Felipe Cascaes Sabino Bresciani*
A decisão do Congresso Nacional de derrubar os vetos presidenciais à Lei Geral do Licenciamento Ambiental, no que se refere aos dispositivos que tratam sobre saneamento básico, representa, antes de qualquer análise técnica, uma vitória da civilidade contra o atraso. Ao restaurar os dispositivos que dispensam de licenciamento as obras de abastecimento de água e de esgotamento sanitário – ao menos até atingirmos as metas de universalização –, o Legislativo corrige uma distorção histórica que condena milhões de brasileiros a viverem sem acesso a água tratada e sobre o esgoto a céu aberto.
É preciso celebrar essa medida não só com a sobriedade que o tema exige, mas também com a firmeza de quem compreende a realidade do Brasil profundo. Vivemos em um país onde a burocracia estatal, muitas vezes, torna-se o maior inimigo do interesse público. Vivenciamos, ainda hoje em 2025, o paradoxo cruel de exigir licenciamento ambiental, procedimento complexo e moroso, para obras que visam, justamente, proteger o meio ambiente e mitigar os efeitos da ação humana. É como exigir dos bombeiros uma licença prévia para permitir que façam seu abnegado trabalho e apaguem um incêndio em curso.
A exigência do licenciamento ambiental convencional para instalar sistemas de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto atrasa em anos a entrega dessas estruturas, mantendo mortos corpos hídricos importantes e cidadãos doentes, em especial na parcela mais vulnerável da população.
Do ponto de vista jurídico, o argumento de que a dispensa de licenciamento seria inconstitucional não se sustenta diante de uma análise hermenêutica mais profunda e humanizada da Constituição Federal de 1988.
A Carta, que em seu art. 225 garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, também elenca, em seu art. 1º, a dignidade da pessoa humana como fundamento da República, e estabelece, em seu art. 6º, a saúde como direito social. Não há meio ambiente equilibrado nem se efetiva a dignidade da pessoa humana e o direito social à saúde onde não há saneamento básico.
A dispensa de licenciamento para essas obras específicas não fere o núcleo essencial da proteção ambiental. Ao contrário, ela concretiza o princípio da eficiência administrativa (art. 37 da CF) para garantir o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito social à saúde, dando assim concretude à dignidade da pessoa humana.
O Estado não deve criar entraves para si na execução de tarefas urgentes e elementares. Constitucionalidade, neste caso, é garantir que a norma sirva à vida, e não que a vida se curve à norma. A medida, portanto, passa com louvor pelo teste da proporcionalidade: o ganho ambiental e social da aceleração das obras de saneamento básico supera, infinitamente, o risco ínfimo das intervenções de engenharia necessárias à sua execução.
É vital esclarecer à sociedade, ao contrário do que alardeiam ambientalistas, que dispensa temporária de licenciamento para obras de água e esgoto não significa “ausência de regras” ou “vale-tudo”. As obras de saneamento continuarão obrigadas a seguir rigorosos padrões de engenharia, normas técnicas de segurança e regulamentações de uso do solo, bem como os padrões de tratamento e lançamento de efluentes em corpos hídricos.
A derrubada do veto apenas elimina a etapa cartorial, o carimbo prévio que trava o início das obras de expansão, recuperação e modernização das estruturas de saneamento básico. Além disso, a previsão do LAC (Licenciamento por Adesão e Compromisso) para o período pós-universalização é uma evolução moderna, baseada na boa-fé, na confiança e na responsabilidade objetiva do empreendedor, alinhada às melhores práticas internacionais.
O mérito dessa decisão legislativa é imensurável. Estamos falando de acelerar a meta do Novo Marco Legal do Saneamento, que prevê água tratada para 99% da população e coleta e tratamento de esgoto para 90% até 2033. Cada mês ganho sem a via crucis do licenciamento tradicional significa vidas salvas de doenças de veiculação hídrica, leitos de hospital desocupados e crianças com maior capacidade cognitiva e escolar.
Ao derrubar os vetos, o Congresso não apenas simplificou um processo administrativo; ele enviou uma mensagem clara de que a proteção ambiental no Brasil deve ser pragmática e voltada para resultados, não para rituais burocráticos. O meio ambiente agradece quando o esgoto é tratado e a cidadania celebra quando a lei se torna uma alavanca para o desenvolvimento, não um freio de mão puxado. Que venham as obras que possibilitarão a universalização do saneamento básico, pois a dignidade do povo brasileiro não pode mais esperar na fila do cartório.
*Felipe Cascaes Sabino Bresciani é diretor jurídico e legislativo da Abcon Sindcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto).
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.





