Marília Sena e Amanda Pupo, da Agência iNFRA
A ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) pode aprovar nesta semana a abertura da consulta pública sobre a concessão do canal de acesso do Porto de Santos (SP). A reguladora incluiu na pauta da reunião deliberativa eletrônica desta segunda-feira (15) a abertura da consulta pública. A votação terá início nesta segunda, às 14h, e seguirá aberta até quarta-feira (17), período em que os diretores da agência poderão manifestar-se sobre a proposta.
O assunto entrou na última reunião deliberativa da ANTAQ de 2025 antecipando a expectativa interna de que a abertura da consulta ocorresse no início do próximo ano. Os estudos chegaram na agência em agosto, mas precisaram passar por reavaliações e ajustes. Um cuidado maior tem sido tomado depois da experiência com o projeto de concessão parcial dos portos da Codeba (Companhia das Docas do Estado da Bahia), que, levado à consulta, causou insatisfação na estatal responsável pelos terminais de Salvador, Aratu-Candeias e Ilhéus.
No caso de Santos, a cúpula da APS (Autoridade Portuária de Santos) já indica resistência ao modelo antes mesmo da fase participativa. Anderson Pomini, presidente da estatal, quer que os serviços sejam concedidos em formato de PPP (Parceria Público-Privada) no lugar do desenho atual, que é de uma concessão plena dos serviços relacionados ao acesso aquaviário.
Os estudos foram elaborados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Já a Infra S.A. foi responsável por projetar a concessão do canal de acesso do Porto de Paranaguá – a primeira desse tipo, leiloada em outubro e arrematada por um consórcio entre a operadora portuária FTS e a belga Deme, que disputou com outras três ofertas.
O MPor (Ministério de Portos e Aeroportos) dizia querer levar o canal de acesso de Santos ao mercado ainda neste ano. Por isso, a avaliação de pessoas interessadas no projeto é de que o avanço estaria demorando mais que o esperado. A falta de condições da entrada do porto – que é o maior da América Latina – tornou-se um gargalo acentuado nos últimos anos e alvo de reclamação frequente das empresas de navegação.
Dentro da ANTAQ, a ponderação feita sobre a velocidade do processo é de que as análises demandam tempo e resultaram em necessidades de ajustes na modelagem, o que demandou também interações com a pasta e o BNDES. Passaram por alterações, por exemplo, o relatório de avaliação socioambiental e a modelagem econômico-financeira. Na agência, o caso será relatado pela diretora Flávia Takafashi, que encerra seu mandato na agência em fevereiro.
Além disso, a primeira versão do estudo feito pelo BNDES precisou ser refeita pelo banco, a pedido da Secretaria Nacional de Portos do MPor. O projeto que chegou em agosto à ANTAQ já seria a segunda versão. Procurada pela Agência iNFRA, a reguladora reforçou que os estudos precisaram de ajustes após envio pelo banco.
“A ANTAQ informa que todas as etapas seguem rigorosamente os padrões técnicos e regulatórios aplicáveis, assegurando segurança jurídica, eficiência e melhores resultados para o setor portuário e para a sociedade”, afirmou. “A agência reafirma seu compromisso com a condução técnica, transparente e alinhada às diretrizes legais dos projetos de concessão e arrendamento portuário”, concluiu.
APS quer concessão sem abrir mão de tarifa
A concessão em Santos segue o modelo de Paranaguá e a lógica de dar mais eficiência para a operação e manutenção dos canais de acesso. O regime de contratação pública de dragagens é considerado mais demorado, instável e burocrático, o que teria agravado o problema da falta de profundidade nas entradas dos portos brasileiros.
Embora ainda não tenha sido publicamente detalhada, a modelagem para Santos prevê investimentos na casa de R$ 6 bilhões. Se for como em Paranaguá, como tem dito o MPor, para desembolsar esses recursos, o futuro concessionário poderá contar com a remuneração da Tabela I, paga pelos usuários para acessar a infraestrutura do porto.
O presidente da APS, por sua vez, colocou-se contra esse modelo. Em nota à Agência iNFRA, ele disse ser favorável à concessão do canal, mas com adequações ao que foi proposto pelo BNDES. A posição foi comunicada ao MPor em um “Relatório Final Consolidado da Autoridade Portuária”. Nele, a APS diz que há “incertezas e riscos” no desenho e que, por isso, uma concessão administrativa seria a alternativa “mais equilibrada”.
Nesse formato, a APS manteria a arrecadação da Tabela I, “assegurando o controle da política tarifária”, enquanto o concessionário seria remunerado por um repasse financeiro atrelado a indicadores de desempenho. “Essa configuração preserva a autonomia da APS, garante maior previsibilidade na gestão de receitas e investimentos e reforça a governança pública, ao mesmo tempo em que promove a eficiência operacional da parceria privada”, diz o relatório.
A proposta defendida por Pomini não tem recepção fácil dentro do governo. Na Casa Civil, por exemplo, técnicos argumentam não haver sentido em se fazer uma PPP administrativa se o ativo comporta uma concessão plena. A avaliação é de que o projeto funciona sem demandar uma intermediação da estatal nos pagamentos ao setor privado.
Já para o presidente da APS, o modelo empregado em Paranaguá não se adequa a Santos. “Não se pode usar o mesmo modelo para um porto com 24 berços, como Paranaguá, para o Porto de Santos, que tem mais de 60 berços de atracação e é o maior porto do Hemisfério Sul. Por isso, defendemos a concessão, mas com adequações que não limitem o crescimento e inviabilizem a manutenção da gestão pública estratégica do Porto de Santos”, disse Pomini na nota à reportagem.
Além de dizer que a transferência da Tabela I ao concessionário limita a capacidade da APS, a estatal afirmou no relatório que os benefícios da concessão ainda carecem de “comprovação técnica”. “O modelo prevê poucos investimentos obrigatórios e não demonstra, de forma clara, ganhos efetivos para as cadeias logísticas”, afirma, dizendo ainda que o cenário evidencia a necessidade de uma análise “mais aprofundada” das premissas financeiras e regulatórias.
A elaboração de um projeto de PPP administrativa demandaria uma reformulação profunda dos estudos e empurraria ainda mais para frente a concessão do canal – que é prometida desde o governo Bolsonaro (2019-2022).
Enquanto isso, a cadeia de agentes que usam o porto afirma que os investimentos são urgentes. O canal do Porto de Santos hoje permite calado máximo dos navios em 14,5 metros, segundo o site da autoridade portuária. A concessão prevê aprofundamento para que seja possível chegar a um calado próximo dos 17 metros, o que permitiria a entrada de grandes navios de contêiner (como os de 366 metros). Navios desse porte, quando testaram o porto com o atual calado, indicaram que não seria possível uma operação adequada.
Com a atual profundidade do canal, os navios de contêiner de maior tamanho que operam em Santos sem maiores restrições são navios de 340 metros, atualmente já fora do padrão de construção da indústria, que tem trabalhado com navios de 400 metros. Quanto menor o navio, menor a escala e mais altos ficam os custos de frete. Por ora, o que está previsto é uma contratação pela APS para aprofundar o canal de 15 metros para 16 metros, que ainda levará tempo.
O aprofundamento do canal precisará ser feito para comportar o que o projeto do Tecon Santos 10 prevê para o complexo portuário. O megaterminal vai demandar uma infraestrutura de acesso muito mais arrojada e adequada ao tamanho da futura movimentação de contêineres no porto, cuja capacidade será ampliada em 50%.
Experiência da Codeba
A resistência da APS em abrir mão de arrecadar a Tabela I relembra a reação que a Codeba teve ao projeto de concessão parcial de seus portos colocado em consulta pública neste ano. Técnicos da ANTAQ citam o episódio para reforçar o motivo de a agência estar atuando de forma tão criteriosa sobre os estudos do canal de Santos que irão para participação social. A ideia é atenuar riscos de uma audiência com tensionamentos.
É considerado natural, por sua vez, que haja questionamentos e apontamentos sobre esses processos, já que a concessão de canais é um modelo novo no país. No governo Bolsonaro, o então ministro da Infraestrutura e hoje governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, chegou a propor a desestatização integral do Porto de Santos, mas o projeto não foi para frente.
No caso da Codeba, depois da repercussão pós-audiência pública, o governo vai elaborar uma nova proposta de edital, como mostrou a Agência iNFRA. Para os portos da Bahia, o estudo ia além de uma concessão do canal de acesso. A modelagem também previa, por exemplo, que o operador privado teria o direito de arrendar novas áreas no porto de Aratu-Candeias, atualmente não exploradas pela estatal. A Codeba, por outro lado, seria mantida na administração dos terminais portuários já arrendados, de onde viriam suas receitas.
*Reportagem atualizada às 12h55 de 15/12 com a informação de que a ANTAQ incluiu na reunião deliberativa eletrônica desta semana a abertura da consulta pública sobre a concessão do canal de acesso ao Porto de Santos. Atualizada novamente às 15h para corrigir informação de que o projeto do canal de acesso de Paranaguá foi feito pelo BNDES. O estudo foi realizado pela Infra S.A.








