Sem privatização, futuro do Porto de Santos está ameaçado, defendem diretores da SPA

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

Eles são bilionários. Em três anos, conseguiram transformar a empresa que administra o maior porto da América Latina numa companhia que dava prejuízo para uma empresa lucrativa e com saúde financeira para acumular um caixa de R$ 1,3 bilhão em 2021.

Mas os bilionários convivem com problemas diários porque a infraestrutura do Porto de Santos (SP) não é a mais adequada para realizar a atividade de transportar as mais de 147 milhões de toneladas de carga ao ano. Até a manutenção básica de alguns serviços essenciais sofre.

Fernando Biral, diretor-presidente da SPA (Autoridade Portuária do Porto de Santos), não tem dúvidas de apontar que a burocracia legislativa e do sistema de controles estatal são fatores impeditivos para os investimentos e ameaçam o futuro do porto.  

“Temos diversas amarras para a contratação. E infinitas amarras para uma renegociação para qualquer fator superveniente que aconteça”, revela Bruno Stupello, diretor de Desenvolvimento de Negócios e Regulação da estatal.

Nesta entrevista exclusiva à Agência iNFRA na sede da companhia, em Santos, os dois dirigentes defendem que o melhor caminho para acabar com essas amarras é a privatização da companhia. Eles tratam ainda de questões concorrenciais que hoje afetam as empresas que operam no porto. E defendem que Santos precisa urgentemente de um novo terminal de contêineres.

“Não temos dúvida de que ele é necessário. E para agora.”

Agência iNFRA – Numa entrevista recente à Agência iNFRA, o secretário de Portos, Diogo Piloni, informou que a empresa tem R$ 1,3 bilhão em caixa. Vocês acham isso bom? Ou esse número poderia ser diferente?
Fernando Biral – É interessante que você tenha um caixa. Mais do que ser elevado, estamos gerando resultados que se traduzem em geração de caixa. Você pode ter alguns resultados de lucro que não têm caixa. Quando a gente olha o porto numa perspectiva de mais longo prazo, vemos que o porto é capaz de gerar um caixa suficiente para recuperar o capital investido. Essa era a principal preocupação que tínhamos, de mostrar isso aos possíveis investidores. Isso vai fazer diferença na desestatização. Ele é um negócio muito atraente, até por ser um monopólio.

Não exatamente mais…
Quase isso. Mas por que ele não dava resultado antes? Você tinha um descontrole muito grande nas despesas, tanto de pessoal, que eram elevadas, como também na parte de contratos de fornecedores.

E o que mudou?
Um enxugamento muito grande de pessoal. Saímos de 1.350 [funcionários]. Estamos com 980 e devemos chegar a uns 850. É uma redução significativa.

Sem afetar a produtividade?
Sem afetar nada. Começa por aí. Revisamos todos os contratos, com redução de pelo menos 30%, teve até de 70%. A gestão dos contratos também mudou. Você poderia ser induzido pelo fornecedor em determinados momentos na questão dos aditivos. E fomos muito duros na gestão. Tirar dinheiro daqui não ficou fácil.

E houve ações na receita?
A tabela tarifária estava congelada desde 2018. Onde a gente conseguiu aumentar a receita? No aumento dos volumes, com ampliação de berços para novas cargas, como fertilizantes. Mas também nos contratos de transição feitos. Teve também leilões, mas ainda estão para entrar em operação. O fato de você também ter foco maior no acerto dessas situações contratuais, a recuperação da confiança, de que é um porto com nova gestão, fez a gente capturar mais carga.

Bruno Stupello – Na gestão dos contratos de transição, em que temos uma liberdade maior para negociar valores, eles eram corrigidos por índices inflacionários [defasados] ou nenhum índice, há muito tempo. Criamos metodologia para a precificação correta desses índices e diversos contratos foram corrigidos em 100% do valor. E foi negociação de planilha aberta. Mostrávamos a modelagem e perguntávamos se tinha algum parâmetro errado. Se não tinha, não poderia reclamar dos resultados. A Transpetro fazia um pagamento anual da ordem de R$ 16 milhões e passou a fazer de R$ 32 milhões. Pagavam valores irrisórios. Trouxemos os contratos para valores atuais. Também tínhamos áreas ociosas. E passamos a fazer uma metodologia simplificada para trazer players novos. Tirando as áreas greenfield, não há nenhuma área que não esteja sendo explorada.

Vocês sentiram reação dos clientes em relação a essa postura?
Fernando Biral – Total. Na positiva, eles começaram a acreditar mais na gestão. Mas teve a negativa. Ninguém quer aceitar reajuste, ninguém quer pagar pela atualização. Mas isso foi muito bem gerido. As planilhas são abertas, estava ali. Tem que pagar o preço justo.

Bruno Stupello – A negociação era muito dura. Mas a postura ao final sempre foi do pessoal agradecer a transparência e nos parabenizar pela forma com que estávamos trabalhando.

Isso não evitou que se tivesse judicializações e conflitos. Queria trazer o que está mais presente no momento, que é a dragagem. Como estão lidando com o problema? Há alguma ameaça à qualidade da operação do porto?
Fernando Biral – Estamos fazendo todo o esforço para acelerar a resolução desse problema. Há um contrato em vigor com a DTA [Engenharia] e ela tem que dragar. Se não dragar, e a gente perceber que a situação vai se deteriorar, teremos que fazer alguma coisa, nem que seja emergencial. Mas a gente vai ter que fazer. Queremos retomar o contrato com a Van Oord [Esclarecimento: O presidente da SPA, Fernando Biral, informou que a retomada do contrato com a Van Oord só acontecerá quando a situação com a DTA for resolvida, observando-se os direitos e obrigações da DTA]. Porque temos equipamentos melhores dentro do [novo] contrato, mais produtivo, no qual vamos imprimir um novo ritmo de dragagem no porto. Mas se a gente não tiver uma resolução rápida [judicial] e se a DTA não cumprir o contrato, vamos ter que tomar uma ação rápida. Perder calado não é uma opção. Tivemos algumas situações de perda que não foram tão significativas. 

Por que acha que chegou a esse nível de conflito?
O contrato nasceu já com um cenário totalmente diferente [do licitado]. Ele passou a ser executado num cenário totalmente diferente da proposta, com um grande fator de desvalorização cambial. Isso já impactou o fornecedor, e muito. Nesse meio tempo, teve a questão do overflow [forma de despejo do material dragado], que foi uma mudança que o Ibama determinou. Temporária. Teve impacto? Teve. Está sendo discutido e estamos analisando o pleito. Ele tem que ser verificado para que se tenha uma comprovação não só do prejuízo, mas analisar dentro do contexto da proposta, se faz ou não sentido o reequilíbrio. 

Os instrumentos que vocês têm como gestores de uma empresa pública são adequados para lidar com casos como esses?
Não são. Você tem uma série de amarras, inclusive para fazer rescisão contratual. [No caso da dragagem, por exemplo, a DTA] teve que absorver a variação cambial, que já fez com que prejudicasse a lucratividade do contrato. Teve o overflow, que na visão dele tenta recuperar o que estava perdendo. Mas o que a gente viu foi que, na disponibilidade de equipamentos que deveria ter ao longo do contrato, começamos a ver falhas. Fomos administrando o contrato para não ter o impacto operacional. Não saiu do jeito que a gente pretendia porque eles não dragaram tudo o que poderiam, mas dragaram o mínimo necessário, o que não era o ideal. A gente teve uma situação em que o contrato foi executado de forma que a SPA não tivesse um prejuízo. Não tínhamos um motivo razoável para rescindir. Mas tivemos questões de produtividade que foi preciso muito contorcionismo para tentar evitar impacto para os operadores. À medida que demora mais tempo no berço, tem que tirar a draga para colocar o navio e voltar com a draga. 

E quando isso se agravou?
No momento em que ela, alegando que não era lucrativo, começa a deixar de cumprir as ordens de serviço em sua totalidade. Ao final do contrato, percebemos quebra grande. Quando ela entra na Justiça e ganha o direito de continuar dragando em janeiro, quando tem que realizar, porque é o mês mais fraco, e ela não performa, principalmente em granéis, o que acontece é que gera uma situação crítica.

Bruno Stupello – A [resposta para a] questão sobre se a empresa pública tem como gerir o contrato é não. Temos diversas amarras para a contratação. E infinitas amarras para uma renegociação para qualquer fator superveniente que aconteça. Como público, [se há] uma variação de câmbio, precisamos que a empresa mostre na nota que pagou exatamente quanto pagou pela draga, quanto transferiu em reais. Se estamos num mercado privado, se estabelece uma ptax em tanto e reequilibra.

Vocês não conseguem fazer isso?
Não temos a menor autonomia para isso, com responsabilização do CPF do gestor imediatamente. Em qualquer contratação a gente não consegue fazer isso. A Lei das Estatais trouxe uma flexibilização. Ela busca aproximar a gestão estatal do mercado privado, mas ainda assim está muito longe.

Por causa do texto legal ou da interpretação?
Fernando Biral – Algumas questões são derivadas da lei. A questão dos pleitos, qualquer reequilíbrio tem que passar por um pleito, que é analisado pelo TCU [Tribunal de Contas da União] e vai formando uma doutrina. Então, a convenção é que o pleito tem que passar por essas etapas. No final, você tem que ter análise jurídica, aprovação de diretoria, de conselho. Os pleitos não são resolvidos facilmente. No privado, você pode dizer o seguinte: você errou na proposta, mas como temos uma relação de parceria, eu vou pagar porque estou vendo que você está tendo prejuízo. Aqui, não. Você errou na proposta, é risco seu. Não tem negociação. Isso leva em muitos casos a ter fatores supervenientes que seriam absorvidos pelo fornecedor. Nem sempre ele tem saúde financeira e ele acaba rescindindo. 

E como acontece a rescisão?
Quando faz a rescisão, é outro processo super demorado. Numa obra civil, você até consegue administrar. Mas na dragagem, não consegue. Se faz a rescisão sem ter motivo, [sem] comprovar prejuízo, mesmo que amigável, e na sequência você tem que fazer um emergencial, se tiver uma diferença de preço, você é responsabilizado. O fornecedor algumas vezes não quer pedir a rescisão porque teme ficar inabilitado. A administração contratual virou uma das questões para fazer a desestatização. Em projetos complexos, sujeitos a N riscos, não funciona.

Bruno Stupello – E voltamos na sua primeira pergunta. É ideal ter um caixa de R$ 1 bi? Se a gente estivesse conseguindo gastar… A gente provou que o ativo gera caixa, mas a gente não consegue investir. Não consegue gastar com serviços básicos. Para contratar uma grande obra, eu demoro três anos.

Voltando ao caixa, há reclamações de aumentos de tarifas, mesmo nessa situação favorável. Por que isso foi feito?
O melhor nome é readequação tarifária, em atendimento a uma resolução da ANTAQ [Agência Nacional de Transportes Aquaviários].

Foi só aqui?
Não, no Brasil todo. Essa resolução trouxe uma mudança metodológica das tabelas tarifárias. A tabela 1 era cobrada majoritariamente por tonelada movimentada e contêiner cheio, passa a ser cobrada por porte bruto da embarcação. Determinado pela ANTAQ. Ela fez audiência pública sobre isso, estudou bastante, a melhor forma de remuneração dos serviços. Essa mudança na tabela 1 não tem um aumento. Na média, ela trouxe reajuste de 13,19%. Sendo que o último tinha sido em 2018. Nem repõe o IPCA, está abaixo. Como isso é possível? Com a gestão de custos que fizemos, aumento de outras receitas, leilões. Aí foi possível um reajuste menor que a inflação. Mas ela corrige distorções históricas. Essas cargas que reclamam que estão sendo majoradas foram historicamente subsidiadas por outras cargas. O navio de uma mesma dimensão, se fosse de granel ou de contêiner, pagava preço de tabela completamente diferente. 

Quanto seria?
Um navio poderia pagar R$ 250 mil e outro zero de tabela 1. Mas a infraestrutura que eles usam é a mesma. Não sabemos como o navio vinha.  A infraestrutura tem que estar preparada para que o navio venha na máxima capacidade. O risco de vir cheio ou vazio é dele. Não é o risco do porto. Eu cobro pelo slot, pela infraestrutura que tenho que preparar para ele. Há uma transparência e isonomia de tratamento de carga que está criando esse discurso de aumento. 

Fernando Biral – Isso [o caixa] é uma foto. Temos que falar sempre da lucratividade, do caixa, para não falar que é meramente contábil. Mas se olhar profundamente para a empresa nos próximos anos, as pessoas não estão vendo que também temos que pagar uma dívida grande com Portus, em torno de R$ 800 milhões. Tem R$ 50 milhões de complementação de aposentadoria. Se a gente pudesse aplicar mais rapidamente, estaríamos investindo na transferência do terminal de passageiros que vai ter um custo significativo, de R$ 300 milhões a R$ 400 milhões. Temos projetos que estão há anos sendo discutidos, como a perimetral da margem esquerda, outras centenas de milhões, tem aprofundamento do canal. Tem coisas que jogam para dentro da desestatização, mas se poderia realizar muito aqui. Olha-se para o caixa e ele é elevado. Mas tem também ações judiciais provisionadas e numa sentença eu posso pagar R$ 100 milhões, R$ 200 milhões. As pessoas não veem isso. Quando você fala em reajuste, o cara fala: está dando lucro e tem caixa. Mas não sabe a situação toda, todos os gastos que vamos ter.

Bruno Stupello – Na resolução da ANTAQ sobre a tarifa está explícito que a autoridade portuária tem que investir R$ 980 milhões nos próximos anos. Se eu não tiver de fato o investimento realizado, na próxima revisão ordinária da tabela, se eu cobrei e não fiz, ele já abate imediatamente. Tem um freio da ANTAQ. Se está recebendo mais, tem que investir o valor. Se não investir, lá na frente vai para baixo. E nós declaramos independência dos recursos da União no ano passado. A receita gerada aqui tem que ser suficiente para pagar custeio e investimento.

Uma parte do mercado diz que é preciso um novo terminal de contêineres no Porto de Santos e outra parte diz que não é necessário. O que vocês defendem em relação a isso?
Fernando Biral – O STS10 vai ser mais um leilão, com investimentos que vão superar R$ 2 bilhões, com folga. A pergunta vai ter que ser: será que nós teremos interessados? Quem fala que não precisa, se realmente não precisar, a gente terá um leilão vazio. Ninguém vai investir se não for atrativo e para isso precisa ter demanda. Se não for, não vai ter. Mas acreditamos que vai ter muito. A parte de contêineres está ficando muito próxima da capacidade. Acreditamos que ele é extremamente necessário e a gente não entende [as críticas], não vemos fundamentação. Se fossem fundamentadas, a realidade daria conta de nos mostrar, quando desse vazio.

Bruno Stupello – No ano passado, atingimos 4,8 milhões de TEUs. Nos três principais terminais, a ocupação de berço está acima de 80%. Tem terminal que bateu mais de 90% em alguns meses. Qualquer literatura indica que, para berço de contêiner, ocupação de mais de 65% já indica gargalo. Com esse número simples, já se mostra que a ocupação de Santos já está acima dos limites ideais. Há expectativa de crescimento de carga nos próximos anos, com número de 3% a 4%, ainda mais como o BR do Mar, que está vigente. 

O que muda com o BR do Mar?
Ela traz benefícios para portos concentradores como Santos de capturar mais carga. Temos ainda, além da BR do Mar, homologados navios de grande porte, de 366 metros, com 14,2 metros de calado. Não é full capacity, mas já é um navio com bastante capacidade. Isso, junto com a característica de que navios de 340 metros não entram na bacia do Plata, nós estamos autorizados a fazer com que as linhas de longo [curso] façam transbordo aqui para transplantar para a Bacia do Plata por cabotagem. E não é só ter capacidade para navio grande. É ter gate in/out, ter carga da região de influência… Temos características que, com a oferta de novos terminais, pode fazer de Santos ainda mais concentrador do que é hoje. Não temos dúvida que ele é necessário. E para agora. A capacidade vai ser de 2,5 milhões de TEUs, que leva de dois a três anos para ser construída. Vamos pensar aqui que, até estar operando, estamos falando em 2026. Em 2026 a capacidade vai estar no gargalo.

E tem alguma preocupação de vocês em relação a concentração, que é outro ponto controverso desse processo? Quem já está, poderia participar?
É uma questão que está sendo analisada pelo Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] e é complexa, porque tem a questão da verticalização, o que dificulta um pouco a análise. Temos aqui vários terminais verticalizados. Como você vai falar que uma indústria não pode verticalizar, escoar a própria produção dela? Mas, com as medidas que o Cade está analisando, acreditamos que não vamos ter nenhum problema de competição. Porque temos dois terminais que são bandeira branca. 

Ainda que tenha um novo verticalizado?
Você vai ter opções. E a própria oferta de capacidade faz com que você tenha que praticar preços de mercado. Vai ter uma natural competição para atrair a carga para o seu terminal. Por isso que a gente não consegue entender as críticas ao STS10. Demanda vai ter, já estamos no gargalo praticamente. Então, o discurso de que não é necessário em Santos vemos com muita preocupação, porque, na verdade, é muito necessário.

Bruno Stupello – A metodologia que a EPL aplica e que ANTAQ, Cade, TCU avaliam, já olha o mercado relevante. Se formos recordar a licitação do STS14 e STS14A, eles tinham uma limitação de a Suzano entrar se não fosse player único. Entendeu-se que a Suzano ganhando o terminal poderia fechar mercado para outras cargas e houve o bloqueio. O mercado relevante de contêineres, a gente tem competidores como Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina. O Portonave tem 30% a 40% da carga movimentada que deveria ser de Santos, mas é movimentado lá por causa dos joints. A gente já perde essa carga por falta de capacidade. Carga do TCP em Paranaguá também é da região de influência de Santos e estamos perdendo por falta de capacidade. Achamos que a avaliação de concentração tem que ser feita não pela metodologia travada, mas pela tipologia de carga. Qual o mercado relevante para contêineres? Quais concorrem para a captura daquela carga? Dentro dessa oferta [RJ, PR e SC], analisar a concentração. Para granéis, deveria ser avaliado, e o STS11 traz isso, São Paulo e Paraná. Porque se eu não tenho capacidade de movimentar grãos aqui, esse grão imediatamente foge para Paranaguá. É mais caro? É. Mas ele é um concorrente. Se eu tiver uma concentração de mercado em Santos, a carga vai fugir de Santos.

Você citou agora há pouco a mudança do terminal de passageiros. Como é esse projeto, que parece ser o resgate de uma dívida com a cidade? E pode também influenciar em mudanças da região onde ele está?
Temos um terminal que tem um berço pequeno. A operação de passageiros é importante para a cidade, para o turismo, para todo o aspecto econômico e social e merece ser preservado. Santos é o principal destino de início das viagens. O ideal é manter. Mas na configuração atual, com um berço somente, você tem que distribuir os navios em berços operacionais de outras cargas. Isso é ruim para o embarque de passageiros, não é uma experiência agradável. Você também perde operação [de cargas]. Fora isso, os navios estão aumentando o calado aéreo e, com a nossa linha [de energia] aqui que temos, a situação tem que ser distribuída em áreas antes do linhão. Vira um transtorno operacional. 

E qual será a solução?
Foi definido no PDZ que deveria migrar para a área próxima ao Valongo, que é uma área hoje que não tem vocação para cargas e que, se tiver berços exclusivos, você elimina essa interação [de passageiros com áreas de carga] e está do lado da cidade. Tem uma integração maior. O projeto está sendo feito de forma que o turista possa vir para Santos, circular no centro histórico. Durante o fim de semana vamos ter um fluxo grande de turistas. Como está sendo avaliada a substituição de área, a troca, saindo de uma área que tem vocação para fertilizantes, vai ter um investimento que vai ter que ser absorvido em parte pela autoridade. Mas vai ser um grande benefício. Vamos poder fazer ali um super terminal, o STS53, que vai dar vazão.

Que é o terminal de fertilizantes?
Bruno Stupello – Vai ter o Hidrovias do Brasil e o STS53, que vão ser dois grandes terminais. O Hidrovias está em obra. É de fertilizantes [mostra no mapa]. A ideia é incluir o Concais [passageiros] na mesma licitação do STS53. Teríamos três grandes terminais de fertilizantes, tirando o Tiplam, e com isso a gente resolveria a capacidade de fertilizantes para o porto de Santos.

Na mesma área do STS53 tem o projeto da Pera Ferroviária. O processo da Fips (Ferrovia Interna do Porto de Santos) já foi para o TCU. Mas ainda não está solucionado o processo com a Marimex, que hoje ocupa essa área. Vocês acham que vai ser possível conciliar esses tempos?
Estamos com pedido de reexame no tribunal. Se analisarmos o acórdão do voto do ministro Vital [do Rêgo], o contrato da Marimex está prorrogado até o final da vigência da Portofer. O projeto da Fips substitui o contrato da Portofer. Então, com Fips vigente, os termos do acórdão estariam superados. A obra para a pera ferroviária na margem direita é fundamental para que a gente tenha capacidade de movimentar as projeções via ferroviária na margem direita. Sem a pera, não vamos chegar aos números projetados, e é uma enxurrada de reequilíbrio contratual, porque esses caras foram licitados com previsão ferroviária. Estamos trabalhando para a substituição de área no Concais, confiando que a análise do tribunal vai ser célere, com Fips junto com o da renovação da MRS, para que a gente consiga destravar os investimentos. E aguardar a questão do reexame.

E a solução da MRS foi adequada para a operação do complexo como um todo?
Independe um pouco a questão contratual em si, mas das questões operacionais de fato. O ponto operacional está sendo trabalhado muito em detalhe entre ANTT e MRS, Rumo e VLI participando junto da discussão do anexo operacional de Fips e MRS. A SPA foi chamada para participar, todos na mesa para, operacionalmente, independentemente de serem contratos distintos, que fosse visto como uma única coisa. Da forma como está sendo trabalhado, vai ter esse resultado, independentemente de ser em um contrato único de Fips ou em dois contratos. Operacionalmente, ele vai operar como se fosse uma única coisa.

Vocês já defenderam em vários momentos que o processo de desestatização é importante e defenderam ele. O que vocês acham que acontece com o porto se ele não for desestatizado?Fernando Biral – A principal consequência de não desestatizar, fora o risco de não ter uma administração profissional, começar a ter descontroles, é que você não vai superar as principais desvantagens que você tem [para operar] como empresa pública, que é a questão da gestão contratual. Vai continuar tendo uma gestão engessada, que vai fazer com que você não execute os investimentos para as atividades operacionais e muito menos para a expansão do porto. Fizemos uma gestão ainda se utilizando de uma infraestrutura existente, com áreas que já possuem berço. Mas você criar uma infraestrutura greenfield, que obviamente você pode ter modelagens que passam o máximo de investimentos para o privado, os desafios são muito maiores que os que a gente tem hoje. 

Não é possível vencer como empresa pública?
Numa empresa pública, vai ser difícil fazer num tempo razoável. Vai demorar muito mais tempo para explorar a expansão do porto. Se não fizer, a gente compromete o crescimento de longo prazo. Em 10 anos, vamos começar a ter dificuldades com a expansão. Com os leilões que estão acontecendo, vamos ter uma expansão significativa. Mas isso dura um tempo. Depois, vai depender de uma expansão. E não é um cenário muito otimista. Estamos registrando aumentos significativos da produção de grãos que têm que ser escoados por aqui. E estamos vindo de uma situação em que a economia praticamente não cresceu nos últimos dez anos. Imagina se começa a crescer num ritmo um pouco mais elevado? A expansão se deu num ritmo em que a economia patinou.

Vocês, que estão aqui administrando conflitos tão diferentes, veem como relevante o risco apontado de não ter uma autoridade portuária neutra?
Bruno Stupello – O modelo traz diversas travas contratuais para que não tenha conflito de interesse. Tem a participação limitada a 15% a arrendatário do porto e, somada, em 40%. Esse grupo nunca vai ter controle. Temos uma agência reguladora forte, com diretores hoje muito capacitados para a resolução dos conflitos. Temos a possibilidade de arbitragem. Claro, existe algum risco? Existe. Mas a modelagem que está sendo feita tenta mitigá-lo com um contrato muito bem redigido, atribuições claras e penalizações. Nós entendemos que, do jeito que foi modelado, o risco está mitigado.

Fernando Biral – Na questão do investimento, você tem um PDZ [Plano de Desenvolvimento e Zoneamento] e obrigações contratuais que vão de certa forma direcionar e priorizar os investimentos e obras de infraestrutura. Os mecanismos são feitos para que [o vencedor] não se aproveite de uma determinada situação para beneficiar um terminal. Com todos esses mecanismos, índices, níveis de serviço que tem que cumprir, não vai ter esse conflito na prática.

Bruno Stupello – O conflito poderia se refletir numa alteração de PDZ que focasse mais numa tipologia de carga. Mas a alteração de PDZ não é determinada só pela autoridade [privada]. Tem que ter uma manifestação do CAP [Conselho de Autoridade Portuária] sobre isso e a aprovação final é via Ministério da Infraestrutura. A política pública de atendimento às cargas e a manutenção do porto multipropósito vêm das diretrizes de política pública. Ela não vai ter a prerrogativa de tirar todos os terminais de contêineres, ou tudo que é granel, e colocar a carga que atende a “minha” empresa.

Fernando Biral – E tem a ANTAQ também.

E com tanta amarra vocês acham que vai ter interessado?
Acho que vai porque o porto é um ativo único. E tem a possibilidade de crescimento agora. Ele é um porto absolutamente estratégico. E há a possibilidade de os atuais [arrendatários] entrarem em até 40%. Para muitos, seria superinteressante estar à frente da administração. Acho que não vai ter falta, vai ter muito interessado. Para muitos arrendatários, o principal é que o porto funcione bem. Se eles estiverem no bloco de controle, o maior ganho que vão ter é com uma operação eficiente.

Bruno Stupello – O resultado que tivemos como administração pública reforça que é um ativo que pode gerar muito valor. Mesmo com os freios e contrapesos, é um ativo que vai trazer muito interesse.

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