Nathalia Caroline Fritz Neves e Fernanda Martinez Campos Cotecchia*
O Novo Marco Legal do Transporte Ferroviário, instituído pela MP (Medida Provisória) 1.065/2021, alcançará, hoje (28), o seu prazo final de vigência, podendo ser prorrogado automaticamente por mais 60 dias, caso não tenha sua votação concluída nas duas Casas do Congresso Nacional.
A referida MP estabeleceu, dentre outras inovações, a possibilidade de outorga de autorização para construção e exploração de ferrovias, até mesmo pela iniciativa privada, visando, desta forma, ampliar a participação do setor ferroviário na infraestrutura de transportes do país. Após sua publicação, em 30 de agosto de 2021, diversas empresas postularam perante o Ministério de Infraestrutura seus respectivos pedidos de autorização ferroviária, estando tais pleitos sob análise final da citada Pasta Ministerial.
Assim, conjugando-se as questões concernentes ao período de vigência da MP com o fato de que potencialmente diversas relações jurídicas serão formadas com base na obtenção de outorga de autorizações, remanescem algumas dúvidas quanto à segurança jurídica de relações firmadas durante a vigência da MP 1.065/2021. Por conseguinte, torna-se de extrema relevância o estudo dos efeitos às autorizações ferroviárias que porventura sejam expedidas neste ínterim, principalmente diante dos possíveis cenários de i) rejeição da matéria, ii) caducidade do referido ato normativo; ou de iii) conversão em projeto de lei.
Em que pese o interesse do setor na evolução da MP 1.065/2021 para conversão em lei, convém registrar que está em trâmite junto à Câmara dos Deputados o PLS (Projeto de Lei do Senado Federal) 261/2018, que também propõe a criação de novo marco regulatório para o transporte ferroviário, com diversas provisões semelhantes às da medida provisória. Em vista disso, a CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado aprovou requerimento para que o presidente do Congresso devolva a MP ao governo federal, dando-se prioridade somente à tramitação do PLS.
Não obstante, cumpre destacar que as medidas provisórias possuem força, eficácia e produzem efeitos jurídicos imediatos. Assim, é de todo possível que negócios jurídicos sejam estabelecidos no período de sua vigência, inclusive a celebração de contratos de adesão de autorização de trechos ferroviários determinados, concedendo plenos direitos às partes envolvidas. Todavia, a Constituição Federal prevê a perda de eficácia das medidas provisórias, desde a edição, caso sejam expressamente rejeitadas ou não sejam convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável uma vez por igual período.
Embora as medidas provisórias sejam revestidas de caráter de temporariedade, o constituinte estabeleceu ao Congresso Nacional o dever de disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas oriundas. Por sua vez, caso não haja a devida regulamentação, o art. 62, § 11º da Constituição Federal dispõe que a medida provisória continuará regendo os negócios jurídicos constituídos e decorrentes de atos praticados durante sua vigência.
Inclusive, se a medida provisória for aprovada com emendas, há igual necessidade de apresentação de projeto de decreto legislativo para regulamentação das relações jurídicas decorrentes da vigência dos textos suprimidos ou alterados, juntamente com o projeto de lei de conversão.
Portanto, consoante ensina o jurista e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes1, “a Constituição permite, de forma excepcional e restrita, a permanência dos efeitos ex nunc de medida provisória expressa ou tacitamente rejeitada”, sempre que o Congresso Nacional deixar de editar subsequente decreto legislativo, evitando-se, desta forma, a existência de um vácuo normativo.
Significa dizer que, mesmo que a MP 1.065/2021 venha a ser rejeitada, expressa ou tacitamente, esta continuará a produzir efeitos no mundo jurídico, tratando-se, portanto, do que a doutrina costuma denominar de ultratividade da medida provisória2. A regulação criada pela medida provisória não se projetará para o futuro, mas, apenas, preservará a validade dos atos praticados antes de ter sido repelida, conforme preleciona o ministro do STF Gilmar Mendes Ferreira3.
Por outro lado, a MP 1.065/2021 somente não terá seus efeitos mantidos caso o Congresso Nacional edite decreto legislativo em sentido divergente, ou seja, disciplinando pela não validade das ações provenientes do ato normativo governamental.
A despeito da possibilidade de o Poder Legislativo fazer retroceder os efeitos das medidas provisórias, na prática, o que se observa é que o Congresso Nacional raramente edita decretos legislativos contrários à finalidade precípua da respectiva medida provisória4, de forma a presar pela continuidade nas relações jurídicas ocorridas durante a vigência das MPs.
Assim, in casu, nas hipóteses em que a MP venha a caducar ou não seja convertida em lei, as autorizações ferroviárias outorgadas durante a vigência do Novo Marco Legal do Transporte Ferroviário, a princípio, permanecerão válidas, em atenção ao princípio primordial da segurança jurídica.
Contudo, em não havendo a aprovação do texto da MP, não poderão ser expedidas outras outorgas autorizativas, gerando um hiato legislativo por prazo indeterminado, enquanto não publicada outra lei que discipline a autorização ferroviária, como, por exemplo, o PLS.
Não obstante o acima exposto, é inegável que, qualquer que seja o destino da MP 1.065/2021, as discussões acerca da necessidade de diversificação dos meios de transporte no país intensificaram, com o fito de atender ao grande anseio da sociedade pela maior disposição de trens de passageiros e pela ampliação da malha ferroviária para o transporte de cargas. Ademais, são imprescindíveis medidas e regulamentos que simplifiquem e desburocratizem os procedimentos para implementação de ferrovias, facilitando o ingresso de novos entrantes e, dessa forma, permitindo, no futuro próximo, o melhor aperfeiçoamento e desenvolvimento da logística de ferrovias disponível no Brasil.