Amanda Pupo, da Agência iNFRA
A derrubada da medida provisória que acabava com a isenção das debêntures incentivadas não enterrou a possibilidade de os títulos serem alvo de uma nova tentativa de reformulação pelo governo. O debate é defendido internamente mesmo após a ideia da equipe econômica não vingar no Congresso – e com contornos diferentes a partir de novas contas do Ministério da Fazenda.
Em contraponto, os representantes dos setores que captam recursos para investimentos com esse tipo de papel alegam que o raciocínio feito pela pasta não se sustenta tanto pela lógica da gestão fiscal quanto pelos efeitos indiretos que o benefício gera para a economia e para a arrecadação.
O sinal do Executivo tem sido dado pelo secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron. Ele reconheceu que a discussão não é “trivial”, mas indicou que, na sua avaliação, uma alocação direta de subsídios para o setor de infraestrutura seria mais eficiente e resultaria menos custo se comparado ao gasto público gerado pelas debêntures incentivadas, que se tornaram uma das principais fontes para o segmento se financiar.
Criada em 2011, a debênture incentivada concede isenção de imposto de renda ao investidor. Assim, o setor consegue captar a um juro mais baixo. O mecanismo é considerado um sucesso e bate recordes de emissão ano a ano (veja mais abaixo).
No entendimento do Tesouro, o problema está na competição desses papéis com os títulos da dívida pública, em especial os atrelados à inflação (IPCA), com destaque para a chamada NTN-B. Para competir e conseguir continuar rolando a dívida pública, o Tesouro precisaria oferecer taxas mais atrativas para o investidor nas emissões de longo prazo.
Isso, na avaliação do órgão, tem ajudado a distorcer a curva de juros e encarecido mais o custo para o governo se financiar – para além da perda de arrecadação gerada pela renúncia do IR. Nas contas de Ceron, esses gastos somados podem chegar a R$ 60 bilhões ao ano.
E, ao abrir a curva de juros de longo prazo, o referencial para as próprias debêntures fica mais caro, indicou o secretário. “O mercado como um todo está pagando 7,3%. As incentivadas estão pagando agora 90% de 7,3%, 7,5%. Então, no final das contas, está todo mundo pior. Parece que você está levando uma vantagem por emitir a 90% de uma taxa de referência, só que essa taxa de referência subiu”, disse Ceron na semana passada em painel do Fórum Nacional de PPPs 2025.
Ele ainda citou um efeito rebote sobre a TLP (taxa de longo prazo), que lastreia grande parte do financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A diferença entre o remédio e o veneno está na dosagem, avaliou o auxiliar de Fernando Haddad. “Sou super militante do setor de infra, mas estou evidenciando um problema. É um debate que precisa começar a ser feito”, disse.
“Se eu fosse dar um subsídio direto para o setor, seria melhor para todo mundo. R$ 60 bilhões de subsídio direto para o setor de infraestrutura seria melhor do que o benefício que ele tem da incentivada. [O incentivo] está ficando no meio do caminho, no que chamamos de custo perdido. Estamos perdendo um recurso além do necessário”, afirmou.
Tesouro tem problemas maiores
Para o setor, contudo, o Tesouro está atribuindo às debêntures incentivadas um problema que é muito mais conjuntural e atrelado ao alto patamar da taxa juros, de 15% ao ano, do que é efetivamente gerado por esses títulos. A Selic nas alturas, por sua vez, está conectada à desconfiança do investidor sobre os rumos fiscais e o engessamento orçamentário – que são questões estruturais.
Em primeiro lugar, o estoque de debêntures incentivadas, que não chega a R$ 400 bilhões, ainda é menor que de outros títulos incentivados, como os agrícolas (LCAs e CRAs) e imobiliários (LCIs e CRIs), argumenta o presidente-executivo da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), Venilton Tadini.
Sobre o argumento de que as emissões das debêntures incentivadas têm crescido a um ritmo acelerado, ele defende que é responsabilidade do governo fazer escolhas de política pública e separar setores que ainda precisam de algum tipo de benefício e outros que já foram fortemente atendidos.
“Se você tira o volume que tem hoje de LCI e LCA, já abre espaço tranquilamente para subir, por exemplo, 20% o volume das debêntures”, afirmou Tadini, que já foi diretor do Tesouro Nacional.
Segundo os dados mais recentes da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), o volume de ofertas de debêntures incentivadas atingiu R$ 19,7 bilhões em outubro, o maior patamar mensal na série histórica.
Foi uma expansão de 25,1% na comparação com o mesmo mês do ano passado. De janeiro a outubro, as emissões somaram R$ 133,3 bilhões, também recorde, um aumento de 19,2% ante o mesmo período de 2024.
Ex-secretário do Tesouro Nacional que também atuou como chefe da Dívida Pública no órgão, o diretor de Planejamento e Economia da Abdib, Roberto Guimarães, afirmou que o “maior culpado” pela distorção alertada pelo Tesouro é a taxa de juros a 15% ao ano, e não a debênture incentivada. A expectativa, por sua vez, é de que o BC (Banco Central) inicie em 2026 um ciclo de cortes na Selic – embora sua dimensão ainda não esteja clara.
“No futuro vai ter mais emissão de debênture porque o pipeline de projetos é grande? Vai. Mas também o juro vai cair. Pode aumentar a pressão por um lado e reduzir a pressão por outro porque a taxa de juro nominal da economia vai cair”, disse Guimarães à Agência iNFRA.
Espaço fiscal mal utilizado
Quando a extinta MP 1.303 foi enviada ao Congresso, finalizando a partir de 2026 a isenção total dos papéis incentivados, a entrada das debêntures no texto foi defendida pelo governo especialmente como uma medida isonômica – já que, em volume, as LCAs e LCIs seriam mais relevantes e problemáticas para a equipe econômica.
O setor de infraestrutura foi um dos primeiros a conseguir tirar o fim da isenção do relatório que seria votado pelos parlamentares. O argumento do BNDES a favor do papel pesou, assim como o argumento de que, diferente do que acontece nos outros títulos, o dinheiro captado pela debênture incentivada é carimbado para uso restrito nos projetos de infraestrutura.
Desde que a MP foi integralmente enterrada, por sua vez, declarações de que as debêntures incentivadas estariam distorcendo a curva de juros ganharam fôlego, em especial pelo comportamento das taxas pagas nas NTN-B nos últimos meses. No radar ainda estão as debêntures de infraestrutura, outra classe do título que dá isenção para o emissor – criada em 2024 de olho no investidor institucional – e que ainda nem começou seu ciclo de emissões.
O custo da dívida pública brasileira é hoje a maior pressão que a equipe econômica ainda não conseguiu endereçar, mesmo após a criação do novo arcabouço fiscal. Exceções à regra fiscal e o elevado patamar de juros pioraram as projeções para a dívida, apesar das previsões de o governo voltar a fazer superávits primários – ou seja, arrecadar mais do que gasta.
Para Tadini, da Abdib, em vez de mexer em “time que está ganhando” – que seria o modelo de financiamento do setor de infraestrutura –, o governo deveria focar em corrigir problemas que estão afetando a credibilidade do investidor no futuro fiscal, como é o caso da fatia cada vez maior de emendas parlamentares que saem do orçamento federal.
“Jogamos pela janela R$ 50 bilhões de emendas parlamentares, que não estão vinculadas a prioridades públicas, que não estão ligadas a programas de desenvolvimento”, afirmou Tadini durante o painel do qual participou Ceron.
Em conversa com a reportagem, ele também chamou atenção para as medidas do governo que, segundo ele, afastam o capital estrangeiro, prejudicam a balança de pagamentos e têm efeito sobre o resultado nominal, como a tributação de lucros e dividendos remetidos ao exterior. “Isso é perigoso do ponto de vista do câmbio e da nossa situação externa”, disse.
O presidente-executivo da Abdib reconhece que “em alguns casos” há abuso nas emissões de debêntures incentivadas e por isso ele não se coloca contrário a eventuais ajustes regulatórios do título, a exemplo do que aconteceu com as letras e certificados dos setores agro e imobiliário no ano passado. “Ajustes e acertos são da natureza, é verificar as distorções que ocorrem e fazer a normatização e os acertos adequados. Nada contra”, comentou.








