Dimmi Amora, da Agência iNFRA
O TCP (Terminal Portuário de Paranaguá), o principal terminal de contêineres do Paraná, teve 131 omissões de navios no ano de 2021, quase uma a cada três dias. O número é quase 10 vezes superior à média de omissões entre 2017 e 2019, e quatro vezes maior que as do ano anterior.
Os dados foram informados pelo diretor-presidente da Portos do Paraná, Luiz Fernando Garcia, à Agência iNFRA, indicando que a maioria das omissões é das empresas que lideram o mercado de transporte de contêineres de longo curso no Brasil, Maersk e MSC, com mais de 60% do mercado.
Ele afirmou que parte dos navios que estavam previstos e deixaram de atender o porto paranaense levaram ou pegaram as cargas nos chamados terminais verticalizados, que são de propriedade desses armadores, em Santa Catarina e em São Paulo. O TCP pertence ao grupo China Merchant Ports, sem armadores no controle.
Colapso no mundo
Após a pandemia de Covid-19, o mercado de transporte internacional entrou em colapso no mundo todo, pelo aumento da demanda e os problemas de restrições operacionais em vários portos do mundo, o que resultou em disparada de preços e problemas de atendimento. Os atrasos e as omissões estão ocorrendo no mundo todo.
As empresas indicam que as escolhas para as omissões ocorrem por razões técnicas, não têm interesse em deixar de atender os clientes, além de terem prejuízos com essa operação. As decisões de não atender, informam, também afetam os terminais verticalizados [texto abaixo].
O TCP é um dos maiores terminais de contêiner do país. Nos últimos dois anos, houve investimentos de R$ 600 milhões em ampliação da capacidade, que passou de 1,5 milhão de TEUs ao ano para 2,5 milhões, e da produtividade.
O número de tomadas para contêineres refrigerados foi ampliado para 10 mil, quase 60% mais que todos os terminais do porto de Santos (SP) juntos. Está preparado para operar contêineres por ferrovia, o que é uma condição rara nos portos brasileiros.
Sem lotação
Luiz Fernando afirma que o terminal é também dos mais eficientes e não registrou problemas de lotação de berços de atracação. Por isso, segundo ele, não se justificam as informações que são dadas pelos armadores de que as omissões não prejudicam só os terminais não verticalizados, também chamados bandeira branca.
“O que vemos aqui é o navio sair de um terminal verticalizado, omitir o TCP e parar num outro terminal verticalizado da mesma empresa logo depois”, afirmou o diretor-presidente da autoridade portuária.
Luiz Fernando disse que entrou em contato com a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) ainda no ano passado para indicar o problema [a posição da agência sobre o tema está em texto abaixo]. Segundo ele, a autoridade portuária sofre com a perda de receitas, mas esse é o menor dos problemas.
Problemas para a indústria
A preocupação é com a perda de produtividade do terminal no futuro e, principalmente, de as indústrias do estado terem que usar uma logística terrestre mais cara, o que pode levar a desistência de negócios novos ou até a abandono de plantas existentes.
A Agência iNFRA conversou com o sócio de uma indústria do estado que utiliza um volume significativo de contêineres ao ano, que pediu para não ser identificado por temer represálias. Segundo ele, é “rotineiro” receber propostas de custos de frete de contêiner mais baixos se utilizar os terminais verticalizados.
No entanto, ele explica que teria que “andar mais” de caminhão para fazer entregar o contêiner nos portos concorrentes do que se deixasse em Paranaguá, que está mais próximo da sua indústria.
O industrial também percebeu aumento de omissões que, segundo ele, causam prejuízos na operação (necessidade de pagar custos maiores pelos contêineres que ficam em espera). Mas o prejuízo maior é com a falta de previsibilidade para entregar as mercadorias prometidas aos seus compradores.
Concentração
João Arthur Mohr, gerente de assuntos estratégicos da Fiep (Federação das Indústrias do Paraná), conta que de fato há um problema generalizado, que impactou aumento do custo do frete em todo o mundo. Mas isso foi agravado pela concentração de armadores.
“No passado, você tinha 20, 25 armadores brigando pela carga. Hoje são quatro que atendem o Brasil”, disse Mohr, atribuindo isso em parte ao problema de “canibalização” dos preços do frete no início da década passada.
Para ele a verticalização amplia ainda mais esse problema. “Não há razão para que um terminal bandeira branca tenha tão menos carga que um verticalizado. A agência tem que trabalhar em cima disso.”
Fiscalização falha
André de Seixas, que preside a Logística Brasil, associação que congrega usuários de terminais portuários, afirmou que as omissões e outros tipos de cobranças abusivas, segundo ele, estão se ampliando em todo o país.
Autor de uma denúncia ao TCU (Tribunal de Contas da União) que obrigou a ANTAQ a iniciar um processo de maior fiscalização do setor de transporte internacional de contêineres, Seixas afirma que a agência evoluiu muito desde então, mas que o modelo de fiscalização adotado segue sendo ineficiente.
“A agência não pode agir só sobre denúncia. Ela tem que registrar e controlar os armadores, fazendo uma fiscalização preventiva”, reclamou o diretor da associação.
Armador aponta que omissões também ocorrem em terminais do grupo
Em nota à Agência iNFRA, a Maersk explicou que “a cadeia de suprimentos em todo o mundo tem sofrido com restrições operacionais desde o início da pandemia, e isto tem gerado um forte impacto nos itinerários de todos os navios, que ficam dias parados em longas filas nos portos congestionados, chegando ao Brasil com sua programação atrasada”.
A empresa justifica que “a omissão em alguns portos tem sido realizada apenas com o intuito de retomar o itinerário dos serviços, de modo a minimizar os impactos dos atrasos para os clientes. Por conta disso, são omitidos inclusive portos em que há terminais nos quais o Grupo Maersk detém participação societária”, diz o texto.
Na nota, a empresa reforça: “As cargas que transportamos sempre são entregues aos clientes, cumprindo com as obrigações acordadas, utilizando outros serviços como feeder”.
“A Maersk segue trabalhando para cumprir os prazos perante esta situação e continua empregando os melhores esforços para implementar melhorias nos serviços. Para isso, tem feito tudo o que está ao seu alcance, incluindo colocar em operação todos os navios disponíveis, realizar manutenções para estender a vida útil dos contêineres e navios, e acelerar o reposicionamento de contêineres vazios.”
A MSC informou que preferia não se pronunciar no momento.
Ocupação baixa
Em nota, o TCP disse que enfrenta desafios desde a pandemia, como todo os terminais do país. Mas lembra que seus investimentos “possibilitaram ao terminal oferecer segurança logística para armadores, exportadores e importadores, absorvendo muitos dos gargalos gerados em toda a cadeia pela crise global”.
Diz ainda que mantém os seus berços de atracação com uma taxa de ocupação baixa, “média de 37% em 2020 e 42% em 2021 – permitindo maior flexibilidade para atracação de navios em seu cais, independente de atrasos ou da programação de escalas”.
“A empresa continua investindo em 2022, tendo previsto mais 20% de aumento em capacidade de movimentação além de R$ 60 milhões na modernização dos gates e na expansão de tomadas para contêineres refrigerados.”
Verticalizados tiveram menos omissões, indica diretora da ANTAQ
A diretora da ANTAQ Flávia Takafashi, que coordena o grupo de trabalho que foi criado em outubro do ano passado para avaliar as questões relativas à movimentação de contêineres nos portos brasileiros, afirmou que os números recebidos pela agência indicam que os terminais portuários verticalizados tiveram menos omissões que os de bandeira branca até o ano passado.
Segundo ela, os dados foram informados pelas próprias empresas e a agência está terminando de fazer checagens para divulgá-los nas próximas semanas. Houve aumento do número de omissões em 2020 e 2021 em todos os tipos de terminais, segundo ela causado pelos problemas internacionais no setor após a pandemia de Covid-19.
A diretora afirmou que a agência está buscando agora apurar com mais profundidade o motivo das omissões, que segundo ela podem não estar ligadas puramente à verticalização, mas também a opções operacionais dos armadores.
A diretora afirmou ainda que a agência ouviu todos os 19 terminais de contêineres do país, isoladamente, além de clientes e armadores, para tentar entender as causas do problema com os contêineres, e a busca foi por “entender profundamente o problema para poder atuar”.
Maior previsibilidade
A ideia, segundo Flávia, é cobrar uma maior previsibilidade operacional dos armadores. Segundo ela, em muito casos, os navios estão atrasados longe do país, mas preferem esperar para comunicar a omissão quando já estão próximos do porto.
Ela descarta que a agência vá atuar contra o processo de verticalização, que segundo ela é uma tendência no mundo, por causa do fenômeno atual, indicando que a verticalização “não é um problema por si só”.
Outra providência, de acordo com a diretora, foi mudar os sistemas da agência para que as omissões a partir de janeiro de 2022 sejam comunicadas dentro do sistema da agência, para que se possa ter um maior controle.
Atuação pelos clientes
Flávia informou que a agência não tem poder para punir as empresas pelas omissões, mas diz que pode atuar para que os clientes não sejam penalizados com taxas pela omissão ocorrida, quando não tiverem responsabilidade.
Segundo ela, a agência age por denúncia quando os terminais cobram dos clientes por custos a mais pela armazenagem do contêiner quando há omissões. Segundo ela, o aumento de denúncias foi inclusive o motivo da abertura do grupo de trabalho.