Reestruturação de concessões rodoviárias vai passar por mais prazo e tarifa escalonada por etapa, indica ANTT

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

As reestruturações de contratos de concessão rodoviária em litígio vão buscar uma antecipação de investimentos para os três primeiros anos, tarifas abaixo das previstas para as relicitações (com escalonamento de aumentos por etapa de execução) e prorrogações de prazos dos contratos em até 15 anos.

Além dessas premissas, as empresas terão que abrir mão de todos os litígios, aceitar entrar num novo modelo de regulação contratual e ter verificador independente fiscalizando as obras, que, se não forem cumpridas no prazo, levarão a processo imediato de caducidade da concessão.

É o que apresentou a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) na última quarta-feira (21) em seu evento de conversa com o setor regulado, o ANTT Day, que pode ser visto neste link, sobre o processo já em curso que busca evitar uma alongamento de problemas nessas concessões que não entregaram investimentos contratados.

Técnicos e diretores da agência admitiram que estão diante de um grande desafio em todos os aspectos, num modelo inédito tanto para eles como para as empresas, e que há muitos passos para serem dados até se fechar algum acordo, o que necessariamente vai passar pelo TCU (Tribunal de Contas da União), lembrou o diretor Felipe Queiroz, que coordenou o painel que tratou do tema.

“Estamos num ambiente institucional diferente que permite esse ineditismo. Mas, como tudo o que é novo, ainda temos bastante incerteza sobre o que vem pelo caminho”, disse Felipe.

O procurador da agência, Milton Gomes, afirmou que o processo será “o maior desafio jurídico da agência” e que algumas “entidades do direito”, como vinculação ao instrumento convocatório e matriz de risco, pesam na hora de fazer esse tipo de negociação.

“Mas eu sempre digo que a realidade acaba sendo mais forte que o direito, e se impõe”, disse o procurador, admitindo que os contratos hoje são “inviáveis” e se está buscando uma saída melhor que “colocar a concessionária para fora”.

Marcelo Fonseca, o superintendente de Concessões da agência, lembrou que a negociação está aberta atualmente com quatro concessionárias, a Via Bahia, a Arteris Fluminense, MS Vias e Eco 101, sendo as três primeiras com processos formais de relicitação em andamento. 

Sem solução pronta
Ele lembrou que não há solução pronta para todos os processos e que “nem tudo vai caber” no modelo que deu origem a esse processo de reestruturação, o da Rota do Oeste, no Mato Grosso. Esse processo iniciado em 2022 foi feito com a participação do TCU e deu origem à Secretaria de Resolução Consensual do órgão, para onde as quatro propostas em análise na ANTT devem ser encaminhadas.

Essa etapa, no entanto, só será cumprida após uma outra, que tinha previsão de ser cumprida nesta quarta-feira (21), com a votação pelo plenário do TCU de uma consulta formulada pelos ministérios dos Transportes e de Portos e Aeroportos sobre a possibilidade de o governo desistir do processo de devolução amigável para relicitação.

O relator da proposta, ministro Vital do Rêgo, retirou o processo de pauta. Apesar de haver pareceres instrutivos dos auditores do órgão apontando para o impedimento dessa “desistência”, integrantes do governo seguem confiantes de que a desistência será aprovada em plenário e também que as exigências para fazê-lo serão aderentes à necessidade de fazer o processo com urgência.

Parte das exigências sugeridas pelos auditores é a realização de estudos detalhados, o que os representantes do governo explicaram aos ministros com quem conversaram que levaria tempo igual ou maior do que o previsto para fazer a relicitação, o que não faria sentido para um processo de reestruturação.

Divulgação: ANTT

Descasamento de investimentos e tráfego
E os motivos para se fazer a reestruturação são urgentes e explicados num gráfico apresentado por Fonseca (link aqui) no evento, que cruza dados de todas as concessões rodoviárias federais. Ele indica que os valores de investimentos a serem realizados pelas concessões problemáticas estão muito distantes do volume de tráfego das concessões que fizeram obras ou das que estão sendo licitadas.

Por isso, segundo ele, é necessário trazer essas concessões para um novo nível de performance, com a reestruturação, o que, para ele, só é possível agora pela mudança na pré-disposição do TCU em apoiar e não mais combater esse tipo de iniciativa.

Preocupação com tarifas
Entre agentes do mercado com quem a Agência iNFRA conversou nos últimos dias, não há dúvidas de que todos os contratos vão precisar das mudanças indicadas pela agência, o que inclui as tarifas mais altas que as atuais, mas menores que as projetadas para uma relicitação das mesmas concessões.

Isso é necessário, segundo um deles, para que seja possível que as concessionárias, que já não gozam de boa saúde financeira, cheguem a índices econômico-financeiros que sejam suficientes para receberem os empréstimos que vão financiar os pesados encargos iniciais.

Interlocutores do ministério que tratam do tema já indicaram que não haveria problemas em alterar as tarifas, contanto que os acordos possam ser realizados e cumpridos. Mas há preocupação dos agentes do mercado com reações políticas a essa diretriz.

Expectativa de estrangeiras
O fato é que o modelo gera grande expectativa, especialmente de empresas que têm acionistas controladores estrangeiros (duas delas envolvidas no atual processo), que, nos últimos anos, têm apontado a falta de soluções regulatórias para esses contratos como motivos para frear investimentos no Brasil.

E é consenso de que a volta delas será necessária. O programa anunciado pela agência na apresentação feita nesta quarta-feira indica que, nos próximos quatro a cinco anos, o volume de rodovias concessionadas federais deve passar dos atuais 13 mil quilômetros para algo perto dos 35 mil quilômetros, ou seja, quase o triplo.

Calendário de leilões
No evento, a agência informou que o leilão da BR-381/MG deve ocorrer na última sexta-feira de outubro, e o da BR-040/RJ-MG, no mesmo dia do mês seguinte, confirmando quatro leilões de concessão rodoviária em 2023 (os dois lotes do Paraná serão leiloados em agosto e setembro).

Segundo Fonseca, o projeto é também lançar edital da concessão da BR-040/MG-GO neste ano para fazer o leilão em 2024. Além dessas concessões, a ideia é mandar em 2023 mais sete estudos para análise do TCU, com expectativa de fazer os leilões em 2024.

Para agilizar a análise, segundo Fonseca, as concessões serão feitas em três lotes com características semelhantes. São eles: três lotes no Centro-Norte, dois lotes do Paraná e dois lotes com rodovias que seriam derivadas de relicitações da atual concessão da Concebra.

5ª Etapa
A  primeira concessão de 2024, a da BR-040/MG-GO, chamada de Rota dos Cristais, marcará o que está sendo chamado na agência de 5ª Etapa de concessões rodoviárias no país.

Fonseca explicou que a denominação é porque ela vai aglutinar uma série de inovações regulatórias que foram desenvolvidas desde a concessão da RIS (Rodovias Integradas do Sul), em 2019, até as deste ano, que ficarão sendo conhecidas como a 4ª Etapa.

Entre as inovações, vão estar presentes uma nova matriz de risco, com previsão de compartilhamento de risco de demanda por bandas, algo que sempre foi considerado um tabu nas concessões rodoviárias e que agora será rompido. 

Milton Gomes, o procurador da agência, explicou que o modelo de transferir todos os riscos ao concessionário, usado até hoje, mostrou-se inadequado e que o compartilhamento não protege o concessionário, mas o contrato em si, que ele comparou a um casamento que precisa de “um bom acordo pré-nupcial” para durar 30 anos.

Maturidade
O diretor-geral da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), Rafael Vitale, afirmou que a agência e o setor regulado já chegaram a um nível de maturidade para acelerar os processos de implantação de infraestrutura que estão atrasados, cobrando das empresas um comportamento que confira urgência a esses processos.

“Não dá para maximizar sempre os ganhos. Tem que compreender que avançar é mais importante do que simplesmente ganhar tudo a qualquer custo”, destacou Vitale.

O diretor disse ainda que o papel do regulador será sempre o de harmonizar interesses e que vai manter o diálogo aberto com as empresas. 

“Mas vamos passar a ser cada vez mais enérgicos nas tomadas de decisões para que a gente possa mostrar que o caminho é esse, é assim que temos que ir e precisamos que todos vão juntos para avançar rápido.”

Durante o evento, o diretor-geral apresentou o ProRev, modelo que prega três revoluções na ação da agência, a regulatória, a tecnológica e a comportamental. Vitale falava da alteração comportamental que é necessária para que o setor evolua.

“É preciso alterar a forma de relacionamento que nós temos com o setor regulado. Sabemos que são negócios, todos os empreendedores têm a sua intenção de ter resultado. Mas não podemos deixar [de ter] em conta, de saber que estamos prestando serviços públicos”, disse Vitale. “Quem entra numa parceria, numa concessão, ou qualquer forma que seja, presta serviço a um cliente. Eles precisam de serviços com qualidade, com segurança. É importante compreender o limite do outro e fazer a estratégia dentro disso.”

Para ele, a maturidade alcançada pela agência e pelas empresas, que segundo ele também vem de demandas do mercado financiador e da sociedade, faz com que se chegue ao ponto atual em que se pode avançar mais rapidamente e ter o “senso de urgência”.

Segundo Vitale, a revolução comportamental está sendo internalizada pelos servidores da agência que sabem que é preciso mudar o comportamento na relação com os regulados, “compreender o que está doendo” para eles e demonstrar “quais os limites”. 

Resolução de conflitos
O diretor-geral anunciou também que iniciou conversas, ainda preliminares, para criar na agência algum mecanismo para resolução de conflitos com os regulados.

“Já deixo spoiler de que estamos buscando ter algum instrumento de solução de conflito aqui dentro da ANTT. Vamos ver depois quais são os detalhes”, disse Vitale, lembrando haver processos na agência sem solução há 10, 15 anos. “Precisamos tomar uma medida enérgica em relação a isso.”

Em entrevista à Agência iNFRA durante o evento, Vitale explicou que recebeu ideias tanto de superintendentes como da procuradoria sobre o tema e que o procurador Milton Gomes deve apresentar nas próximas semanas alguns modelos para iniciar uma proposta de como fazer. Segundo ele, a ideia não é tirar autonomia de nenhuma área, mas dar segurança para tomadas de decisões mais céleres por parte dos servidores.

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