Igor Pereira Oliveira*, Luiz Antônio Vidal Fragoso Júnior** e Adriana Cuoco Portugal***
Ao instituir o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) com o Decreto 11.632/2023, o governo federal pretende ampliar os investimentos no país; estimular o investimento privado; buscar a expansão e a qualificação da infraestrutura; fomentar a geração de emprego e renda, entre outros objetivos.
Contudo, em auditoria que avaliou o PNL (Plano Nacional de Logística) e o PIT (Plano Integrado de Transportes), relacionados com o Decreto 10.526/2020, o TCU (Tribunal de Contas da União) reforçou a importância de previsibilidade e estabilidade das ações governamentais:
“destaco a importância de que o planejamento de longo de prazo do Estado brasileiro, principalmente no setor de transporte, tenha solidez e perenidade. Uma logística adequada depende de previsibilidade e estabilidade nas ações governamentais, o que contribui para a atração de investimentos tão necessários para o aumento da eficiência e da segurança na movimentação de cargas e de passageiros pelo território nacional.” (Acórdão 2.519/2023-Plenário)
O referido trabalho mostrou que as listas de projetos de transporte encaminhadas ao Novo PAC não seguem a ordem de classificação do PIT em andamento. Em geral, o governo federal não comparou os custos com os benefícios sociais para selecionar os projetos, o que aumenta as chances de que sejam destinados recursos para investimentos que não maximizem os benefícios aos brasileiros.
Além disso, constatou-se que a maior parcela dos projetos rodoviários encaminhados ao Novo PAC tem baixo impacto ou sequer tinha sido avaliada pelo planejamento em andamento.
Na prática, a não utilização dos instrumentos de planejamento é um dos fatores que levaram o Brasil a emitir, nos últimos 14 anos, cinco planos nacionais de logística, sendo que cada um foi descontinuado sem ser efetivamente utilizado para direcionar os investimentos dos setores por ele delimitados.
Diante disso, o TCU recomendou o estabelecimento de mecanismos e procedimentos normativos para incentivar o uso do planejamento logístico, como também a submissão de projeto de lei que estabeleça a exigência de critérios mínimos (análises preliminares de custo-benefício social e ambiental) para a inclusão dos projetos logísticos materialmente relevantes nos orçamentos públicos. Objetivou-se, com isso, evitar obras inviáveis ou de baixa viabilidade socioeconômica.
Contribuições do Ibraop
Nesse sentido, o Ibraop (Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas) publicou, em 2023, procedimento para a análise do planejamento, avaliação de alternativas e portfólio de projetos de infraestrutura:
“Esta verificação se faz necessária, pois nas fases iniciais de planejamento, que contemplem a explicitação do propósito e a escolha das alternativas que integrarão os portfólios de projetos em infraestrutura, são realizados os estudos que permitem verificar os riscos e benefícios econômicos, ambientais e sociais”.
A questão é tão importante, que aquele Instituto decidiu levar esse olhar do planejamento para os estados e municípios, realizando um evento (Enaop) que tratará exclusivamente dessa temática, justamente para enfatizar a necessidade de avaliação da infraestrutura de uma forma mais completa.
O problema não é novo
Em 2015 a corte de contas federal já havia feito ressalva quanto à governança do PIL Ferrovias (Programa de Investimentos em Logística – Ferrovias), lançado em 2012 pelo governo federal, com previsão de investimentos da ordem de quase R$ 100 bilhões:
“43. Tendo como foco essa assertiva do órgão, é preocupante imaginar que todo um modelo de outorga do setor ferroviário foi acompanhado de ajustes no sistema jurídico, porém sem os estudos técnicos e econômicos aptos a sustentar minimamente a sua viabilidade, especialmente sob as óticas da elevação do nível de investimentos, da eficiência e da competitividade. […]
46. Não se justifica o argumento de que não foram feitos registros e estudos porque se decidiu priorizar a entrega de resultados à sociedade em detrimento da forma. Esse discurso apenas confirma a fragilidade na governança desta política pública, marcada essencialmente pela deficiência de planejamento” (Acórdão 1205/2015-Plenário)
Em 2020, no âmbito de uma auditoria operacional que tratou da Integração Multimodal dos Transportes, o TCU já havia apontado, entre outras constatações, a ausência de critérios uniformes, em especial critérios com vistas à integração multimodal, para a priorização de investimentos entre os diversos órgãos responsáveis pelo planejamento e execução dos empreendimentos de infraestrutura (Acórdão 1327/2020-Plenário).
Planejamento no setor portuário
Mais recentemente, o TCU avaliou caso concreto relacionado a terminal de contêineres, no Porto de Santos/SP (Acórdão 2517/2023-Plenário). A renovação do contrato envolveu a realização de investimentos da ordem de R$ 1,54 bilhão na infraestrutura do terminal para a ampliação da capacidade de movimentação de cargas e o aumento da eficiência operacional.
Um dos pontos discutidos foram os parâmetros operacionais adotados no Evtea (Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental), por apresentarem valores inferiores àqueles previstos no PDZ (Plano de Desenvolvimento e Zoneamento) do porto.
Segundo a portaria 61/2020 do então Ministério da Infraestrutura, o PDZ, o plano mestre do porto e o plano geral de outorgas são instrumentos de planejamento do setor portuário nacional de caráter contínuo.
O PDZ é o instrumento de planejamento que contempla as estratégias para a expansão e o desenvolvimento das áreas e instalações do porto organizado. É elaborado pela autoridade portuária e aprovado pelo Ministério de portos e aeroportos, que se alinha ao plano mestre e ao PNLP (Plano Nacional de Logística Portuária) em uma cadeia de instrumentos norteadores para conduzir as ações do poder público.
Apesar do acolhimento das argumentações apresentadas pela arrendatária e pela ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), recomendou-se à autoridade portuária do porto de Santos e ao Ministério que corrigissem possíveis superestimativas de variáveis do PDZ para que ele possa efetivamente orientar o planejamento portuário.
A não utilização das informações e dados do PDZ para avaliação de investimentos e capacidades dos estudos de viabilidade para prorrogação antecipada do Contrato de Arrendamento afrontaria o decreto 8.033/2013:
“Art. 19. […] § 3º São requisitos para a prorrogação de contratos de concessão ou de arrendamento portuário, sem prejuízo de outros previstos em lei ou regulamento: […]
III – a compatibilidade com as diretrizes e o planejamento de uso e ocupação da área, conforme estabelecido no plano de desenvolvimento e zoneamento do porto.”
Portanto, é necessário fomentar a previsibilidade e a estabilidade das ações governamentais, por meio da valorização do planejamento de longo prazo em infraestrutura de transportes, o que, por sua vez, contribuirá para a elevação do nível de investimentos, da eficiência e da competitividade no país, e, principalmente, proverá aos brasileiros a efetiva entrega da política pública para melhorar o bem-estar social.
*Eventuais opiniões são pessoais e não expressam posicionamento institucional