de metrô, não. Por essa razão, cozinhar a fogo lento os pleitos de reequilíbrio, esperando que o tempo amenize a situação ou leve a um acordo, pode trazer consequências significativas para a saúde financeira da concessionária, que a partir de então enfrentará ainda mais dificuldade para cumprir com suas obrigações contratuais.
Diante desse quadro, algumas inovações contratuais na área de reequilíbrio de contratos de concessão são muito bem-vindas.
A primeira dela é o reequilíbrio automático, que traz fórmulas prontas de cálculo do reequilíbrio a ser pago em certos eventos. Verificado o evento, aplica-se uma determinada fórmula, ficando dispensada a avaliação do impacto do evento no fluxo de caixa da concessionária. O mecanismo não pode ser utilizado para qualquer caso, mas é particularmente útil nos arranjos que criam reequilíbrio por bandas de demanda, por exemplo.
Uma outra inovação é o reequilíbrio cautelar, cuja implementação defendemos desde a pandemia da Covid-19[1]. Nesse caso, o Poder Concedente concede, em caráter cautelar, uma antecipação de parcela do reequilíbrio pleiteado, enquanto avalia o montante exato a ser compensado a título de reequilíbrio econômico-financeiro.
O reequilíbrio cautelar é particularmente útil para casos graves de desequilíbrio, como costuma ser a ocorrência de casos fortuitos ou força maior, pois permite evitar que a concessionária entre em um comprometimento dramático de sua liquidez financeira, perdendo a capacidade de honrar suas obrigações contratuais, o que prejudica a prestação do serviço.
De forma pioneira, o Estado de São Paulo regulamentou o mecanismo de reequilíbrio cautelar neste ano, ao expedir a Resolução 19/2023, da Secretaria de Parceria em Investimentos. Cada coisa tem seu tempo. O dos reequilíbrios, sobretudo quando associados a eventos dramáticos, precisa ser rápido. Inovações que permitam essa agilidade são muito bem vindas, porque garantem serviços públicos bem prestados.
[1] Vide, por exemplo, a discussão sobre reequilíbrios e força maior, que pode ser encontrada neste link, a partir do minuto 41.