Armando Castelar*
A prorrogação antecipada das concessões ferroviárias é um item central da política nacional de transportes. A opção por esse caminho veio a público em 2015, ainda no governo Dilma, construindo em cima de experiências semelhantes em portos e eletricidade. Ainda sob Dilma fixaram-se seus pilares, depois fortalecidos pela Lei 13.448/2017. Os governos Temer e, depois, Bolsonaro implementaram desde então essa política, nos moldes previstos em 2015. Trata-se de raro exemplo de continuidade administrativa, de uma política de Estado, e não só do governo de plantão.
O processo começa com a concessionária, que precisa atender certos parâmetros de desempenho, solicitando a prorrogação antecipada. Se esta é ou não concedida depende dos termos negociados com o Poder Concedente, que são submetidos a consulta pública, além de aos órgãos de controle, sendo também objeto de escrutínio de governos subnacionais. Em especial, é preciso mostrar que a prorrogação promove o interesse público e que faz isso de forma mais vantajosa que outras alternativas regulatórias.
Os termos em que a prorrogação acontece são, portanto, fruto de elaborados estudos e muita negociação. O Poder Concedente foca em três elementos básicos: a melhoria operacional e de segurança da ferrovia, que em geral requer novos investimentos; a reformulação do contrato de concessão, para tornar mais eficiente a regulação da concessionária; e o valor da outorga que esta lhe pagará. Claro, é preciso que essas condições não tornem a concessão inviável econômica e financeiramente.
O processo de análise começa com a inclusão da concessionária no PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), por decisão do presidente da República. Isso se deu originalmente via o Decreto 9.059, de maio de 2017, em que foram incluídas no PPI a Rumo Malha Paulista, a Estrada de Ferro Vitória a Minas, a Estrada de Ferro Carajás, a MRS Logística e a FCA (Ferrovia Centro-Atlântica).
Quatro dessas cinco concessões já foram prorrogadas, a última delas há menos de dois meses. Apenas uma, a FCA segue com seu caso em análise, ainda que avançada.
Tenho acompanhado a política de prorrogações antecipadas há alguns anos, aí incluído o caso da FCA, que me convidou a contribuir com estudo para a audiência pública. Nesse período percebi que há diferenças relevantes entre as diferentes concessões e que isso afeta muito os termos em que é possível negociar a prorrogação em cada caso.
A FCA é bem diferente das concessionárias cujos contratos já foram prorrogados. A malha é centenária, distribuída em áreas de ocupação antiga, com grande densidade demográfica e já cobertas por malha rodoviária relativamente densa. Presente na porção central do Brasil, é um importante elo das principais regiões produtoras brasileiras com portos de diferentes estados ao se conectar com outras malhas.
O perfil da carga que a FCA transporta também é distinto. Nas outras quatro concessionárias há forte concentração em um ou poucos produtos de exportação que são produzidos por ou de interesse dos acionistas controladores. Nestas, o principal item transportado responde sozinho por 79% da carga, contra 25% no caso da FCA. Isso facilita as operações, a integração logística e o repasse do custo de transporte para o consumidor final, o que não ocorre no caso da FCA.
Isso faz com que parte da longa malha alocada à FCA no processo de privatização de meados dos anos 1990 tenda a não ser economicamente viável. Isso torna necessário olhar com naturalidade para o processo de devolução de trechos comprovadamente antieconômicos. Também como parte do processo de renovação, estes locais poderão ser destinados a outras finalidades – como trem de passageiros – ou operados por outros players. De uma forma ou de outra, finda-se o problema da ociosidade de parte da malha.
Além da antecipação de investimentos, da realização de projetos estruturantes e de obras de conflitos urbanos, a vantajosidade reside justamente na possibilidade de se redefinir a utilização da ferrovia sob o aspecto técnico. Desta forma, a FCA poderá operar com mais eficiência, sem deixar de cumprir seu papel integrador do país. Cruzando sete estados e centenas de municípios, a Ferrovia Centro-Atlântica poderá também, futuramente, estabelecer um elo com projetos de autorização em curso.
A prorrogação antecipada da FCA faz sentido. Há ganhos importantes a serem obtidos e esperar só vai adiar o benefício que pode ser obtido, sem mudar as condições objetivas da concessão. Mais de cinco anos de preparação e toda a experiência adquirida com as quatro concessões anteriores dão plenas condições para o Poder Concedente seguir em frente com a prorrogação antecipada da Ferrovia Centro-Atlântica.